O Que Torna Rebeca Andrade Uma Atleta Fora Da Curva,

O que torna Rebeca Andrade uma atleta fora da curva, segundo treinadora que a descobriu – 01/08/2024 – Esporte

Esporte

Era início dos anos 2000, e a novidade turma de crianças do projeto social da Prefeitura da cidade na Grande São Paulo já estava praticamente selecionada ― sem o nome de Rebeca, filha de uma mãe solo, empregada doméstica, que pouco tempo tinha para pensar em curso esportiva dentro da família.

Mas uma tia de Rebeca, Cida, havia terminado de iniciar a trabalhar porquê cozinheira no ginásio de esportes. E pediu para a professora e técnica Monica dos Anjos dar uma “olhadinha” naquela sobrinha espevitada que já gostava de pular os móveis em mansão.

“Quando vi aquele corpinho poderoso, torneado, pleno de musculatura que a gente procura em crianças da ginástica, eu já sabia que tinha um pouco privativo”, lembra Monica sobre a decisão de terebrar espaço para mais uma aluna nas classes.

Rebeca Andrade se tornou nesta quinta-feira (1/8) a maior medalhista mulher da história olímpica brasileira, ao lucrar sua quarta medalha, a de prata, no individual universal.

Na terça-feira (30/7), ela já havia ganhado o bronze por equipes. E, nos Jogos de Tóquio, em 2021, conquistou a prata no individual universal e o ouro no salto.

Rebeca ainda tem a chance de lucrar mais três medalhas, já que disputa as finais do salto, solo e trave em Paris na segunda-feira (5/8).

Se lucrar ao menos mais duas medalhas, ela se tornará a desportista brasileira, entre homens e mulheres, com mais conquistas olímpicas, superando Robert Scheidt e Torben Grael, da vela.

Para a professora que acompanhou os primeiros saltos de Rebeca, as subidas cada vez mais frequentes ao pódio rebobinam um filme.

“Vem na memória quando ela veio pequenininha com tia. Eu segurei a mão dela e pedi para ela pular no tablado. Pensei: temos cá uma novidade Daiane dos Santos”, diz Monica dos Anjos, lembrando outra ginasta vitoriosa brasileira, também negra e da periferia, que vivia seu auge na idade.

Tanto o sucesso de Daiane quanto o de Rebeca, duas mulheres “carismáticas e que carregam a alegria do esporte”, vêm consolidando cada vez mais o Brasil na ginástica mundial, avalia Luisa Parente, a primeira ginasta do país a participar de duas olimpíadas: Seul 1988 e Barcelona 1992.

No projeto social de Guarulhos, para onde ia andando com o irmão mais velho, um dos oito filhos de dona Rosa, o talento de Rebeca se sobressaiu e ela passou a ser acompanhada pelo treinador Chico Porath, com ela até hoje.

“Era difícil manter ela focada, porque ela achava tudo fácil. Eu botava as meninas em fileira e ‘cadê a Rebeca?’ Ela estava vendo as mais velhas, imitando os passos de dança, os movimentos”, lembra Monica dos Anjos

A ginasta se mudou logo para Curitiba aos dez anos e, depois, ao Rio de Janeiro, onde entrou para Clube de Regatas do Flamengo, do qual é desportista até hoje.

Mas ― além da coincidência de morar numa cidade com um projeto social relevante na ginástica, narrar com o “empurrão” do sucesso de Daiane e ter uma tia que cozinhava para os atletas mirins ― o que faz de Rebeca uma desportista tão “genial”, a ponto de ser a única atualmente a sovar de frente com Simone Biles, a superginasta americana?

São três fatores principais apontados pelas ex-técnicas: a força e potência física; o estabilidade mental; e o carisma.

Logo em seguida lucrar a medalha de prata nesta quinta, Rebeca respondeu a uma pergunta feita pela BBC News Brasil: qual dessas três características mais a ajudou a chegar aonde chegou?

“As três me ajudaram, o estabilidade de tudo. E evidente, todo o trabalho da minha equipe, o Chico [técnico] olha para mim e sei que confia em mim. Eu olho para ele e confio nele. Se suceder qualquer coisa, a gente vai se sentir sempre orgulhosos. Isso me tranquiliza”, disse Rebeca.

1 – Um corpo potente

Aquelas características físicas que a professora Monica dos Anjos percebeu na primeira olhada em Rebeca de traje se mostraram uma arma da brasileira.

“A força muscular que ela tem a faz subir muito cocuruto nos saltos e realizar os elementos de uma forma mais limpa”, avalia Monica.

A ex-ginasta e pioneira Luisa Parente, que trabalhou com Rebeca no Flamengo, dá um exemplo de uma bailarina para explicar Rebeca, que “parece uma pluma, mesmo tendo que usar muita força”.

“Você pode notar que há ginastas que a gente percebe que estão fazendo muito esforço para realizar os movimentos. Mas a Rebeca, assim porquê Simone Biles, não. É uma conjunção dos fatores das habilidades naturais, com a constituição física e potência muscular, e da habilidade técnica que ela adquiriu”, diz.

“O voo de Rebeca atinge aquilo que toda ginasta almeja, que é o que chamamos de amplitude do movimento, que é a profundidade mais a intervalo.”

A força da brasileira faz com que ela seja “explosiva” na saída para passar, explica Monica dos Anjos — é porquê um sege potente, que consegue ir de 0 a 100 km/h em pouco tempo.

“No caso da salto, ela vem muito rápido e, quando bate na mesa, consegue subir cocuruto. Isso faz com que ela aterrisse com mais tranquilidade.”

Apesar de poderoso, o corpo de Rebeca também sofre em meio aos esforços constantes do esporte. Ela já passou por três cirurgias no joelho recta, em 2015, 2017 e 2019.

Durante esses períodos, pensou em desistir a curso algumas vezes, segundo já relatou em entrevistas. Mas Rebeca contou com o base de sua mãe, treinadores e até de Simone Biles, que a aconselhou a “não desistir”, segundo a ginasta brasileira.

“Na última lesão, lembro que ela quase jogou a toalha. Lembro de conversar com ela no terraço do clube e eu disse: ‘vai falar com sua mãe, depois volte porque seu lugar é em cima do pódio'”, lembra Luisa Parente.

2 – Concentração e cabeça no lugar

A ginástica não é um esporte fácil. Os treinos são pesados, repetitivos, com horas e mais horas repetindo o mesmo movimento.

“Quando chegam lá na hora da competição, a cobrança delas com elas mesmas é muito grande, não querem errar de jeito nenhum”, explica Monica dos Anjos.

Mas o erro inevitavelmente vem, independentemente das horas dedicadas em treino. E é aí que vem o trabalho de concentração e com psicólogos.

“Se errar, tem que se levantar. Eu vejo porquê as meninas estão centradas, focadas. Sei que estão tendo séquito psicológico, o que faz toda a diferença”, diz Monica.

Nesta quinta, em seguida lucrar a medalha, Rebeca reforçou a influência de ter um profissional de saúde mental ao seu lado: “Teve um dia que estava mais ansiosa e fui e conversei com minha psicóloga. Me ajudou bastante.”

Além de conseguir mourejar com as falhas, Rebeca também consegue se colocar numa “bolha” na hora das provas, segundo sua primeira treinadora.

“Eu observo que ela faz de conta que não tem zero ao volta. Não fica olhando o placar ou se as outras erraram ou acertaram os movimentos. Ela só quer executar o dela”, diz.

Para Luísa Parente, atletas muito experientes porquê Rebeca – que, apesar de ter 25 anos, está na ginástica há 20 – têm a vantagem de saber melhor o corpo.

“Você consegue usufruir mais o momento, não permanecer tão tensa com a sublimidade”, avalia.

“E ainda tem o entrosamento com o treinador (Rebeca e Chico Porath trabalham juntos desde que ela era petiz) que também ajuda, porque ele é a pessoa que passa mais tempo com ela, tem intimidade, e sabe porquê apoiá-la.”

3 – O carisma que levanta a torcida

No solo da ginástica, em que as atletas mulheres se apresentam com música, a vontade da ginasta conta, segundo as treinadoras. E isso Rebeca tem de sobra.

“Se for confrontar, as americanas fazem muito muito as acrobacias. Mas as nossas brasileiras, não só a Rebeca, elas levantam o público, fazem um espetáculo”, opina Monica dos Anjos.

Para a treinadora, que também atua porquê árbitra em competições internacionais, quando a desportista vê a torcida celebrando junto, isso “arrepia, ajuda a impulsionar o salto, é porquê se fosse um a mais no tablado”.

Ao ver Rebeca dar as entrevistas hoje, com a voz fina e sempre sorrindo, a primeira treinadora diz que se lembra da petiz que ainda vive na mulher campeã olímpica. “O jeitinho que conquistou a gente segue lá.”

A escolha da música para o solo, feita em conjunto entre desportista e treinador, também ajuda na interação com a plateia. No caso de Rebeca, o ritmo que empurra ela para o cocuruto conta um pouco de sua história.

A brasileira se apresenta em Paris ao som de um remix das músicas End of Time, de Beyoncé, e Movimento da Sanfoninha, de Anitta. Em Tóquio, ela já tinha conquistado o público com o seu Dança de Favela, de MC João.

“O desportista tem que estar curtindo o que está apresentando. E a gente vê que ela está”, diz Mônica.

“Ela traduz em alegria, é um divertimento na competição”, completa Luisa Parente.

Folha

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