O Cristianismo Original Não Era Uma Religião Do Amor

O cristianismo original não era uma religião do amor – 16/02/2025 – Luiz Felipe Pondé

Celebridades Cultura

Uma vez que foram os dois primeiros séculos da era cristã entre os cristãos? Pouco se sabe. De face, sabe-se hoje que, por exemplo, esses primeiros “cristãos” não se viam ou se chamavam de cristãos. A multiplicidade reinava no contextura daquilo que “evoluiu” para o cristianismo dos concílios, da Antiguidade tardia e da Idade Média. Se você pegasse uma máquina do tempo e desembarcasse numa daquelas cidades para as quais Paulo escreveu suas cartas —por volta do ano 60 da era geral— você ficaria espantado com o roupa de que “os cristãos” não se chamavam de cristãos, nem formavam qualquer unidade verosímil de ser imaginada logo.

O livro “After Jesus Before Christianity”, de Erin Vearncombe, Brandon Scott e Hal Taussig, procura esclarecer algumas características desses dois primeiros séculos da era cristã. Afora a riqueza de dados trazidos na obra, que faz dela importante, o roupa de ter sido escrito por pesquisadores cristãos é um problema. O tempo todo o leitor percebe um viés de interpretar os achados sob a luz de um perceptível tipo de teologia contemporânea de cepa progressista, pautada pelas obsessões ideológicas do século 21.

Os autores apresentam naquilo que chamam de “experimento” uma teoria que guia todo o trajectória: “o porvir não é inevitável: frequentemente é randômico, uma questão de acasos”. O experimento se trata de, a partir dos achados históricos, imaginar o que seria a religião de Cristo se ela “evoluísse” dentro do quadro de multiplicidade, descentralização e enfrentamento da ordem política e social que marcava os “povos do ungido”.

Qual seria a narrativa solene a que eles se opõem? Jesus desceu dos céus para estabelecer a igreja cristã. Seu promanação marca o surgimento das civilizações. Durante sua vida, ele disse a verdade e fez coisas que só Deus poderia fazer. Ele passou seus ensinamentos para seus mais leais seguidores, os apóstolos.

Esses apóstolos passaram adiante, de forma correta, os ensinamentos e realizações magníficas de Jesus para os bispos da igreja nascente que, por sua vez, os passaram para os bispos dos próximos dois séculos.

Essa linhagem leal de bispos sintetizou perfeitamente tudo o que Jesus disse e fez para o credo de Niceia no século 4º, que, por sua vez, transmitiu a plena verdade de tudo isso para o século 21.

Evidente que esse sumário é monstruosamente didático, mas, sem incerteza, resume muito a crença solene do processo de estabelecimento da igreja cristã do século 1º ao 21. A forma uma vez que essas comunidades eram designadas por elas mesmas e pelas autoridades romanas não passa nem perto da termo cristianismo.

Exemplos: “os seguidores do partido do ungido” —ungido é Christos em helênico, tradução de “Messias”, pois o rei de Israel era ungido com óleos —, “os povos de Jesus”, “o clube de Jesus”, “escola do salvador”.

Segundo Pierluigi Piovanelli, no seu “Le Jésus des Historiens”, essa multiplicidade de grupos cristãos iniciais nunca teve na “religião do paixão” sua unidade. Isso é uma construção ulterior.

São seis os grandes temas desenvolvidos pela primeira obra citada cá. Eles resistiram à violência típica do Predomínio Romano criando comunidades alternativas, fugindo, buscando levantar o moral dos infelizes do predomínio.

Eles praticavam transgressão de gênero. Cá o viés ideológico é simples. Nessas comunidades, os gêneros eram fluidos, mulheres se vestiam de varão. Todo mundo sabe que mulheres se vestirem de homens e vice-versa é assinalado em vários momentos na Antiguidade, mesmo entre romanos. A homoafetividade e a transexualidade sempre existiram. Os homens eram vulneráveis e menos dominadores. O que quer proferir isso? Choravam o tempo todo, não eram machões, não eram autoritários? A imagem bate muito com a teoria de um cristão ideal, mas “vulnerabilidade” é uma frase carregada de ranço ideológico feminista.

Eles viviam em famílias escolhidas e não de sangue. Jesus mesmo falava que abandonassem famílias e o seguissem. Tudo muito. Mas o cristianismo não inventou comunidades sem linhagem de sangue. A teoria de famílias escolhidas no século 21 é claramente ideológica, contra a “família proveniente” que seria patriarcal.

Consideravam-se israelitas. Serem reconhecidos uma vez que do partido do ungido, no Predomínio Romano, era mortal, porque o ungido era uma categoria política em Israel, logo essa identificação custou dispendioso aos cristãos, vistos uma vez que rebeldes ao predomínio.

Seus modos de organização eram múltiplos, não havia qualquer intenção de unidade. Praticavam a cultura vocal, sem apelo à escrita. Enfim, esse tipo de cristianismo, teria feito ao cabo de 200 anos.


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Folha

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