'o agente secreto' é forte candidato a oscar, diz crítico

‘O Agente Secreto’ é forte candidato a Oscar, diz crítico – 23/05/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Um dos maiores destaques da temporada de premiações deste ano foi “Ainda Estou Cá”, drama que ganhou o Oscar de Melhor Filme Internacional e que retrata a crueldade da ditadura militar no Brasil nos anos 70. Agora, um outro filme, com a mesma temática, está ganhando atenção —e também pode se realçar na próxima temporada de premiações.

Não que “O Agente Secreto” tenha a mesma sensibilidade de “Ainda Estou Cá”, mas o thriller político, estiloso e vibrante de Kleber Mendonça Rebento entrega tanta ação que compensa a falta de sutileza.

O filme se passa na cidade de Recife, durante a semana efervescente do Carnaval, e transborda sexo, tiroteios, matadores de aluguel e carros antigos —e mostra uma perna humana decepada encontrada na ventre de um tubarão. É de se imaginar que Quentin Tarantino já seja o fã número um do longa.

Mesmo com todo o visual exagerado, com cores vibrantes e uma estética “grindhouse”, “O Agente Secreto” está enraizado nas angústias e tragédias reais de cidadãos comuns. Na verdade, seu herói não é um agente secreto, apesar de Wagner Moura ser cocuruto, trigueiro e tão charmoso quanto qualquer outro superespião do cinema.

Wagner Moura interpreta Marcelo, um sujeito pacato que aparece na primeira cena dirigindo seu fusca amarelo com fado a Recife. Leva muro de uma hora até que sua identidade e seu pretérito sejam revelados —o filme não tem pressa—, mas, aos poucos, descobrimos que ele é um professor viúvo que se opôs às tentativas de um funcionário do governo de roubar sua pesquisa patenteada. Um grande erro.

Marcelo agora planeja se reencontrar com o fruto pequeno, que mora com os avós, e conseguir os documentos necessários para deixar o país. Enquanto isso, ele trabalha dissimulado em um cartório, onde espera encontrar ao menos uma prova solene da existência da sua falecida mãe, e mora em uma mansão de dissidentes supervisionada por uma senhora muito comunicativa e protetora —interpretada por Tânia Maria.

‘Personagens grotescamente cruéis’

Antes mesmo de chegar a Recife, Marcelo encontra um defunto no recinto de um posto de gasolina —um corpo que ninguém se deu ao trabalho de remover—, o que mostra que ele não é ingênuo sobre o quanto a vida está difícil naquele momento, que o filme labareda, com um tom de ironia, de “período de grande confusão”.

Mas Marcelo fica chocado ao desenredar que um dos seus inimigos antigos contratou dois assassinos para segui-lo, e fica horrorizado com a falta de moral do gerente da polícia lugar —interpretado por Robério Diógenes.

Kleber Mendonça Rebento e seu elenco têm o dom de produzir personagens que são ou profundamente honrados ou grotescamente cruéis. O gerente da polícia lugar se encaixa na última categoria. Quando ele lê na manchete do jornal que 91 pessoas tinham morrido durante o carnaval, ele aposta, sorrindo, que o número logo vai triplicar.

Apesar de todo o transe e prevaricação no ar, Marcelo observa os acontecimentos excêntricos de Recife com um olhar de turista maravilhado. Ele ri incrédulo de um gato de duas caras, da preocupação de seu fruto em ver “Tubarão” no cinema, da quantidade de pessoas fazendo sexo em locais públicos, e de uma mito urbana surreal sobre uma perna decepada que volta à vida e chuta homens em um lugar de paquera.

Para alguns espectadores, “O Agente Secreto” pode exagerar um pouco nesses momentos de humor. Com mais de duas horas e meia de duração, o filme divaga cá e ali, acompanhando vários personagens que sonham em fugir do Brasil, porquê os frequentadores do Rick’s Moca, de “Casablanca”.

Mas um dos temas centrais do filme é a questão do que é lembrado e do que é esquecido, e Kléber Mendonça Rebento, que cresceu em Recife, parece determinado em registrar, na película, todos esses detalhes peculiares antes que eles sejam apagados para sempre.

Além de trazer mais riqueza e comédia para a trama de espionagem, esses detalhes da idade, recriados com tanto carinho, reforçam a melancolia silenciosa que Wagner Moura transmite tão muito em cena: de um jeito ou de outro, Marcelo não vai permanecer no Brasil por muito tempo para aproveitar tudo isso.

De toda forma, quando “O Agente Secreto” parece se desvia demais da trama principal, ele retoma o foco, seja com matadores de aluguel jogando um corpo pela ponte, seja com um contato misterioso que promete falsificar o passaporte de Marcelo.

Uma perseguição pelas ruas da cidade, coreografada com maestria, leva a um orgasmo sangrento e espetacular, mas, assim porquê em “Ainda Estou Cá”, ainda há perguntas perturbadoras a serem respondidas e mistérios a serem resolvidos.

Por fim de contas, de quem era aquela perna na ventre do tubarão?

Folha

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