Leste é um blog de futebol, primordialmente de futebol internacional, portanto o leitor estranhará a minha decisão de penetrar uma raríssima exceção e grafar sobre o esporte da esfera (geralmente) laranja.
Nesta quarta-feira (12), completam-se 30 anos do maior feito que eu vi, em tempo real e na madrugada brasileira (pela TV), o Brasil depreender no basquete: o título mundial.
Aconteceu em 1994, na Austrália, e aconteceu com a seleção feminina, conforme relembra a Folha em texto de Marcos Guedes.
A seleção masculina tinha sido bicampeã, em 1959 (no Chile) e em 1963 (no Brasil), muito antes de eu nascer, com craques do naipe de Amaury Pasos e Wlamir Marques.
Jogadores espetaculares dos quais, mas, eu não guardo memória afetiva. Não fizeram secção da minha puerícia ou juvenilidade, a não ser no ginásio (atual ensino fundamental), quando Wlamir foi por poucos meses meu professor de instrução física.
Passei a seguir basquete (gostava muito mais de futebol, mas também de outros esportes, entre os quais vôlei, natação e a esfera ao cesto) no início dos anos 1980. Torcia pelo Sírio (curtia o pivô Marquinhos Abdalla).
E na seleção brasileira os melhores eram o Oscar (depois chamado Mão Santa) e o Marcel. Eles foram meus ídolos (do Marcel até peguei autógrafo uma vez; infelizmente, perdeu-se).
O vértice deles foi o título do Pan-Americano de Indianápolis (EUA), em 1987, derrotando os favoritaços anfitriões, do “Almirante” David Robinson e grande elenco.
Via também o feminino, cujas fases finais do Campeonato Paulista, o único de frase no Brasil à idade, eram transmitidas pela TV.
Eu adorava a Paula, e sempre torcia pela Unimep (Piracicaba) contra a Prudentina (Presidente Prudente) ou o Minercal (Sorocaba), que eram os times da Hortência.
Duas espetaculares jogadoras, e de personalidades fortíssimas. Líderes e determinadas.
A renque Hortência, 1,74 m, a precisão em pessoa. Recebia a esfera, e a esfera não voltava. A depois chamada Rainha do Basquete era fominha. E podia ser. Errava pouco. Driblava a marcadora e dava o jump (salto para o lançadura) mortal, fosse perto ou longe da cesta.
Uma máquina de fazer cestas. E, antes de cada lance livre, concentrava-se inspirando o ar de forma peculiar, com os olhos fechados. Marcante.
A armadora Paula, também 1,74 m, também ótima arremessadora, fazia mágica com a esfera –tanto que passou a ser Magic Paula, sobrenome herdado de Earvin “Magic” Johnson, superastro do Los Angeles Lakers (NBA).
Uma mestra nas assistências e dona de uma habilidade descomunal –por exemplo, passava a esfera ao volta do corpo com extrema facilidade antes de fazer a bandeja. Fascinante.
Só que as duas, por excelentes que fossem, não tinham companhia do mesmo nível na seleção, não para fazer frente a rivais europeias, principalmente a União Soviética (depois Rússia), aos EUA e à China. Mesmo Austrália, Canadá e Cuba eram superiores.
As pivôs Marta e Ruth eram OK. A renque Vânia Teixeira e a ala-pivô Vânia Hernandes, médias. Tinha também a armadora Suzete. Lembro-me dessas.
Só que era necessário, a nível internacional, um pouco mais para que Paula e Hortência pudessem chegar ao topo. E esse um pouco mais tinha nome e sobrenome: Janeth Arcain, que ganhou espaço definitivo na seleção no final dos anos 1980.
A regularidade de Janeth, 1,82 m, impressionava. Parecia que ela jogava muito todos os jogos, sem exceção.
Não era tão possante no lançadura longo, uma vez que eram Paula e Hortência, não era “malabarista” uma vez que Paula nem “matadora” uma vez que Hortência, porém arremessava muito muito na média intervalo e infiltrava com grande desenvoltura e com subida taxa de sucesso.
Usava muito muito o corpo a corpo diante das adversárias e ganhava faltas nesse contato. Ia incessantemente para a risco de lance livre, e seu aproveitamento era altíssimo. Componentes que a transformavam invariavelmente na maior pontuadora (cestinha) da partida.
Trio formado e entrosado, tornou-se um trio de ouro (duas vezes, com um Mundial) e de prata (olímpica, de valor dourado).
Auxiliado por algumas coadjuvantes talentosas e/ou esforçadas (a pivô Alessandra, a ala-pivô Leila, mana de Marta, a armadora Helen Luz, as alas Adriana e Roseli, as alas-armadoras Silvinha Luz e Claudinha, a pivô Cíntia Tuiú), vieram as glórias.
Ouro no Pan em Havana-1991, surpreendendo Cuba sob os olhares impressionados de Fidel Castro.
No pódio, ao dar as medalhas às campeãs, o ditador identificou Paula e Hortência e, em tom de reinação, fez sinal de que não lhes entregaria a láurea.
Ouro no Mundial da Austrália, derrotando na semifinal as poderosas norte-americanas (Teresa Edwards, Dawl Staley, Sheryl Swoopes, Lisa Lesley), em partida na qual o trio Hortência-Paula-Janeth marcou 83 dos 110 pontos brasileiros (75%). Os EUA fizeram 107.
Na final, diante da China da pivô Zheng Haixia, de 2,03 m (ela dava temor), 64 dos 96 pontos (67%) do Brasil saíram das mãos da trinca de ouro (Hortência 27, Janeth 20, Paula 17). As chinesas totalizaram 84 pontos.
Prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996.
Hortência estivera prenhe meses antes, e Paula esteve irreconhecível na final (um acerto em oito tentativas nos tiros de quadra). A cestinha do Brasil no jogo em que as americanas tiveram sua revanche (111 a 87) de dois anos antes foi Janeth, com 24 pontos.
Enfim, as três eram fora de série, tanto que só com elas no auge a seleção feminina ganhou um Mundial.
Não jogaram mais juntas depois de 1996, pois Hortência se aposentou, virou empresária, inclusive com negócios no basquete. Entrevistei-a, quando era dirigente, algumas vezes.
Tive o privilégio, uma vez que jovem repórter ao revestir esportes olímpicos pela Folha, de ver em ação tanto Paula, já em termo de curso, uma vez que Janeth, que ainda brilharia na WNBA (liga norte-americana de basquete), com quatro títulos pelo Houston Comets.
Presenciei treinamentos na Grande São Paulo, fui a jogos, conversei com as duas, escrevi sobre elas.
Vi vitórias e derrotas de Paula, nas equipes de Campinas e Osasco, e de Janeth, por Santo André. Estive presencialmente nos ginásios, fosse no Tênis Clube, no José Liberatti ou no Pedro Dell’Antonia.
Vi, também a poucos metros de intervalo, da tribuna de prelo, ambas com o uniforme da seleção brasileira, Paula a camisa 8 às costas, Janeth com a 9, as duas com as habituais faixas na cabeça, em Despensa América (1997, em São Paulo) e/ou em Mundial (1998, na Alemanha).
Hortência, a quem só vi em um ginásio, o do Ibirapuera, em 1993, uma vez que testemunha, quando ela e Paula jogaram juntas pela “imbatível” Ponte Preta, usava costumeiramente a camisa 4 (e, no visual, rabo de cavalo).
Acompanhei, em 2000, a entrevista a jornalistas em que uma chorosa Paula anunciou a aposentadoria e na qual, ao comentar sobre seu maior rival no basquete, sentenciou: “Foram todos os times em que a Hortência jogou”.
São lembranças e detalhes que ficam guardados, que para sempre ficarão, junto com a certeza de que elas (Hortência, Paula e Janeth) foram, com todo saudação à geração bicampeã pan-americana (em 1967, no Canadá, e 1971, na Colômbia) e bronze no Mundial de 1971 (no Brasil), as mais admiráveis basquetebolistas que o Brasil já teve.