Chef e produtor de comida em cena, Daniel Franco fez mais de 20 suflês de queijo para as gravações de ‘Ainda Estou Cá’. Brasílico já fez até o frango que aparece em ‘Lusco-fusco’.
Chef e produtor de comida em cena Daniel Franco fez mais de 20 suflês para as gravações de ‘Ainda Estou Cá’
Daniel Franco/Pilha Pessoal
Com o forno ligado e a batedeira na mesa, Fernanda Torres já estava a postos para a lição de suflê quando o chef e produtor de comida de cena Daniel Franco chegou ao apartamento da atriz, no Rio de Janeiro.
Os dois tinham em mãos ovos, leite, farinha, queijo e a receita compartilhada pela família de Eunice Paiva, a advogada e autora do prato interpretada por Torres em “Ainda Estou Cá”, produção brasileira do Globoplay vencedora do Oscar de melhor filme internacional.
“Ela já tinha lido tudo sobre suflê, já sabia todos os truques da gastronomia”, lembra Franco, responsável por colocar o prato da melhor forma em cena.
Fernanda Torres aprendeu a fazer o tal suflê de queijo da família Paiva e chegou a ser filmada cozinhando a receita pelo diretor Walter Salles. A cena, porém, não entrou no golpe final do filme.
Mas o suflê está lá. O prato de inspiração francesa aparece na primeira segmento do filme, antes da prisão e do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, marido de Eunice, durante a ditadura militar.
Há uma reunião entre amigos que conversam sobre política e dançam na mansão da família, no Leblon, e o prato aparece na mesa e no prato dos convidados.
Filha de Eunice e responsável por zelar a receita, Ana Lúcia Paiva, a Nalu, lembra que a mãe cozinhava o prato justamente nesses jantares com os amigos. Depois que Rubens desapareceu, “ela quase não fez mais”, conta.
O prato também é mencionado cinco vezes ao longo do filme. Quando Eunice promete à filha antes do almoço que iria cozinhá-lo; na epístola saudosa de Vera, filha mais velha, desde Londres; no retorno de Vera ao Rio, quando a mãe lamenta não recebê-la com o prato; no final, quando a família quer reproduzir a receita da mãe; e nas últimas palavras de Rubens Paiva, ao ser levado pelos agentes da ditadura: “Volto a tempo para o suflê”.
A aparição em si na sarau é rápida – mas demandou muito trabalho da equipe de Daniel Franco, técnico na produção de comida para o cinema.
O carioca de 44 anos é o profissional que garante que os víveres que aparecerão nos filmes (e em novelas ou comerciais de TV) estarão bonitos e fiéis à história.
Receita de Eunice Paiva para o suflê no caderno de sua filha, Nalu
Ana Lucia Paiva
No caso de “Ainda Estou Cá”, Franco sabia que tinha um duelo para o protagonismo do suflê, citado no livro de Marcelo Rubens Paiva que deu origem ao filme.
Porquê a receita de Eunice já indicava, o suflê precisava ser servido “logo que estivesse pronto”, para não murchar.
Imaginando uma cena que durou horas para ser gravada, porquê deixar o suflê impecável? É aí onde entra o trabalho do produtor de comida de cena.
Ao todo, Daniel Franco cozinhou mais de 20 suflês – todos comestíveis – para as filmagens.
“Em poucos minutos, ele já está totalmente dissemelhante”, explica o produtor, que fica ao lado do diretor nas cenas envolvendo víveres para conferir que tudo está nos conformes,
A estratégia de Franco para o filme foi fazer dois tipos de suflê. Um para permanecer na mesa; outro para ir no prato e à boca dos atores.
O da mesa, na verdade, era formado por uma grossa classe de purê de batata por inferior da travessa, para dar profundidade ao prato. O suflê em si era unicamente a última classe.
” A gente precisa de um visual lindo, de um tanto comestível e que consiga passar a sentimento que a gente quer”, explica Franco.
Já o suflê que foi para o prato era exatamente o da receita de Eunice Paiva.
“Quando é uma receita de família, você quer seguir aquela receita perfeitamente, até porque o fruto [Marcelo] aparecia no set de filmagem”, lembra.
Gravada a cena, em universal, a comida é descartada, até por questões de armazenamento. Em “Ainda Estou Cá”, lembra Franco, o elenco infantil aproveitava os intervalos da filmagem para de se deliciar com os suflês – evitando assim maiores desperdícios.
Daniel Franco se especializou em cozinhar para films
Daniel Franco/Pilha Pessoal
Profissão: comida de cena
Daniel Franco começou a trabalhar em cozinhas aos 17 anos, quando se tornou pai do primeiro fruto.
Sem tempo para se destinar aos estudos, fez dos bares e restaurantes do Rio de Janeiro sua sala de lição de gastronomia.
Com quase dez anos de experiência cozinhando para os outros, em 2007 ele resolveu investir num mercado que começava a se mostrar atrativo em terras cariocas: o de produção de comidas para peças publicitárias. Em inglês, o termo geralmente utilizado é “food stylish”, que significa estilista de víveres.
O Rio de Janeiro, explica Franco, era uma cidade efervescente para o audiovisual, recebendo publicitários estrangeiros que encontravam ali um direcção “barato” em dólares para filmarem suas peças.
A invitação de uma amiga produtora, foi convidado para um primeiro trabalho para uma rede de fast food.
Franco logo percebeu que, em um dia de trabalho deixando o iguaria em estado perfeito para filmagens, ele recebia o salário de um mês inteiro em um restaurante.
Muitos dos profissionais que atuam nessa extensão são especialistas nos chamados mock-ups, representações “falsas” (e caras) de víveres, com uso de espumas, borrachas, plástico.
Mas Daniel Franco, com sua experiência enquanto chef, resolveu ir por outro caminho.
Em vez de produzir objetos que parecem comidas, mas não são, o carioca trabalha com o iguaria real mais perfeito provável.
“Fazer comida de cena é trabalho de arte”, defende.
Receita de Eunice Paiva foi seguida à risca na cozinha de Ainda Estou Cá
Daniel Franco/Pilha pessoal
A teoria, segundo Franco, além do realismo, é permitir que os atores possam interagir naturalmente com o iguaria – inclusive, com a possibilidade de consumir em cena numa improvisação.
Um dos primeiros trabalhos foi no filme “Feliz Natal”, dirigido por Selton Mello — quem ele iria reencontrar em “Ainda Estou Cá”.
Em uma das cenas, Daniel Franco precisou produzir uma ceia de Natal inteira e mantê-la com semblante de fresca por horas.
Foi essa especialização que fez com que Daniel começasse a terebrar os caminhos dentro do cinema.
O produtor também participou de filmes porquê “Flores Raras”, “Duas de Mim” e “Minha Mãe é uma Peça”.
Para trabalhar, o produtor precisa usar a cozinha das locações, para produzir tudo na hora. Em “Ainda Estou Cá”, por exemplo, usou a cozinha da própria mansão alugada na Urca, no Rio, para recriar a residência dos Paiva. Caso não tenha essa possibilidade, Franco precisa improvisar uma cozinha.
“No universal, as pessoas do elenco gostam da comida porque ela está sendo feita na hora, ali para eles, faço com todo carinho, temperadinho”, diz. Apesar disso, porém, a maioria vai para o lixo — salvo num “mundo perfeito”, quando os próprios personagens comem bastante em cena.
Do frango de Lusco-fusco ao sorvete de Fernanda Torres
No currículo de Daniel Franco, também há trabalhos hollywoodianos.
O produtor participou das gravações do terceiro filme da saga “Lusco-fusco”, numa ilhéu de Paraty (RJ).
O par de protagonistas, a humana Bella e o vampiro Edward, está passando lua de mel no Brasil. Em uma das cenas, Bella, sem saber que estava prenhe, está fritando coxas de frango. Quando começa a consumir e olha partes vermelhas da músculos, ela passa mal e corre para vomitar.
Parece simples, mas, para a pessoa responsável pela comida em cena, era um trabalho minusioso.
Daniel tinha que tirar a pele de um peito de frango e enrolar nas coxas de frango fritadas por Bella em cena.
“Porque, quando ela botava na frigideira, a coxa de frango ficava feia. Portanto, com a pele do peito, ela se mantinha naquela sublimidade”, explica.
Daniel teve que deixar preparada ao menos 50 coxas de frango (enroladas na pele do peito) para uma única cena.
Em “Ainda Estou Cá,” Franco precisou ser mais presente no set de filmagens.
Além do suflê de queijo de Eunice, o chef participou de outras cenas, porquê a gravada numa confeitaria no meio do Rio.
A família está na mesa, e Rubens Paiva entrega um sorvete de passas ao rum (o predilecto de Eunice) à esposa.
Há vários figurantes ao fundo com sorvetes e um mostruário de sobremesas, todas produzidas por Daniel Franco.
“O sorvete da Fernanda era um sorvete real, eu que fiz. A gente trocou pelo menos umas 40 vezes”, lembra Franco.
“Eu ficava detrás do monitor com um freezer, com várias casquinhas já com o sorvete. Cortava cena, eu trocava o sorvete da mão dela, cortava mais uma vez, eu trocava de novo. Ela estava sempre com um sorvete virgem na mão.”
Na cena, Fernanda Torres chega a tomar o sorvete — daí a premência de ser real e comestível.
Os outros sorvetes, da figuração, eram de chantilly com corante. “Com face de sorvete, mas não era sorvete.”
Outro trabalho recorrente e minusioso do produtor tem menos a ver com comida e mais sobre as marcas que ela deixa todos os dias na nossa vida.
“Eu faço muito prato sujo”, explica Daniel Franco. “Se alguém acabou de consumir em cena, você pega um pouquinho de arroz e suja o prato, ou mela com um pouco de molho de macarrão.”
Receita do suflê deixada por Eunice Paiva
2 colheres de sopa de manteiga
1 copo de leite
2 colheres de sopa de farinha de trigo
3 ovos
100 gramas de queijo salso
Sal e pimenta
“Roupão o leite, as gemas e a farinha no liquidificador. Derreta a manteiga em uma panela, acrescente a mistura batida no liquidificador e vá mexendo até espessar.
Acrescente o sal, a pimenta e o queijo. Deixe esfriar. Quando estiver morno, acrescente as claras em neve. Unte uma forma refratária ou pirex fundo. Vai ao forno quente por uns 20 minutos mais ou menos. Se quiser, acrescer uns 150 gramas de presunto muito picadinho ou champignons. Servir logo que estiver pronto senão murcha.”
Fonte G1
