No último dia 3, o empresário Henrique da Silva Chagas, de 27 anos, morreu depois realizar o peeling de fenol, um procedimento estético altamente invasivo utilizado por dermatologistas em peelings químicos profundos para tratar cicatrizes, manchas e rugas.
O caso me chamou atenção de inesperado. Henrique era um varão jovem, bonito e, ao que me parece lendo as notícias, feliz. Ainda assim, alguma coisa dentro ou fora deste rapaz o compeliu a buscar uma solução drástica (e potencialmente inevitável) para as marcas de acne que carregava na pele do rosto.
Ao perambular pelas notícias nos dias seguintes ao ocorrido, me deparei com extensas discussões sobre a dona da clínica onde Henrique fez o procedimento. Natalia Becker, porquê é conhecida nas redes sociais, não é médica e parece não ter sido devidamente habilitada para realizar o procedimento.
Natália se apresentava nas redes sociais porquê esteticista e prometia a seus mais de 200 milénio seguidores (e clientes em potencial) resultados milagrosos. O Instagram, aliás, era sua instrumento de trabalho, onde divulgava os serviços oferecidos por sua clínica, falava sobre o sucesso dos procedimentos e vendia cursos online.
Ao ler as matérias sobre o caso senti um incômodo que, a princípio, não soube transcrever em palavras. Foi a partir do terceiro cláusula que entendi de onde vinha meu desconforto.
Além da investigação meticulosa do pretérito e presente profissional de Natália, as matérias dedicavam parágrafos e mais parágrafos à descrição minuciosa do tal peeling de fenol, mais parágrafos de explanação sobre seus efeitos rejuvenescedores milagrosos, seguidos, simples, de mais parágrafos sobre a seriedade do procedimento e a valor de realizá-lo com médicos habilitados e competentes. As tais matérias contavam inclusive com dermatologistas atestando o bom funcionamento do procedimento, quando feita de maneira adequada. E acabava aí.
Ouvindo a entrevista de Natalia nos dias seguintes à morte de Henrique, um trecho me chamou atenção. Ao ser perguntada sobre sua profissão, Natalia se definiu porquê uma influenciadora. E é justamente nesse ponto que reside o meu incômodo com a abordagem que tem sido feita sobre esse caso.
Tão importante quanto a investigação do violação, é a discussão que ele deveria gerar sobre o papel das redes sociais e das vozes que ecoam nesses ambientes na exaltação e perpetuação de um padrão de venustidade tão restrito e inalcançável que compeliu um rapaz bonito e saudável de 27 anos a buscar um tratamento estético tão invasivo que o levou à morte.
Para além do violação, é urgente falar sobre o contexto social em que esse violação se insere. Um contexto em que a própria natureza das redes, seus algoritmos e a maneira porquê se tornaram vitrines da vida, trabalham ininterruptamente para reproduzir e avalizar padrões de venustidade que sempre existiram, mas que agora são potencializados e transformados em produtos que podem ser adquiridos.
E é a partir desse mecanismo que nos deparamos com crianças de 8 anos publicando vídeos no Tiktok mostrando extensas rotinas de skincare, utilizando produtos desnecessários, inadequados e potencialmente nocivos. De meninos e meninas em depressão por não se entenderem bonitos o suficiente, não importa o quanto se esforcem.
O triste caso de Henrique deveria servir porquê um alerta de que, porquê sociedade, precisamos urgentemente nos questionar: a quem serve a promoção desses padrões? Quem lucra com a comercialização desses atalhos para se compreender um Olimpo da venustidade? E quem sai perdendo com isso tudo?
Infelizmente, sinto que a mídia e sua abordagem sobre o caso foi na direção oposta. Ao unicamente indicar o dedo para Natália sem ao mesmo tempo levantar uma discussão sobre o mecanismo que faz com que pessoas porquê Henrique procurem pessoas porquê Natália, perdemos a oportunidade de testilhar o combustível que alimenta essa indústria.
Diante de toda a repercussão desse caso, sinto que quem saiu ganhando foi o peeling de fenol. Não duvido zero que a procura pelo procedimento cresça exponencialmente nas próximas semanas e meses por gente que leu no jornal que o negócio é realmente milagroso. E basta escolher muito o dermatologista, que vai dar tudo patente.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul inferior.
