Oh, Canada De Paul Schrader Vê Feridas Da Guerra Do

Oh, Canada de Paul Schrader vê feridas da Guerra do Vietnã – 17/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Por mais sólida que seja a sua curso de cineasta, Paul Schrader dificilmente terá um crédito tão reluzente em seu currículo quanto o de roteirista de “Taxi Driver”, vencedor da Palma de Ouro em 1976. O americano agora volta ao Festival de Cannes, na França, para exibir “Oh, Canada”, filme que nos lembra que ele é, antes de qualquer coisa, um repórter.

Com jeito de crônica, o filme que compete pelo grande prêmio do evento, exibido nesta sexta-feira, não é somente fruto da escrita de Schrader, porém. É fundamentado no livro “Foregone”, de Russell Banks, morto no ano pretérito, em que ele imagina a vida de um dos 60 milénio homens que fugiram dos Estados Unidos para não lutar na Guerra do Vietnã.

Mas a adaptação para as telas é assinada por Schrader, e em qualquer diálogo podemos ver o quão habilidoso e escrupuloso o americano é com as palavras —e com a maneira com que as escolhe filmar.

Com o tecido de fundo da guerra, ele não está tão longe de “Taxi Driver”, mostrando mais uma vez os sintomas de um país que adoece ao mandar seus cidadãos, aos montes, para lutar num conflito que não pertence a ele. O rapaz da vez é Leonard Fife, um jovem pacifista, de esquerda, que ao fugir para o Canadá se torna documentarista renomado.

Conhecemos o protagonista na versão interpretada por Richard Gere, aos 70 e poucos anos e aluído por um cancro, quando dois ex-alunos chegam à sua vivenda para o entrevistar para um documentário sobre a sua vida. Diante das câmeras, ao relembrar o pretérito, ele se transforma em Jacob Elordi, versão de Fife na juventude.

Dessa forma, “Oh, Canada” viaja no tempo de forma desordenada, indo e voltando quando muito entende e, às vezes, se esquecendo de trocar o ator na pele do personagem. Um Elordi acariciando a bojo da mulher, prenhe, aos 20 e poucos anos inadvertidamente dá espaço para um Gere grisalho, na mesma posição, conforme ouvimos sua narração daqueles fatos.

É um jogo perigoso para o roteiro, mas que Schrader domina sem grande dificuldade, conferindo dinamismo a uma trama que, se fosse narrada em ordem cronológica, poderia facilmente reprofundar no tédio e no óbvio.

No presente, Leonard Fife está casado com Emma, personagem de Uma Thurman. Logo descobrimos que ela também já foi sua aluna, e que o protagonista é um mulherengo irresponsável. Não há intenção de pintar o varão porquê um herói. Fife era leal aos seus ideais políticos e artísticos, mas zero mais.

Com sua doença, ele ecoa o estado da pátria americana, tanto no pretérito, com a guerra, quanto no presente. Neste, é o cinema que cambaleia, num momento em que esse mesmo idealismo e a moral profissional parecem não subsistir mais, porquê denuncia a figura de seu ex-aluno, vivido por Michael Imperioli.

“Quando já não há mais horizonte, só resta o pretérito”, diz Fife, em determinado momento, esclarecendo o porquê de ter deixado gravarem a sua vida e, talvez, o porquê da própria existência deste filme.

“Oh, Canada” é mais uma trama de Schrader que reflete sobre morte e vida, pretérito e horizonte, pendendo para a desilusão que já demonstrou no próprio “Taxi Driver” e em projetos que ele mesmo dirigiu, porquê “Fé Corrompida”.

Também é pouco otimista um dos três filmes da competição que dividiram a sexta-feira com Paul Schrader. Além dele, Yorgos Lanthimos desfilou pela Croisette com “Tipos de Gentileza” e o romeno Emanuel Parvu, com “Three Kilometres to the End of the World” —ou três quilômetros até o término do mundo.

Nele, conhecemos Adi, um rapaz com pais amorosos, mas que vê sua vida desmoronar depois que é agredido no meio da rua. Ele não fala muito sobre o que aconteceu, mas seu pai, enfastiado, vai detrás de respostas junto com o dirigente de polícia da pequena ilhota onde vivem.

Logo descobre que o rebento apanhou depois de ser visto beijando um outro rapaz, o que o deixa dividido entre continuar com a denúncia e tornar pública a homossexualidade de Adi ou seguir com a vida e fingir que aquilo nunca aconteceu.

O carinho dos pais logo se transforma em vergonha, e há no longa uma inversão de valores. Antes vítima, o protagonista vira invasor –dos costumes, da cultura, do conservadorismo daquela ilhota que, por mais rachada que seja, decide se unir pela homofobia.

Incomoda um pouco a passividade de Adi, e o testemunha fica a todo tempo esperando um grito, uma explosão de raiva, até mesmo um ato mais violento, em protesto à humilhação que vive. Ele é mantido em cárcere privado pelos pais, que chegam a invocar um padre para performar um exorcismo e o remediar da “doença” que tem.

Por mais que a história pareça só mais uma do subgênero de sofrimento gay no cinema queer contemporâneo, “Three Kilometres to the End of the World” ainda encontra reflexões pertinentes a fazer. Pena que deve pregar para convertidos.

Folha

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