Novelas Mexicanas E Turcas Provam: O Melodrama é Universal

Novelas mexicanas e turcas provam: o melodrama é universal – 08/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

A televisão brasileira está completando 75 anos exibindo um quadro de estilos que remete ao auge de décadas passadas. No turbilhão teledramaturgia, vemos por todos os lados produções mexicanas, turcas, coreanas e, agora, obras nacionais direto para o streaming.

Mas se a América Latina inventou a telenovela, Silvio Santos, o maior participador do Brasil, foi quem escancarou as portas do país para as tramas e conflitos de outras culturas, primeiro com produções mexicanas, até portanto desconhecidas por cá.

Foi o caso da exibição no SBT de “Os Ricos Também Choram”, com Verônica Castro e Rogelio Guerra, em 1982, tapume de um ano posteriormente a inauguração da emissora. A obra é um ícone da teledramaturgia mundial sob a batuta de Valentín Pimstein, um dos pais das novelas produzidas pela Televisa, o maior grupo de mídia mexicano.

Na trama, Mariana, a jovem heroína interiorana —quase “selvagem”, ao estilo de Jean-Jacques Rousseau—, aprenderá no mundo urbano, para onde é levada posteriormente a morte do pai e onde se apaixonará pelo fruto de um milionário, que até os ricos choram. Mas a força do paixão é redentora para com os bons e, ao final, os maus terão o lição merecido num efeito catártico.

É quando o vilão, sedutor e orgulhoso e que pensa ter o domínio de tudo, sucumbe na presença de o herói. Por fim, um vilão muito construído é também mediano em qualquer boa história ancorada no melodrama folhetinesco. Ele é a representação dos obstáculos da vida cotidiana em forma de ficção, geralmente de comportamento egocêntrico e narcisista.

Com a romance, a emissora nascente da Vila Guilherme, em São Paulo, conquistou uma potente relação emocional com um público receptivo a esse estilo de história onde o sentimento humano à flor da pele assume o protagonismo. Na moral da história há a reparação da injustiça e a procura da felicidade amorosa.

São temas universais, não vasqueiro com situações mirabolantes —identidades duplas, amores ardentes, noivas abandonadas— envoltas em dramas domésticos, suspense e mistério amarrados com ganchos de fácil entendimento que, ao final feliz, aliviam, pela catarse, o público que procura o mesmo na vida real.

A popularidade por cá, porém, não coincidiu com a recepção da sátira, que preferia debochar do enredo das novelas apresentadas pelo SBT.

Há um contexto: esse maniqueísmo fundamental se somava à estética de programas sensacionalistas, uma vez que “O Varão do Sapato Branco”, ou a atração de variedades “Show sem Limite”, com J. Silvestre —ele mesmo responsável de radionovelas melodramáticas—, pela maneira clara e objetiva com que abordavam arquétipos da tragédia e da comédia humana.

Uma raiz em generalidade interliga essa teledramaturgia —o melodrama operístico do século 17 em comunidade com os romances de folhetim, sensação do século 19. Cabe a cada responsável —desde Joaquim Manuel de Macedo, pioneiro na compreensão da literatura para o povo com “A Moreninha”, até Raphael Montes, com a novidade “Formosura Trágico”— o talento de repaginar o que já está alicerçado há séculos.

Por sua vez, à estação de “Os Ricos Também Choram”, a concorrência seguia um caminho dissemelhante. A Orbe desfilava sucessos uma vez que “O Varão Proibido”, inspirado em Nelson Rodrigues, “Elas por Elas” e “Sétimo Sentido”, e abria espaço para as minisséries, com “Lampião e Maria Formosa”, “Avenida Paulista” e “Quem Patroa não Mata”.

Obras que, de uma forma ou de outra, trabalhavam com um lastro de veras vernáculo, com mais nuances que o melodrama idealizado.

Já o SBT apostava nesse gênero que já se julgava obsoleto. Foi uma sequência de sucessos, que depois seriam reprisados —a venezuelana “Topázio”, com Grécia Colmenares; a trilogia das Marias —”María Mercedes”, “Marimar” e “Maria do Bairro”, com a mexicana Thalía; seguida de “A Usurpadora” e a colombiana “Moca com Perfume de Mulher”.

Tramas, no universal, em que as mulheres protagonistas lutam em procura da felicidade, contra injustiças pessoais e vencem em nome do paixão.

Sem olvidar dos sucessos infantis, outra marca registrada da emissora, a mexicana “Carrossel” e a argentina “Chiquititas”, que teriam remakes de suas tramas em escolas e orfanatos ao longo das décadas.

A partir do sucesso, o setor vernáculo do SBT resgatava uma prática que esteve na base da romance brasileira ao longo dos anos 1960, adaptando produções estrangeiras uma vez que “Rumo”, a partir do original mexicano de Marissa Garrido. Com somente 55 capítulos e ação centrada em um grupo restrito de personagens, a obra de 1982 já adotava um formato que o streaming, hoje, alardeia estar inaugurando.

Seguiram outras: “Conflito”, “Acorrentada”, “A Ponte do Paixão” e “A Justiça de Deus”. Tramas que giravam em torno de amores impossíveis, injustiçados, de diferentes classes sociais; gêmeas ou de dupla personalidade; troca de crianças na maternidade; distúrbios psicológicos que intensificavam o drama familiar.

Enfim, os clássicos “faits divers” que recheavam os folhetins publicados por Émile de Girardin e Armand Dutacq desde 1836, na França.

Não demorou para que a emissora apostasse, em seguida, em produções originais que bebiam dessa tradição, a exemplo de “Meus Filhos, Minha Vida”, em 1984 —comovente atração protagonizada pela atriz Mirian Pires.

Na autoria, Crayton Sarzy —assessor de Silvio Santos na dimensão dramática—, Henrique Lobo e Ismael Fernandes —com quem colaborei no livro “Memória da Telenovela Brasileira”. Foi um momento importante de ampliação do mercado de trabalho.

Já no início dos anos 1990, o SBT tentava passar detrás do nacionalismo. Foi quando o diretor Nilton Travesso produziu uma adaptação de “Éramos Seis”, que se tornaria um grande sucesso com Irene Ravache e Othon Bastos a partir do romance de Maria José Dupré.

Daí derivaram títulos uma vez que “As Pupilas do Senhor Reitor” e “Sangue do Meu Sangue”, muito realizadas, mas que não repetiram o mesmo sucesso do primeiro investimento no setor. “Eu falei para o Silvio que nós temos mais audiência com produções mexicanas do que com as brasileiras”, me confidenciou Sarzy à estação, quando eu ainda trabalhava no Vídeo Show.

Na estação, vendi para o SBT também três textos de Jorge Andrade —”Os Ossos do Barão”, “Gaivotas” e “Ninho da Serpente”. Dentro do universo de público que o próprio SBT havia desvelado, Sarzy estava perceptível.

Uma dezena depois, em 2008, atuando uma vez que consultor na Orbe, aceitei um invitação de Silvio para uma experiência em sua morada, no Morumbi —por dois meses, lia, fazia observações e recebia os capítulos em vídeo daquilo que seria “Revelação”, a primeira romance de Íris Abravanel, misturando elementos-chave do folhetim, conflitos amorosos, anelo e mistério.

Uma vivência valiosíssima, ainda que não tenha ido adiante porque Octávio Florisbal, diretor-geral da Orbe, lembrou-me que eu tinha contrato de exclusividade com a emissora.

Na dezena seguinte, seria a vez da Band e da Record identificarem uma coqueluche mundial. Títulos uma vez que “Milénio e Uma Noites”, “Fatmagul: A Força do Paixão”, além da recente romanceForça de Mulher” —inspirada no drama nipónico “Woman”— estão em crescente sucesso.

O melodrama é universal, mas as obras turcas partem de outro lugar. A base psicossocial das histórias gira em torno de mulheres oprimidas que, por esforço próprio, superam as adversidades da vida e encontram o paixão romântico. Porquê em uma gangorra dramática, temos a mulher entre o traumatismo e a superação.

Tanto no México uma vez que na Turquia, o fator religioso é muito latente. Mas no caso turco, o drama amoroso é extremamente intenso, envolvido por um fator moral fundamentado em dogmas religiosos que contrasta com a veras dos avanços cada vez mais notórios da mulher brasileira.

No mesmo embalo, estão agora aí as novelas e séries da Coreia do Sul, que desde 2012 vêm construindo um caminho para mostrar ao mundo a qualidade de suas histórias. “Rainha das Lágrimas”, “Descendentes do Sol”, “O Rei da Porcelana” e “A Joia do Palácio” são somente alguns dos destaques que se vê em streaming uma vez que a Netflix e o Rakuten Viki, devotado ao gênero.

Seu diferencial é mostrar a Coreia do Sul tradicional e moderna, bebendo tanto na natividade mexicana e brasileira —muito disso por conta do sucesso do Telenovela, importante via a cabo asiático que exibe obras de ambos os países.

Nessa toada, chegamos à China, que ainda não tem repercussão no Brasil. Mas, lá fora, pela primeira vez, em 2016, posteriormente mais de dez anos dentro da categoria telenovela, a Ateneu Internacional de Artes e Ciências da Televisão de Novidade York elegeu uma produção chinesa uma vez que a melhor do ano para o Emmy.

“A Melodia da Glória”, inspirada no romance “A Filha Venenosa”, com seu drama histórico, arrebatou a audiência com somente 53 capítulos. Outras produções de destaque são “Aposta de Gigantes”, “A Princesa Rebelde” e “Bela Juventude”, mostrando a preâmbulo da China a partir do desenvolvimento econômico.

Encontrar os anseios do povo, preencher os vazios existenciais e emocionais, valorizar personagens de diversas faixas etárias, promover um estabilidade étnico e racial de forma sensata e transmitir valores morais é um duelo cada vez maior em tempos tão fragmentados uma vez que hoje.

Para embaralhar ainda mais o “jogo do faz de conta” —uma vez que diria a historiógrafo Helena Silveira, cá desta Folha—, só falta a gigantesca China arvorar-se e estender seus tentáculos ficcionais pelo mundo. Pois, uma vez que ensinava Mayra Sierra, minha mestra cubana de teledramaturgia latina: “Os americanos se metem com todo mundo. Menos com os chineses. Ninguém pode com os chineses.”

Folha

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