No 11º arrondissement de Paris, uma congregação judaica ortodoxa construída em estilo modernista e inaugurada em 1962 é chamada de Sinagoga Dom Isaac Abravanel. Para brasileiros, o sobrenome imediatamente remete a uma das maiores personalidades da TV, o apresentador e empresário Silvio Santos, que morreu no sábado, das quais nome solene era Senor Abravanel.
E se a biografia de Silvio Santos teve contornos de superação, de quem ascendeu financeira e socialmente enfrentando adversidades, a trajetória de seu antepassado ilustre, Isaac Abravanel (1437-1508), também foi rica em episódios emblemáticos.
A genealogia ilustre de Silvio Santos era conhecida no Brasil pelo menos desde a publicação, em 1990, do livro “O Baú de Abravanel – Uma Crônica de Sete Séculos Até Silvio Santos”, do jornalista Alberto Dines.
Em seu programa do SBT, emissora do qual era possuidor, o apresentador e empresário falou sobre o tema quando, certa vez, foi perguntado por uma telespectadora sobre seu nome verdadeiro.
Em sua sucinta resposta, Silvio Santos demonstrou orgulho das raízes, dizendo que seu antepassado foi “o varão que consertou as finanças de Portugal, depois foi chamado por Isabel e Fernando [monarcas espanhóis] para consertar as finanças da Espanha”.
Ele lembrou que os judeus foram perseguidos pela questão católica e Isaac, mesmo convidado pelos reis espanhóis a permanecer, decidiu exilar-se junto a seu povo. Mas enfatizou que seu antigo “deu quantia para que [o navegador Cristóvão] Colombo viesse desvendar a América”.
Isaac ben Judah Abravanel —ou Abarbanel, conforme alguns registros— foi um filósofo, comentarista bíblico e financista judeu português. Ele nasceu em Lisboa em uma importante família de judeus sefarditas.
“Um judeu sefaradi é tido uma vez que judeu vindo de famílias judias originárias da Península Ibérica [atuais Portugal e Espanha] desde a Idade Média e que permaneceram judias até hoje”, explica à BBC News Brasil o rabino Uri Lam, da congregação israelita Templo Beth-El, de São Paulo.
Diretora do Museu Judaico de São Paulo, a historiadora Roberta Alexandr Sundfeld, complementa à BBC News Brasil que os sefardistas “são os judeus que foram expulsos da Espanha durante a Interrogação e se espalharam pela região do mediterrâneo, onde hoje se localiza o Egito, a Turquia, a Síria e o Líbano.”
A vida de 71 anos de Dom Isaac “pode ser dividida geograficamente em três períodos: a temporada em Portugal (1437-83), a temporada em Castela (1483-92) e a temporada na Itália (1492-1508)”, diz o filósofo galicismo Cedric Cohen-Skalli, em seu livro “Don Isaac Abravanel: An Intellectual Biography” (Don Isaac Abravanel: uma biografia intelectual, em tradução livre).
Pai do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, o historiador Benzion Netanyahu (1910-2012), professor emérito da Universidade Cornell (EUA), também escreveu um livro a saudação de Abravanel.
Em “Don Isaac Abravanel: Statesman and Philosopher” (Don Isaac Abravanel: estadista e filósofo, em tradução livre), o acadêmico define o antepassado de Silvio Santos uma vez que “a figura histórica mais notável entre os judeus no período final da Idade Média”.
“Estadista, diplomata, varão da galanteio e financista de renome internacional, ele foi, ao mesmo tempo, um erudito enciclopédico, um pensador filosófico, um exegeta renomado e um plumitivo sumptuoso”, elogia. “A combinação de qualidades tão diversas, tão altamente desenvolvidas, em um único varão, é um fenômeno vasqueiro em qualquer quadra. Não foi menos vasqueiro entre os judeus da Idade Média.”
Para Benzion Netanyahu, “em Abravanel encontraram-se e terminaram duas longas linhas de tradição: a dos estadistas judeus medievais e a dos filósofos judeus medievais”.
É por isso que muitos pesquisadores contemporâneos tendem a situar Abravanel uma vez que “um dos inventores da modernidade judaica”.
Uma sinopse biográfica enviada pelo rabino Lam à reportagem ressalta isso, lembrando que o personagem foi “mercante, banqueiro e financista da galanteio, estudioso versado tanto em escritos judaicos quanto cristãos, pregador e exegeta”, além de “engrandecido ator político em círculos reais e comunidades judaicas”.
O relato ainda diz que Abravanel “foi um dos maiores líderes e pensadores do judaísmo ibérico depois a expulsão [da península] em 1942”, era “um tradicionalista com ideias inovadoras” e “um varão com um pé na Idade Média e outro no Renascimento”.
“Erudito, responsável de uma monumental obra exegética que ainda é estudada hoje, e ávido colecionador de livros, ele foi uma figura de transição, definida por uma era de contradições”, acrescenta o texto. “No entanto, são essas mesmas contradições que o tornam uma personalidade tão importante para entender o início da modernidade judaica.”
Evidente que nem tudo são elogios.
Um dos maiores pesquisadores do planeta sobre a história da escravidão no oeste, o historiador norte-americano David Brion Davis (1927-2019), professor na Universidade de Yale, escreveu que Abravanel foi um dos defensores da tese de que os africanos eram descendentes de Caim [o personagem bíblico que matou o irmão Abel, naquele que seria o primeiro homicídio da história], e isso acabou sendo argumento para justificar a discriminação racial contra os negros e justificativa para a escravidão de povos da África.
“Ele foi ativo durante um período de grandes mudanças e crises que moldaram não exclusivamente o curso de sua própria vida e pensamento, mas também, em grande medida, o rosto do início da era moderna uma vez que um todo”, pontua Cohen-Skalli. “Em cada temporada de sua vida, Dom Isaac Abravanel desfrutou de sucessos impressionantes. E em cada temporada, esses sucessos foram-lhe arrancados pela mão do orientação —ou, mais precisamente, pelas marés da história.”
“Isaac Abravanel era, entre outras coisas, um prolífico comentarista bíblico. E suas interpretações são estudadas em colégios rabínicos do mundo inteiro ao lado de outros gigantes da exegese bíblica judaica”, afirma à BBC News Brasil o historiador, hebraísta e rabino Theo Hotz, apresentador do podcast “Torá com Fritas”.
Em Portugal
“Os Abravanel, eles próprios, tinham plena certeza e orgulho da nobreza de sua origem —tanto que, de vestuário, reivindicavam a filiação da dinastia de David [líder da antiguidade que, conforme relatos bíblicos, teria consolidado o poder de Israel]”, diz o historiador Netanyahu, comentando, todavia, que a árvore genealógica conhecida e comprovada da família não ia além de cinco gerações antes de Isaac.
Segundo o filósofo Cohen-Skalli, a família de Isaac Abravanel era formada por ricos banqueiros e comerciantes judeus que haviam emigrado de Castela, hoje Espanha, para Portugal depois os pogroms ocorridos lá em 1391.
“Durante seus 46 anos em Portugal, ele se tornou um dos mais ricos banqueiros judeus do reino, além de ter sido um líder comunitário e um intelectual que participou ativamente nos discursos judaicos e cristãos do reino”, afirma o filósofo.
Netanyahu lembra que a transferência dos Abravanel de Castela para Portugal coincidia com um momento em que o reino luso experimentava um período de renascimento, depois da famosa Guerra de Aljubarrota, de 1385. Havia um espírito de nacionalismo e oportunidades de propagação.
“Os Abravanel chegaram a Portugal em um momento em que o clima social do país podia ser hostil aos judeus, mas o cenário político vigente era ainda favorável, já que não havia falta de oportunidades para empreendimentos financeiros”, afirma o historiador.
De combinação com ele, isso fez com que o pai de Isaac Abravanel “ascendesse sem muita dificuldade para posições proeminentes no mundo financeiro e político”. De combinação com Netanyahu, o avô de Isaac teve cargos junto à reino de Castela e seu pai havia sido tesoureiro de um dos príncipes da galanteio portuguesa.
Isaac teve, portanto, uma puerícia privilegiada. Foi educado com estudos de latim e dos clássicos romanos, cresceu poliglota: falava português, ibero, latim e semita —língua esta na qual ele recebeu a ensino básica, seguindo a tradição da intelligentsia medieval judaica. Aprendeu Filosofia Grega e Sarraceno, estudando de Aristóteles a Avicena, e também Ciências Naturais, o que incluía, na quadra, Medicina e Astromância.
Segundo o historiador e biógrafo, graças à atuação proeminente de seu pai, ele foi uma petiz acostumada “a frequentar palácios”.
“Por natureza, ele possuía, no entanto, uma sede de verdade. Sede esta que a filosofia, já que não podia saciar, intensificava; e, uma vez que outros racionalistas desiludidos, voltou-se para a religião e para o misticismo”, diz Netanyahu.
Mas o ponto mais importante do sucesso social de Abravanel, sem incerteza, estava na sua proximidade com a subida cúpula do poder.
“Ele mantinha estreitas relações com a nobreza e com o rei Afonso 5º”, diz o galicismo Cohen-Skalli. “Servia à nobreza concedendo empréstimos, tributando suas terras e conduzindo o transacção. Em troca, recebia privilégios e grandes propriedades, muito uma vez que o título de ‘dom’.”
Ele passou a trabalhar com o rei Afonso 5º em 1472 e, segundo Netanyahu, “atingiu o mais cima estágio de prestígio e poder em Portugal” nos últimos três anos do régio, ou seja, até 1481.
Conforme diz à BBC News Brasil a historiadora espanhola Yolanda Alonso Rodríguez, pesquisadora mestranda em Estudos Medievais na Universidade do Porto, Isaac Abravanel teve curso “sumptuoso” ao lado do rei Afonso, tornando-se ministro das Finanças e tesoureiro da galanteio. Ele também manteve “relações estreitas com membros da moradia de Bragança”.
Sua notoriedade era pública na sociedade lisboeta. Abravanel dava aulas de Filosofia e de judaísmo, escreveu obras a saudação de livros bíblicos e se correspondia com intelectuais, tanto judeus quanto cristãos. Segundo Cohen-Skalli, “suas opiniões e ideias sobre diversos temas eram muito respeitadas”.
“Parecia que zero poderia lançar uma sombra sobre essa prosperidade econômica, intelectual e social. Mas, em 1481, com a morte do rei Afonso 5º, sua fortuna chegaria ao termo”, anota o biógrafo.
O sucessor no trono português, João 2º (1455-1495), em “exclusivamente dois anos conseguiu volver e expelir todas as conquistas da família Abravanel em Portugal”, diz Cohen-Skalli. “Dom Isaac foi forçado ao exílio em Castela.”
Netanyahu explica que João 2º passou a “restringir os direitos dos judeus” com o objetivo de “reduzir suas influências no país”.
Na Espanha
Transmigrar para Castela parecia um orientação óbvio para quem era de família vinda de lá. Cohen-Skalli lembra, todavia, que quando chegou lá, em 1483, “Dom Isaac já não era mais um varão jovem” e se viu “obrigado a reconstruir sua reputação em um novo, embora de certa forma familiar, envolvente”.
“Evidências documentais demonstram que, em dois anos, ele retomou seu papel uma vez que líder comunitário e judeu da galanteio, agora servindo à nobreza castelhana”, relata o filósofo.
O pesquisador nota que tanto pelo “alcance de seus escritos” quanto pelas “somas de quantia que ele emprestou”, além de sua “atividade uma vez que coletor de impostos” nesse período relativamente limitado em que viveu em Castela —foram nove anos— “apontam para seu talento em sobreviver e para sua originalidade e proatividade excepcionais”.
“Pela segunda vez na vida, Dom Isaac conseguiu elevar na sociedade judaica e cristã, enquanto tecia uma síntese única de pensamento judaico e cristão”, afirma Cohen-Skalli.
Menos de um ano depois da chegada a Castela, em março de 1484, Isaac Abravanel foi chamado para uma audiência com os monarcas Fernando de Aragão (1452-1516) e Isabel de Castela (1451-1504), considerados os primeiros reis da Espanha.
Segundo Netanyahu, eles estavam em “desesperada procura por fundos” e esse invitação para a reunião certamente “tinha conexão com o problema” já que sua notabilidade, uma vez que “mentor encarregado das finanças, se não o tesoureiro, de Portugal” corria solta.
O historiador afirma que sua experiência anterior era uma credencial aos reis espanhóis, que o viam uma vez que “um importante e atrativo” quadro. Fernando e Isabel estavam informados sobre as capacidades, habilidades e originalidade de Abravanel no campo das finanças.
Os oito anos a serviço da reino espanhola coincidem com a empreitada mais importante da história desse reinado: o envio do navegador genovês Cristóvão Colombo (1451-1506), comandando uma esquadra de três embarcações, para a América.
A proeza foi concluída em outubro de 1492. Assim, não é excesso o que disse Silvio Santos: não fosse a organização financeira proporcionada por seu antepassado talvez a história das grandes navegações —e da própria conquista do solo americano— tivesse sido um mica dissemelhante.
“Mas uma novidade e inesperada provação logo mudaria irrevogavelmente o curso de sua vida, para não mencionar as vidas de milhares de seus correligionários”, conta Cohen-Skalli.
A pressão da questão católica fez com que os reis espanhóis assinassem um edito de expulsão dos judeus do reino. De combinação com texto biográfico escrito pelo rabino Letão Nissan Mindel (1912-1999), Abravanel tentou “evitar a catástrofe”.
“Implorou aos reis que reconsiderassem aquela cruel decisão e ofereceu uma grande soma para o tesouro real. O rei e a rainha não lhe deram ouvidos e rejeitaram suas ofertas de quantia”, aponta.
Em três meses, ao longo de 1492, os sefarditas tiveram de resolver: ou se tornavam cristãos ou seriam obrigados a fugir. O historiador Hotz lembra que esse decreto deu “início a uma subdiáspora, levando os judeus sefarditas a se espalharem pelo setentrião da África, Inglaterra, Holanda, Turquia, terreno de Israel, Américas coloniais, entre outros”.
“Aos 55 anos, dom Isaac foi forçado a despovoar seu entorno histórico e o mundo cultural e político no qual ele e sua família haviam conseguido estabelecer seu status ao longo das gerações”, escreve o filósofo Cohen-Skalli.
Na Itália
Ele acabou embarcando com orientação à atual Itália.
“Nos últimos 16 anos de sua vida na península itálica, Dom Isaac procurou um novo lar —para si, sua família e alguns outros membros de sua comunidade. A princípio, foi recebido de braços abertos na cidade de Nápoles. Mas em 1495, a invasão francesa da península itálica e as guerras italianas que se seguiram puseram termo aos seus planos de fazer do reino do sul da Itália seu novo lar. Por oito anos, ele vagou entre Sicília, Corfu e a cidade portuária veneziana de Monopoli. Finalmente se estabeleceu em Veneza, onde morreu em 1508”, resume Cohen-Skalli.
A chegada não foi fácil. Segundo Netanyahu, no dia 24 de agosto de 1492 nove caravelas lotadas de exilados judeus chegaram ao porto de Nápoles. Os barcos estavam superlotados. Muitos haviam adoecido na árdua viagem, com poucas provisões e péssimas condições sanitárias. Era uma calamidade.
Tudo ia muito. O historiador ressalta que ali ele encontrou novamente “a felicidade”. Até que a invasão francesa criou novidade prenúncio e ele acabou indo para a Sicília, depois para Monopoli, cidade da região da Puglia, onde viveu pouco mais de 7 anos.
Mindel afirma que foi um período em que Abravanel enfrentou “pobreza e provações”, já que havia perdido toda sua riqueza para os invasores.
Em 1503, mudou-se para Veneza. A portanto república enfrentava uma crise desencadeada pela invenção das novas rotas marítimas, contornando a África, que punham em xeque o papel da cidade uma vez que entreposto mercantil entre Oriente e Poente.
Sagaz, Isaac Abravanel submeteu ao juízo da república um projecto para regular o transacção de especiarias, oferecendo-se para atuar uma vez que diplomata junto a Portugal e estabelecer uma forma de restaurar as finanças debilitadas desde que o navegador Vasco da Gama (1469-1524) havia consolidado a rota ladeando o continente africano.
De combinação com Netanyahu, essa postura comprometida “deixava evidente aos prudentes líderes da república que sua pessoa era dotada de boas qualidades e virtudes”.
Porquê frisa o historiador, essa mediação foi a última “ação diplomática-financeira que teve o engajamento de Abravanel”. No termo de sua vida, ele “devotou todo o seu tempo ao trabalho literário”, principalmente produzindo comentários bíblicos.
“A instabilidade que caracterizou os últimos anos da vida de Dom Isaac foi um orientação que ele compartilhou com muitos exilados ibéricos. Mas isso não interrompeu sua originalidade literária, empreendimentos comerciais ou atividade política”, diz Cohen-Skalli. “Pelo contrário: Dom Isaac compôs a vasta maioria de sua obra exegética sob a sombra da incerteza e da itinerância.”
“Durante esses anos, Dom Isaac conseguiu se estabelecer na consciência histórica e religiosa dos exilados sefarditas. Sua atividade literária e seus esforços políticos nos últimos anos de sua vida fizeram dele o herói desses exilados e de seus descendentes, além de elevá-lo ao status de uma figura histórica e místico que continua a atrair profundo interesse de judeus e cristãos”, acrescenta o biógrafo.
“Seus sucessos diante de condições adversas e turbulências internacionais são um testemunho impressionante de seus talentos de sobrevivência e resistência, o núcleo em torno do qual sua imagem lendária uma vez que líder e plumitivo foi criada”, completa.
Abravanel morreu em dezembro de 1508. Porquê as leis de Veneza não permitiam o enterro de judeus, seu corpo foi levado a Pádua.
Legado
Para Cohen-Skalli, a vida plena e ativa de Abravanel “o colocou em estreito contato com grandes desenvolvimentos, inovações e crises nos âmbitos da economia, política, religião, literatura, filosofia e geografia”.
“Ele não era simplesmente um cortesão e mercante que participava da vida social e econômica de seu tempo. Era também um erudito e responsável que respondia às mudanças históricas que afetavam sua vida e a da comunidade judaica, tanto na península ibérica quanto, depois a expulsão de 1492, nas comunidades judaicas da Itália e na diáspora sefardita”, acrescenta o galicismo.
“É verdade que Dom Isaac era um rico mercante e onzeneiro que servia tanto a nobres quanto a reis. Mas, ao mesmo tempo, era um intelectual com uma ensino extremamente diversa: judaica, cristã, islâmica e clássica. Era um professor e exegeta que compôs uma série impressionante de comentários […] além de tratados filosóficos”, salienta ele.
Para o filósofo, tudo isso faz de Isaac Abravanel “uma das personalidades históricas mais fascinantes da baixa Idade Média e do início da era moderna”.
“Dois retratos diferentes de Dom Isaac Abravanel foram gravados na memória coletiva judaica e na memória de estudiosos modernos, respectivamente. O primeiro é o de um líder de exilados durante o período da expulsão no final da Idade Média e do termo da história judaica ibérica. O segundo é o de um pensador judeu inovador que adotou visões republicanas modernas extraídas da literatura do humanismo e do Renascimento”, define Cohen-Skalli.
“A diferença entre a imagem tradicional de Abravanel e sua imagem na sabedoria moderna aponta para a dificuldade de encaixá-lo em um único período, movimento ou papel. A lealdade de Dom Isaac à sua religião e comunidade lhe conferiu status lendário e o transformou em um símbolo de resistência e sobrevivência judaica, mesmo na era da expulsão. Em contraste, suas visões políticas inovadoras e seu sucesso econômico nas cortes ibéricas e italianas levaram alguns estudiosos a vê-lo uma vez que um novo tipo de figura judaica, um precursor do judeu moderno dos séculos 18 e 19”, pontua.
Para o filósofo, essa dicotomia suscita o debate. Isaac Abravanel teria sido “um herói que defendeu o judaísmo no raiar da era moderna” ou “um judeu imbuído do espírito da modernidade que internalizou novas concepções e novos modos de comportamento e frase”?
A historiadora Rodríguez ressalta que os altos cargos desempenhados por Isaac Abravanel não foram exceção ao contexto da quadra. Ela lembra que, naquele contexto, famílias judias “se destacaram no envolvente real de Lisboa” e o caso dos Abravanel não foi “único ou aleatório”.
“Fez segmento de uma importante e fundamental rede de funcionários régios e rabinos que exerciam as suas funções com habilidade e sabedoria. E que, durante anos, os monarcas souberam valorizar e incorporar ao cotidiano, apesar das dificuldades constantes que os judeus sofriam na península ibérica”.