Escrevo esta pilastra enquanto observo e ouço o mar. O som das ondas traz um tanto porquê serenidade e sua imensidão nos coloca no devido lugar. Somos pequenos, mas estamos cá.
E o que faremos para seguir cá, projetar porvir e edificar legado para as próximas gerações? Faço essa pergunta consternada com tudo o que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Um sinistro ambiental de proporções enormes, vidas ceifadas, milhares de pessoas que perderam absolutamente tudo. Sonhos destruídos, planos interrompidos, esperança perdida. Um cenário desolador.
Porquê já escrevi neste espaço, acredito na lógica do “e”. É necessário agora compreender o desmonte das leis ambientais, a falta de políticas de proteção e a negligência institucional e também estribar e ajudar as pessoas que sofrem com a ganância dos poderosos e a lógica predatória.
É sim preciso indicar os responsáveis por essa situação calamitosa para que possamos projetar novos futuros.
A população precisa saber quais projetos políticos eles endossaram e as consequências desse endosso. E devemos lutar para que haja responsabilização ao mesmo tempo em que nos solidarizamos com a população.
É estarrecedor seguir as notícias e impossível não sentir empatia e enxergar a dor do outro. Pelo menos assim eu pensava antes de ler comentários em portais de notícias.
Pessoas absolutamente perdidas de suas humanidades fazendo comentários maldosos, espalhando mentiras, capitalizando politicamente para seu candidato de preferência, destilando ódio contra pessoas de que não gostam, mesmo essas pessoas enviando ajuda para o Rio Grande do Sul.
Vi uma gaúcha atacando as religiões de matriz africana e dizendo que o sinistro que assola o estado seria fúria de Deus pelo traje de ter muitos terreiros. Deus estaria zangado porque só devemos honrar a Ele, disse a blogueira.
Mesmo em um momento de dor para seus conterrâneos, ela em sua estupidez simplesmente não consegue transpor de si mesma e evoluir. Confesso que fiquei chocada ao saber de vaquinhas falsas, assaltos às pessoas que estavam tentando salvar as próprias vidas, outras tentando dar golpes. Nesses momentos, a gente perde a fé na humanidade.
Olhei novamente para o mar, estava repousado e o sol iluminava sua cor azul. Ao contemplar o horizonte, voltei à percepção de que muitas coisas são pequenas e não merecem a nossa atenção, não devemos jogar luz sobre elas. E assim me dediquei a observar vídeos de pessoas ajudando outras.
Vi o caso de uma mulher que perdeu tudo com as enchentes e, mesmo assim, estava resgatando outras. Fiquei emocionada com a solidariedade perante a totalidade desesperança. Uma mulher que conseguiu sublimar a própria dor para dar as mãos ao seu semelhante. E foram inúmeros casos assim, inúmeros.
Chorei quando vi animais sendo resgatados e soube da construção de um abrigo para eles. Há várias campanhas sérias de doação e ações humanitárias. Algumas dessas ações podem parecer pequenas, mas são absolutamente grandes, porquê a de uma mulher que decidiu comprar roupas íntimas para as mulheres que estão no abrigo, a de pessoas que estão se mobilizando para receber famílias neuroatípicas. Um mutirão de esperanças.
A fé foi restituída ao constatar que muitos de nós nos reumanizamos o tempo todo ao nos enxergarmos nessa peneira da vida. Alteridade é enxergar o outro na sua humanidade, hospedar as diferenças, perceber que há muitas pontes que nos unem e seguir trabalhando para destruir os muros que nos separam. Muros de desigualdades, vexação, indiferença. E já há muros demais.
Não sou ingênua a ponto de crer que a veras no nosso país vai mudar; que as pessoas enfim vão crer que o aquecimento global existe e portanto é necessário lutarmos para sustar retrocessos e prosseguir efetivamente nessa taxa; que os governantes vão atender às demandas da população e romper com pactos de proteção aos super-ricos. Não tenho tanta fé assim na humanidade.
Porém, ao olhar mais uma vez para o mar, e compreender a nossa tão frágil finitude, me permito ser acolhida por esses oásis de paixão que essas pessoas criaram em meio a uma terreno arrasada.
Pessoas que estão longe do holofote, que não estão preocupadas se suas ações são aplaudidas e que não fazem da solidariedade um palco de vaidades, de capital político ou de marketing. Pessoas que acreditam na humanidade, apesar de tudo; apesar da negligência e das mãos que nos retiram o soalho e a vida.
Porque renascemos quando abraçamos o outro, aguamos com afeto o solo para que ele seja fértil de esperanças. Apesar de tudo.
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