Olimpíadas: Teste De Imane Khelif Não Serve Como Parâmetro

Olimpíadas: Teste de Imane Khelif não serve como parâmetro – 02/08/2024 – Esporte

Esporte

O que seria somente um duelo válido pelas oitavas de final do peso meio-médio de boxe nas Olimpíadas de Paris, nesta quinta-feira (1º), se tornou uma grande polêmica sobre discussão de gênero no esporte e, principalmente, a validade dos testes de elegibilidade de gênero.

A desistência da italiana Angela Carini em seguida levar o primeiro soco da argelina Imane Khelif poderia ter sido somente um nocaute, mas o traje de Khelif ter sido desclassificada do Mundial de 2023, na Índia, por não passar no citado teste, acabou virando manchetes mundo afora e provocando acaloradas discussões nas redes sociais.

Segundo o COI (Comitê Olímpico Internacional), a lutadora de 25 anos havia sido desqualificada do Mundial por “níveis elevados de testosterona que não atendiam aos critérios de elegibilidade”.

Umar Kremlev, presidente da IBA (Associação Internacional de Boxe), que organiza o Mundial, no entanto, deu outro explicação: “Com base em testes de DNA, identificamos vários atletas que tentaram enganar seus colegas fingindo ser mulheres”.

Sendo teste de dosagem de testosterona, um hormônio sexual masculino que também é produzido em pequenas quantidades pelas mulheres, ou vistoria de DNA, que mostra se os genes são XX ou XY, os testes de gênero foram abolidos nos anos 2000 anos pelo COI, uma vez que a sociedade atual não se guia pelo binarismo homem-mulher, porquê era no pretérito. Agora, ele acata a designação impressa no passaporte da desportista.

“Hoje essa é a questão mais polêmica do movimento olímpico”, diz Kátia Rubio, professora da Faculdade de Instrução da USP, lembrando que a judoca Edinanci Silva e a jogadora de vôlei Érika sofreram com o mesmo problema nos anos 1990. “Na quadra, elas passaram por processos cirúrgicos e nem sabiam o que estava sendo feito com elas”.

As duas tinham condições genéticas que faziam o corpo produzir mais testosterona. Edinanci era intersexo, pessoa que nasce com características de ambos os sexos, e Érika tinha a Síndrome de Morris. Além de cirurgia, elas passaram a tomar medicação para controlar a fardo hormonal.

Rubio coloca em incerteza esses testes porque, afirma, o determinante biológico hoje já não define o que é varão ou mulher.

“A identidade passa pela questão social. Tem de entrar nessa balança os argumentos sociais e psicológicos. No entanto, a discussão segue no contexto biológico e, infelizmente, quem dá as cartas nesse contexto é a medicina, o que é um paradoxal”, desabafa. “A medicina usa um critério aleatório. Quem define que com 4 nanomol de testosterona eu sou mulher e com 5 eu sou varão?”

Rogério Fridman, professor titular da Faculdade de Medicina da UFRGS (Universidade Federalista do Rio Grande do Sul), diz ver um debate filosófico em relação à discussão de gênero no esporte profissional, em que o envolvente competitivo cria muita passionalidade.

Ele afirma estranhar essa discussão em Paris, uma vez que a preceito de gênero por genotipagem (DNA) tinha sido abandonada pelo COI por não resolver a questão.

“Não está clara a situação da desportista da Argélia. Ela tem naturalmente mais hormônios e, porquê a Caster Semenya, podem exigir dela um tratamento para diminuir esses hormônios e permanecer mais comportável com as outras atletas. Para alguns, esse tratamento é suficiente, mas, para outros, segue injusto para as outras atletas”, diz Fridman, citando a meio-fundista sul-africana Caster Semenya, que possui a requisito DDS (distúrbio de desenvolvimento sexual), que culpa a algumas mulheres terem cromossomos XY e níveis de testosterona no sangue típicos de um varão, assim porquê Khelif e Edinanci.

Semenya também é intersexo e desde 2019 não compete nas distâncias de 400 m a 1.600 m porque a World Athletics instituiu uma política que exige que mulheres que têm altos níveis de testosterona tomem medicação para suprimir o hormônio se quiserem competir.

À agências internacionais, ela afirmou ter tomado a medicação por um período, mas parou, dizendo que isso “torturava” seu corpo. Ela contou ter ficado nauseada, deprimida e mentalmente exausta, além de ter dificuldades para dormir e testar ataques de pânico.

Professor de ginecologista da UFRJ (Universidade Federalista do Rio de Janeiro), Raphael Câmara esclarece que várias anomalias, porquê tumores malignos ou benignos, podem interferir na dosagem de testosterona na mulher. Por isso, ele afirma, não há o que fazer nesses casos. Tomar remédio seria uma possibilidade, mas é prejudicial à saúde.

“Porquê ela não é transgênero, qualquer remédio para diminuir os hormônios pode provocar malefícios para o corpo”, alerta Câmara, explicando, porém, que essas atletas possuem um lucro procedente de potência em relação às concorrentes.

“É difícil opinar sem saber os detalhes do caso, sem ver o prontuário da desportista, mas não há incerteza que tem um doping procedente grande. Ela não tem culpa, mas isso provoca vantagem que as outras não têm, e em esportes de contato e de luta colocam em risco as outras atletas”, afirma.

A professora Kátia Rubio acredita que essa discussão sobre testes de gênero ainda vai se estender por mais tempo devido ao aumento do número de pessoas que se identificam fora do binarismo.

“O COI tem sido dúbio nas decisões. Para não se envolver, foi delegar às federações internacionais a decisão sobre o que se aceita porquê varão ou mulher. No caso do boxe é mais complicado porque a IBA está sob mediação. O COI tinha de tomar uma decisão, mas ele escapa por esse argumento de ordem pátrio”, diz a professora, explicando que outro fator para essa polêmica é a falta de conhecimento das pessoas. “Estão confundindo atletas trans com intersexo, e tem muita gente falando bobagem.”

A boxeadora irlandesa Amy Broadhurst, que enfrentou e venceu Khelif no Mundial de 2022, comentou o tema nas redes sociais e defendeu a argelina.

“Muitas pessoas estão me mandando mensagens sobre Imane Khelif”, disse ela. “Pessoalmente, não acho que ela tenha feito zero para ‘trapacear’. Acho que é a forma porquê ela nasceu e isso está fora do controle dela. O traje de que ela já foi derrotada por nove mulheres antes diz tudo”, disse a irlandesa, ao lado de um vídeo do combate entre elas.

Mesmo com a polêmica, Imane Khelif continua nos Jogos de Paris e enfrenta a húngara Anna Luca Hamori neste sábado (3), pelas quartas de final. Se vencer, já terá uma medalha assegurada.

Nascida em Tiaret (ARG) em 2 de maio de 1999, Khelif compete desde 2018. Em 2022, ela venceu os campeonatos Africano e Mediterrâneo e chegou à final do Mundial em Istambul (TUR), perdendo para Broadhurst.

Folha

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