O Apoio A Nicolás Maduro Expõe Fissuras Na Esquerda

O apoio a Nicolás Maduro expõe fissuras na esquerda – 14/01/2025 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Em qualquer momento do semestre pretérito, Lula percebeu o quanto sua regular resguardo de ditadores de esquerda, seu negacionismo diante do desmonte depressa de instituições democráticas liderado por aliados de esquerda e sua complacência com violações de direitos humanos em países “resistentes ao imperialismo” favoreciam seus adversários.

Adotou, portanto, uma postura mais cautelosa: distanciou-se de Daniel Ortega, evitou ungir Nicolás Maduro em sua autoproclamada vitória e até endossou a pressão internacional para que fossem apresentadas as atas eleitorais venezuelanas. Pelo que se conhece de Lula, esse esforço de autocontenção não deve ter sido fácil.

Na formação política de Lula, a esquerda é definida por uma premissa médio e algumas convicções. A premissa é que a paridade política garantida pela democracia deve ser usada para promover paridade ou justiça social. Isso remonta à Revolução Francesa, muito antes do surgimento do marxismo: ser de esquerda é lutar para superar a desigualdade por responsabilidade de justiça.

Outrossim, há um pacote de convicções típicas da esquerda marxista de primeira geração: a crença de que as forças genuínas da sociedade estão na base social (basismo); a teoria de que propriedade e lucro são frutos da exploração do trabalhador (anticapitalismo); a resguardo do alinhamento e simpatia automáticos com as formas de luta dos trabalhadores (trabalhismo); a priorização da paridade social sobre a paridade política e as liberdades individuais; e a visão de que o imperialismo numulário é o grande inimigo da humanidade (anti-imperialismo seletivo).

Com esse conjunto de crenças, é compreensível o dispêndio de se distanciar de regimes uma vez que os de Venezuela, Nicarágua ou Cuba. Um democrata não teria qualquer dificuldade: são autocracias. Mas, quando a paridade social é colocada supra da paridade política e dos direitos individuais, a decisão se torna muito menos óbvia.

Caciques do PT, por exemplo, não se desviaram do seu alinhamento com seus autocratas preferidos. Por fim, ser de esquerda é mais importante do que ser democrata. E a “democracia que está aí” nunca foi a verdadeira democracia, que só será alcançada com o chegada do socialismo. Por isso aceitou prontamente a eleição de Maduro, pressionou o governo Lula para que fizesse o mesmo e mandou representantes para a sua posse. “Perdida-se a eleição, mas não se perdida a congruência”, acredita. Congruência com as crenças da esquerda marxista mais antiga, evidente.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terreno (MST), desempenado à mesma escola marxista de primeira geração, seguiu caminho idêntico. Seu líder, João Pedro Stédile, gravou vídeos entusiasmados celebrando a glorificação de Maduro nas urnas. Representantes do MST e de outros movimentos sociais brasileiros, uma vez que ABI e Unegro, assinaram um manifesto exigindo que Lula reconhecesse a eleição venezuelana, argumentando que isso reafirmaria “nosso compromisso com a soberania venezuelana” e fortaleceria “os laços de amizade entre nossas nações”. Mais recentemente, uma delegação da Juventude do MST divulgou vídeos emocionados da posse de Maduro, exaltando a solidariedade entre os povos, em meio a clichês da retórica da primeira geração da esquerda marxista.

Quando Leonardo Boff, também da mesma escola anti-imperialista e anticapitalista, admitiu que Maduro “perdeu a eleição e surrupiou o poder”, a reação de seus seguidores foi de profunda logro. Foi indiciado de “servir aos interesses do imperialismo americano” e de confiar nas “mentiras da CIA”. Justamente ele, que nunca perde uma chance de “enfrentar o imperialismo”, mesmo que isso signifique compreender a invasão da Ucrânia pela União Soviética… quero manifestar, Rússia.

Essa postura fragiliza uma candidatura de esquerda à Presidência. Ela retira o argumento da resguardo da democracia e enfraquece a sátira aos autoritários e golpistas de direita. Lula parece ter percebido isso; seu partido, porém, não. O mesmo vale para o MST, movimentos populares de esquerda e influenciadores da esquerda radical, que não resistem sequer ao apelo de uma retórica socialista vazia.

No fundo, esse dilema revela uma dissonância em secção da esquerda: a dificuldade de conciliar a luta por justiça social com o saudação aos pilares democráticos. Se a democracia continuar sendo vista uma vez que um instrumento secundário diante do ideal de paridade social, sua resguardo será sempre vulnerável a acusações de incoerência e oportunismo. Para quem aspira ao poder em tempos de polarização, essa é uma prelecção que não deveria ser ignorada.


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Folha

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