O Brutalista: Arquitetura Mascara Destroços De Um País 18/02/2025

O Brutalista: Arquitetura mascara destroços de um país – 18/02/2025 – Ilustrada

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“Portanto, me responda: por que arquitetura?”

De todas as perguntas que movem “O Brutalista”, de Brady Corbet, não há outra que revele com tanta assertividade os propósitos do filme e de seu protagonista. Renomado arquiteto judeu húngaro, lançado às atrocidades dos campos de concentração nazistas, László Tóth, vivido por Adrien Brody, nos é apresentado porquê sobrevivente de uma guerra que, aniquiladora de vidas e projetos, transformou um artista ilustre em imigrante alquebrado e anônimo, recém-chegado aos Estados Unidos de 1947.

Recebido por um primo —possuidor de uma loja de móveis nos periferia de Filadélfia—, Tóth irá, de início, se ocupar em projetar cadeiras e peças decorativas, além de interiores de residências milionárias. Agente involuntário do chamado “american way of life”, verá seu talento ser revertido para retroalimentar a autoimagem de uma país que posiciona o consumo doméstico e a privacidade dos lares porquê vitrines de liberdade individual e simetria familiar.

Arquitetura para Tóth, no entanto, não é domesticidade passiva.

“Portanto, me responda, Tóth: por que arquitetura?”, alguém pergunta ao protagonista em manifesto momento.

Ele responde: “Zero pode ser explicado por si mesmo —haverá melhor descrição de um cubo do que a sua própria construção? Havia uma guerra, mas, até onde sei, muitos dos prédios que projetei sobreviveram. Quando as terríveis recordações do que aconteceu na Europa deixarem de nos humilhar, espero que sirvam de incitação político para desencadear as convulsões que tão frequentemente ocorrem nos ciclos da humanidade.”

Na resposta, desprendem-se ao menos três mandamentos: em primeiro, a prevalência da forma e do olhar em detrimento de explicações racionais. Em segundo, o libido de permanência e perpetuidade. Por término, o impacto político e público da arquitetura porquê motor de transformações históricas.

Os alicerces da profissão, ao menos de entendimento com Tóth, fazem do ofício uma redondel de conflitos; uma vocação que, se exercida porquê se deve, se contrapõe às promessas redentoras da racionalidade, à descartabilidade industrial e ao douto excessivo da vida privada —valores que a trama associa incessantemente à sociedade americana.

Em cena, um artista indomável, à voga clássica dos gênios atormentados, e sua saga de adaptação em um país que, ao acolhê-lo, não vasqueiro o dilacera. Um país de frontaria impecável, que faz da construção social uma aliada não só para o propagação econômico, mas, principalmente, para envernizar a vitrine da modernidade e, sob ela, confinar a falência moral de seus habitantes.

“O Brutalista”. Já no título, a associação óbvia a um dos ramos mais proeminentes do modernismo arquitetônico. Surgido no Reino Unificado do pós-guerra e rapidamente popularizado nos EUA, o brutalismo teve seu período de maior influência de 1950 a 1970, pausa no qual, não à toa, se desvela a maior secção do filme.

Convencionado porquê um estilo fundamentado na funcionalidade, para o qual a leveza e a ornamentação devem dar espaço à crueza exposta dos materiais, ao uso do concreto e do aço e à geometria massiva das formas, o brutalismo —ao menos tal qual Corbet o concebe— servirá porquê ilustração didática à fortaleza da predominância norte-americana: inviolável por fora, em sintonia com a modernidade, mas em das quais interno se sedimenta a moral em ruínas.

Formado pela Bauhaus —escola-símbolo de uma Europa que flertou com o progressismo antes de ser tomada pelo regime hitlerista—, Tóth na história ergueu teatros, sinagogas e bibliotecas de Budapeste. Em oposição ao individualismo e à espetacularização americana, o húngaro legou à sua cidade espaços de contemplação para uso coletivo. A barbárie da guerra, no entanto, somada à vida que lhe será apresentada no novo país, se ocuparão de desafiar suas utopias.

Se Tóth respondia sobre seu ofício com a paixão febril daqueles que acreditam no papel cívico da arquitetura, o contraponto está em Van Buren, vivido por Guy Pearce e um magnata que dará ao protagonista a missão de edificar um gigantesco núcleo comunitário cristão na secção rústico da Pensilvânia. Quando perguntado sobre o interesse repentino em arquitetura, a frivolidade desromantizada dá as cartas: uma vez que a sua frasqueira está enxurro, Van Buren diz precisar de um novo hobby.

Ao longo de 3h45 —duração que nos faz supor que Corbet quer reptar a sensibilidade americana até mesmo na minutagem—, “O Brutalista”, apesar da recepção entusiasmada e das dez indicações ao Oscar, tem reunido desafetos no campo arquitetônico.

Em janeiro, o crítico britânico Oliver Wainright publicou, no The Guardian, “Why The Architecture World Hates The Brutalist”?, ou “Por que o mundo da arquitetura odeia ‘O Brutalista’?” em português —um compilado de imprecisões conceituais e factuais perpetradas pela obra, segundo estudiosos.

Purismo acadêmico ou desilusão justa daqueles que amariam amar o filme, as críticas deverão passar despercebidas por aqueles que não têm na extensão o seu objeto de estudo. Com o intuito pronunciado de festejar a arquitetura, “O Brutalista” termina por dar uma piscadela extra aos cineastas: há mais de 60 anos não se fazia nos EUA um filme em VistaVision —tecnologia dos anos 1950, que, ao rodar os negativos da câmera em sentido nivelado, amplia o campo de visão e aumenta a qualidade da imagem.

Afeito aos formatos e tendências caras à era, o filme também não esconde sua filiação à tragicidade sátira da dramaturgia americana propulsionada a partir do pós-guerra: o teatro de Tennessee Williams e Arthur Miller, o cinema da Novidade Hollywood, a literatura de Philip Roth —exemplos notórios de tramas que fazem da vida privada dos Estados Unidos um palco de impudência.

Heróico grandiloquente, ainda que não vasqueiro maniqueísta, “O Brutalista” ganha se visto porquê o que de veste é: uma ficção que, licenciada da precisão do campo arquitetônico, investiga a intimidade de um país pelo olhar de um forasteiro. Sob a sombra do brutalismo, revela-se uma país que, quanto mais se vangloria da solidez de seus alicerces, mais se liquefaz a olhos vistos.

Folha

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