As ocupações de prédios abandonados ganharam força depois as enchentes em Porto Contente. Ao menos quatro ocupações realizadas por famílias atingidas pelas chuvas ocorreram no meio da capital gaúcha desde a histórica enchente de maio. A última ocupação, feita nesse domingo (16) por tapume de 200 pessoas, foi despejada, sob chuva, no mesmo dia pela Polícia Militar (PM) do estado.
A Dependência Brasil visitou uma dessas ocupações que abriga hoje tapume de 48 famílias, com mais de 120 pessoas. Fica no meio histórico, em um prédio esquecido há mais de dez anos, onde era o velho Hotel Arvoredo, apelidada de Ocupação Desalojados pela Enchente Rio Mais Grande do Sul.
Diferentemente das outras três ocupações que ocorreram nos últimos dias, essa não foi liderada por um movimento social organizado, mas por famílias que, sem querer permanecer em abrigos, procuraram outra saída para a falta de moradia e entraram no prédio no último dia 24 de maio.
A faxineira Liziane Pacheco Dutra, de 37 anos, foi viver com o marido, a filha e o enteado, além do pai, da mãe e do sogro, nessa ocupação depois que a vivenda deles, no bairro Rio Branco, ficou com chuva até o telhado.
“Cá em Porto Contente tem vários prédios ociosos, sem utilidade social nenhuma. O presidente falou que ou ia erigir casas, ou comprar casas em leilão. Portanto, por que não aproveita todos esses prédios que estão ociosos, compra, reforma e dá pra população que perdeu tudo? Não adianta reformar minha vivenda. Se eu voltar pra lá, a primeira chuva possante que der, enche tudo”, afirmou.
As novas ocupações são sintomas do agravamento da falta de moradia na capital gaúcha. Segundo pesquisa da Instauração João Pinho, em 2019 existia um déficit habitacional de mais de 87 milénio habitações em Porto Contente, situação que piorou com as enchentes que desalojaram, em todo o estado, mais de 388 milénio pessoas, de conformidade com o último boletim da Resguardo Social.
O pedreiro e técnico de celulares Carlos Eduardo Marques, de 43 anos, vive com os quatro filhos e a esposa na ocupação. Ele conta que a família perdeu tudo no bairro Sarandi e, sem ter para onde ir, resolveu conversar com outras famílias insatisfeitas nos abrigos para entrar no prédio esquecido.
“Quando as pessoas começaram a perder tudo e ir para abrigos foi que começou uma explosão. Elas não queriam ir para os abrigos. Eu falei com a minha mãe, com as minhas irmãs, elas conheciam uma família que não estava sendo muito acolhida nesses locais e que aceitou fazer a ocupação. E a gente entrou. Portanto, nós estamos lutando e acolhendo famílias”, explicou.
Carlos disse que a empresa dona do prédio entrou contra eles na Justiça e que receberam um ultimato de 60 dias para transpor, que termina em 12 de agosto. As famílias com quem a Dependência Brasil conversou não querem ir para as cidades temporárias ou abrigos.
“Bah, tá louco! Pegam a gente e botam num abrigo, ou botam na cidade temporária. E depois? Daqui a pouco todo mundo esqueceu de nós. Vamos lutar por uma coisa digna para nós”, comentou.
Outras ocupações
Antes dessa ocupação, houve outra em velho prédio esquecido da prefeitura de Porto Contente, também no meio da cidade, onde funcionava uma companhia de arte. O Movimento Vernáculo de Luta pela Moradia (MNLM) entrou no prédio no dia 31 de maio para homiziar famílias atingidas pela enchente.
Eles estão em processo de negociação com a prefeitura e apresentaram proposta para que o prédio seja usado para moradia popular, além de manter um teatro porquê espaço cultural e uma cozinha solidária.
Outra ação, feita no dia 8 de junho, foi liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e chamada ocupação Maria da Conceição Tavares, em homenagem à economista que morreu no mesmo dia.
Famílias afetadas pelas chuvas estão vivendo em velho prédio do INSS, no meio de Porto Contente, que era usado exclusivamente porquê repositório pelo órgão. Nesse caso, há um processo de negociação com o governo federalista e o próprio INSS para encontrar uma solução de moradia para as famílias nesse prédio ou em outro lugar.
Reintegração
Situação oposta ocorreu com a ocupação Sarah Domingues, no último domingo, que foi imediatamente desocupada por uma reintegração de posse comandada pela Polícia Militar gaúcha. Famílias lideradas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) ocuparam por algumas horas um prédio de propriedade do governo do estado esquecido há anos.
Uma das lideranças do movimento, Luciano Schafer, acusa o governo estadual de promover a reintegração sem decisão judicial e de impedir o aproximação dos advogados do grupo. “Foi uma ação proibido e terrorista do governo de Eduardo Leite para colocar pavor na população e impedir que novas ocupações ocorram”, denunciou.
A Dependência Brasil entrou em contato com a assessoria de prensa do estado para comentar o caso, mas não obteve retorno.
A coordenadora do MLB, Tâmisa Fleck, contou que a ação foi realizada por tapume de 200 pessoas desalojadas pelas enchentes em diferentes pontos da capital. Segundo ela, as fortes chuvas impulsionaram o movimento por moradia.
“Entramos num momento em que não tinha porquê não fazer uma ocupação. Portanto, nos organizamos. Fizemos reuniões em bairros, porque a gente trabalha de bairro em bairro, conversa com as pessoas, se reúne. Foram várias etapas até resolvermos de forma coletiva fazer a ocupação”, contou.
Posteriormente a reintegração, o grupo fez uma plenária nessa terça-feira (18) para discutir os próximos passos. Eles prometem denunciar a ação do governo do estado na Reunião Legislativa nesta quarta-feira (19) e promover uma reunião na Secretaria de Habitação na próxima segunda-feira (24), para discutir saídas para as famílias desalojadas pelas chuvas.
Déficit habitacional
O pesquisador do Observatório das Metrópoles, André Augustin, da Universidade Federalista do Rio Grande do Sul (RS), destacou que a política habitacional da região metropolitana de Porto Contente não tem apresentado soluções de moradias populares.
“De 2010 a 2022, quase dobrou o número de domicílios vagos em Porto Contente. Há uma política de incentivo à construção de novos prédios, mas é para o mercado, voltado principalmente para a população de subida renda. Por outro lado, houve o desabrigo da política de habitação de interesse social. É uma política que tem que ser mudada, e agora a enchente mostrou isso de forma mais acentuada”.
De conformidade com o Recenseamento do IBGE de 2022, existem mais de 223 milénio domicílios não ocupados em toda a região metropolitana da capital. Para Augustin, o uso dos imóveis públicos abandonados é uma solução de pequeno prazo para essa população.
“Tanto as prefeituras quanto o governo do estado e o governo federalista têm muitos imóveis que não estão sendo usados. Eles estão mapeados, já são públicos, não precisariam passar por um processo de desapropriação. No pequeno prazo, a melhor política seria usar esses imóveis que são públicos. Mas, no médio e longo prazo, é preciso repensar toda a política habitacional e se voltar mais para a habitação social”, completou.
Ações governamentais
Nessa terça-feira (18), o governo federalista editou medida provisória (MP), com R$ 2,18 bilhões, para moradia popular dos atingidos pelas enchentes. Ao todo, espera-se saber com esses recursos 12 milénio moradias, sendo 10 milénio urbanas (com valor médio de R$ 200 milénio) e 2 milénio rurais (com valor médio de R$ 90 milénio).
Também ontem começou a construção dos centros humanitários de Protecção em Canoas (RS) e Porto Contente (RS), uma parceria dos governos federalista, estadual, municipais e a Dependência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
O órgão cedeu 208 estruturas com capacidade para receber tapume de 700 pessoas desabrigadas pelas enchentes em Canoas. Mais milénio pessoas devem ser acomodadas nessas estruturas temporárias em Porto Contente.