O Skate é Feminino 27/07/2024 Karen Jonz

O skate é feminino – 27/07/2024 – Karen Jonz

Esporte

Oi, eu sou Karen Jonz, novidade colunista que veio falar de skate por cá. Sou quatro vezes campeã mundial de vertical, primeiro ouro feminino brasílio dos X Games, mas a primeira vez que eu subi num skate com 16 anos eu cai. Rompi o ligamento do tornozelo e fiquei imobilizada. No dia seguinte desse incidente, faríamos uma excursão com a escola, na qual eu não pude ir. Nessa quadra estava no último ano do colegial, tinha um namoradinho e era uma juvenil zero descolada. Nesse fatídico dia, voltando do passeio ele me traiu com outra rapariga, e a escola inteira (menos eu) ficou sabendo. Foi um traumatismo duplo, mas mal eu melhorei tentei mais uma vez andejar de skate, e dessa vez foi para sempre. Já o garoto nunca mais ouvi falar.

No início meu pai não me proibia de andejar, mas também não me apoiava. Dizia que era coisa de puta. Eu queria muito saber de onde ele tirou essa teoria, pois era uma combinação no mínimo interessante para o final dos anos 90. Descobri por acidente, anos depois, que ele conhecia uma pequena que andava de skate, e também fazia programas. Se por coincidência do tramontana eu não tivesse espargido essa pequena, ia até hoje encontrar que ele tinha inventado essa historia, mas era tudo verdade.

Os primeiros a aceitarem que a coisa do skate seria um caso vencido foram meus avós. “Já que você vai fazer isso, portanto que faça protegida pelo menos”. Entramos no Golzinho dourado do seu Osmar, rumo a uma loja de equipamentos de ballet, que por qualquer motivo também vendia kits de proteção de patins. Esse foi o presente deles para mim. A motivação pode ter sido pessoal, pois eu sei que no fundo ainda tinham esperanças que eu mudasse de teoria e decidisse finalmente me candidatar a miss. Assim pelo menos poderiam prometer que minhas canelas não estariam completamente roxas. Mas enxerguei uma vez que prova de paixão.

Comecei na rua, com meninos. Aos poucos fui conhecendo outras garotas que andavam também. Eu me questionava porque não via mulheres nas revistas e mídias especializadas, parecia que não existiam. Eu achava estranho, pois sabia de histórias de mulheres que já andavam de skate no Brasil desde os anos 70.

A resposta veio um tempo depois, quando conheci a zine/revista de skate feminino “Check it out”, feito pelas próprias skatistas, pois as revistas da quadra não davam espaço para as mulheres. O mesmo acontecia com campeonatos. Poucos incluíam a categoria feminina e mais de uma vez, tivemos que organizar nossos próprios eventos.

A grande maioria das skatistas até meados da primeira dezena dos anos 2000 estavam saindo da juventude e entrando na vida adulta. Muitas que conheci, chegando numa certa idade tiveram que parar de andejar para ajudar em vivenda, coisa que eu não via suceder com os garotos. Os ambientes de skate não eram exatamente convidativos a crianças, diria que muitos deles, hostis. Cenário que mudaria durante as próximas décadas.

Meu avô teve cancro e no término não conseguia seguir os eventos, quando eu comecei a finalmente permanecer no pódio. Me mudei para Califórnia para conseguir andejar melhor, já que a situação das pistas no Brasil era bastante precária. A cada visitante, trazia todos os troféus, medalhas e algumas histórias. Dava um jeito de ajustar a linguagem, com nomes complicados de manobras, para que ele e minha avó pudessem entender um pouco melhor, habilidade que me foi útil mais tarde em 2021, quando fui comentarista nas Olimpíadas de Tóquio e consegui transmitir ao público o skate com uma linguagem mais atingível.

Nos últimos 30 anos eu vi o skate feminino se erigir, tijolinho por tijolinho. Cada vez que uma mina conquistou uma coisa para si, conquistou para todas. Cada pódio, cada patrocínio, cada espaço na mídia. Uma manobra por vez, dia por dia. Lenta e incansavelmente, geração apos geração deixando o seu legado, para que hoje fosse provável. Eu sempre sonhei que o skate pudesse trazer mais possibilidades para as mulheres. E hoje vivo esse presente. Não é todo mundo que em vida consegue observar o que plantou frutificar. Eu estou tendo esse privilégio. Antes eu defendia o skate feminino. Agora eu unicamente afirmo: o skate é feminino. E apesar de já ter começado a muito tempo, está só começando.


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Folha

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