O Brutalista Compensa O Vácuo Do Cinema Americano Atual

O Brutalista compensa o vácuo do cinema americano atual – 18/02/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“O Brutalista” pode ser definido uma vez que um filme do pós-Guerra. De um pós-Segunda Guerra que parece estrear quando o eufórico húngaro László Tóth passa pela Estátua da Liberdade. Naquele momento, de desordem e miséria na Europa, os Estados Unidos representavam a vigor, a originalidade, a proteção, o progresso para cidadãos de todo o mundo.

É lá que László pretende refazer sua vida. Mas o pós-Guerra ainda é a guerra —na Hungria ficaram a sua mulher, Erzsébet, e a sobrinha, Zsófia. László foi separado de Erzsébet pelos nazistas. Cada um foi parar num campo de concentração dissemelhante. Agora, ele tenta trazer a mulher junto com Zsófia para os Estados Unidos.

László passará dificuldades enormes até o bilionário Harrison Lee Van Buren, da Pensilvânia, desenredar que ele é um arquiteto da célebre escola Bauhaus e tudo mais. Van Buren decide fazer um cobiçoso monumento à memória de sua mãe —na verdade, a si mesmo— na sua propriedade, tão grande quanto sua riqueza. Não se sabe se Van Buren já tinha a teoria na cabeça e passou à prática ao localizar o arquiteto, ou vice-versa.

A proximidade de László com Van Buren facilita a vinda de Erzsébet e da sobrinha para os Estados Unidos. Portanto podemos perceber que a guerra não acabou. A sobrinha se recusa a falar, enquanto a mulher sofre de violenta osteoporose em decorrência da rafa que passou. As marcas da guerra estão lá.

Aos poucos nos damos conta de que a guerra realmente não acabou, ao menos para Brady Corbet, responsável deste filme —assim uma vez que “A Puerícia de um Líder”, seu primeiro longa, notava que a Primeira Guerra não tinha completado em 1918. Cá, a guerra prossegue entre as vítimas dos nazistas, por exemplo. A família de László Tóth entre outros. Mas não só, a imensa bagunça em que se encontra a Europa nos anos seguintes incide sobre os personagens e seu fado.

Isso não é menos interessante do que a preocupação de László de erigir sua grande obra, um projeto que resumiria sua vida. Mas não é fácil convencer os caipiras locais das virtudes da novidade arquitetura, e muito menos de materiais logo baratos uma vez que o concreto.

Porquê em seus filmes anteriores, Corbet leva seu drama buscando um incidente capaz de definir uma era, um modo de pensar. A diferença em relação às primeiras empreitadas —grandes painéis de uma era ou de um lugar— talvez esteja, em secção, no estilo, na escolha por um evento marginal uma vez que condutor de seu pensamento.

E também na maneira uma vez que desenvolve suas ideias, detidamente, sem pressa, sem terror de que um objecto tão pouco explorado pelo cinema uma vez que a arquitetura afugente o público. Nem, aliás, suas três horas e 40 minutos de duração, contando o pausa de 15 minutos. A intriga se desenvolve sem pressa, uma vez que se Corbet buscasse pousar suas ideias solidamente.

Ideias sobre o mundo, mas sobre o cinema também. Porque as ambições de László e Van Buren por vezes são conflitantes, por vezes são complementares. A arquitetura e o cinema são, enfim, artes afins, porque supõem negociação permanente. Mas não só por isso.

É preciso compreender a questão da vontade implicada numa obra de arte, parece nos lembrar o responsável deste filme. Porque as ideias de arquiteto e cineasta só existem se lançadas no espaço, não existem no papel. E a passagem do projeto à obra é feita de sacrifício, de perseverança, de ousadia.

Também cá, esse pintura mobiliza eras passadas e eras ainda por vir. Cá se vive a silêncio de guerras não declaradas. Corbet se move por esse terreno sem pressa, ao mesmo tempo que constrói uma povaréu de eventos que fazem o filme passar suavemente, uma vez que se tivesse uma hora e meia ou uma hora e 40 minutos. Nesses eventos, no entanto, não existem os bons e os maus, os certos e os errados —tudo envolve uma tessitura delicada, que retira qualquer moral do meio do conflito.

A isso se junta um modo pessoal de montagem, em que as cenas com frequência parecem ser cortadas antes de terminar, de modo que nos impede de compreender o significado e o objetivo de certos gestos ao mesmo tempo em que o filme se abre imensamente à anfibologia dos gestos, das coisas, dos propósitos e mesmo dos destinos que temos diante de nós.

Ao contrário de tantos cineastas contemporâneos, que erigem cuidadosos simulacros do cinema clássico, Corbet nos restitui a crença na paridade entre os signos e aquilo que acreditamos que seja real. Produz verdade, em suma, uma vez que László Tóth, aliás. O faz com um mergulho profundo na história e na ficção, no concreto e na espírito das coisas.

Apesar das tantas comparações feitas, inclusive pelo próprio responsável, com outros filmes e autores, “O Brutalista” me lembra outro filme gigantesco, “Terreno dos Faraós”, de 1955, em que um varão, um faraó, edifica uma pirâmide monumental que seja seu túmulo e, ao mesmo tempo, o torne eterno, mais que um varão.

Talvez sejam isso as grandes obras, em peculiar essas, arquitetônicas, capazes de ser eternas, ao mesmo tempo em que são teoria e coisa a um só tempo. Elas podem dar sentido a uma vida? Dão sentido a um mundo sem sentido? Tomam por um momento o lugar da guerra incessante e criam, em vez de devastação, venustidade?

“O Brutalista” é uma obra-prima, que dificilmente não será reconhecida em seu tempo, compensa com rigor e paciência o imenso vácuo de quase todo o cinema atual dos Estados Unidos.

Folha

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