Onde Estão Os Outros Mantos Tupinambás Pelo Mundo: 'É Uma

Onde estão os outros mantos tupinambás pelo mundo: ‘É uma busca por tesouros desaparecidos’ – 24/07/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em uma operação logística sigilosa, o Museu Vernáculo no Rio de Janeiro recebeu em 4 de julho um véu tupinambá para incorporar ao seu montão, que está em reconstrução desde incêndio de 2018.

O véu, uma peça de tapume de 1,20 metro de profundidade por 80 centímetros de largura, é considerado uma entidade sagrada pelos indígenas tupinambás.

Confeccionado, em sua maioria, com penas de guarás, mas também com plumas de papagaios, araras-azuis e amarelas, a peça foi doada pelo Museu Vernáculo da Dinamarca, que detém, desde 1689, ainda mais quatro peças porquê essa.

Embora existam, registrados, 11 mantos porquê oriente espalhados pelo mundo, essa é a primeira vez que a peça fará segmento do montão de um museu brasiliano.

De pacto com a pesquisadora Amy Buono, professora de História da Arte da Universidade de Chapman, nos Estados Unidos, além da peça que agora está sob posse do Brasil, todas as demais estão na Europa:

  • Copenhague, no Museu Vernáculo da Dinamarca: 4 mantos;
  • Florença (Itália), no Museu de História Proveniente de Florença: 2 mantos;
  • Basileia (Suíça), no Museu das Culturas: 1 véu;
  • Bruxelas (Bélgica), no Museu Real de Arte e História: 1 véu;
  • Paris (França), no Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas: 1 véu;
  • Milão (Itália), na Livraria Ambrosiana: 1 véu.

Buono realizou uma pesquisa sobre esses mantos. Ela explica que Berlim também já teve uma peça, emprestada do Museu de Etnologia de Dresden.

“Mas ele foi destruído em bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial”, afirma a professora à BBC News Brasil.

“O montão de Dresden, na verdade, ainda tem quatro artefatos de guerra de origem tupi e, provavelmente, tinha uma grande coleção de materiais do Brasil antes da guerra.”

As negociações para a reembolso do véu ao Brasil foram longas e delicadas.

“Em 2022, recebi um pedido do Museu Vernáculo para que escrevesse uma missiva solicitando o véu ao Museu da Dinamarca”, conta Glicéria Tupinambá, artista, professora e liderança indígena.

Ela conta que, em um primeiro momento, negou o pedido para trazer de volta o que os indígenas consideram um antepassado. “[Chamar de] Objeto reduz muito o que significa”, afirma ela.

Mas depois, acabou cedendo, depois fazer uma consulta aos “encantados”, entidades consideradas superiores pelos indígenas tupinambás. A mensagem que recebeu foi de que deveria atender ao pedido.

“Os encantados disseram: voltará o véu que se manifestar, que queira voltar”, conta Glicéria.

Para isso, ela precisaria realizar a escuta de todos os cinco mantos que estavam sob posse do museu dinamarquês. “Aquele que estivesse pronto para voltar, voltaria.”

Assim, em setembro de 2022, Glicéria foi até Copenhague ao encontro dos mantos. “Foram três dias de escuta”, contou ela.

“Escutei todos os cinco, mas só esse se manifestou. Os outros não se manifestaram. Mas eles estão sendo muito cuidados e muito tratados lá.”

De volta ao Brasil, ela escreveu a missiva, o cacique Babau Tupinambá a assinou, ela foi traduzida e enviada ao Museu da Dinamarca, que acatou o pedido.

Deu-se início portanto às tratativas para o retorno da peça. Para isso, foi criado em 2023 um Grupo de Trabalho de Restituição de Artefatos Indígenas.

De pacto com o Ministério dos Povos Indígenas, o grupo foi criado inicialmente para tratar do retorno do véu tupinambá.

“Isso deu ensejo a um debate mais vasto sobre a restituição de outros artefatos, documentos, peças e objetos que estão fora do Brasil por terem sido levados durante a colonização”, afirmou a pasta, por meio de nota.

Nessa esteira, o Brasil recebeu, um dia antes da chegada do véu, 598 artefatos de 40 povos indígenas brasileiros que estavam no Museu de História Proveniente de Lille, na França.

À BBC News Brasil, o Museu da Dinamarca afirmou que não há negociações em curso para o envio dos outros mantos.

De pacto com as regras estabelecidas pela Organização das Nações Unidas e seu braço devotado ao patrimônio histórico, a Unesco, o país reivindicante deve arcar com as despesas da restituição.

No entanto, questionado sobre os custos da logística, o Museu Vernáculo afirmou à BBC News Brasil que o transporte do véu até suas dependências “foi generosamente custeado pelo Museu Vernáculo da Dinamarca”.

Tesouros desaparecidos

Glicéria afirma que, durante as negociações, ficou acordado que, logo que o véu chegasse, os indígenas teriam contato com ele.

“De pacto com o que combinamos, era para a gente ter feito esse protecção inopino”, afirma ela.

No entanto, 20 dias se passaram desde que a peça chegou ao Brasil e, até o momento, ela ainda não foi apresentada à comunidade.

“Neste momento, o véu se encontra em câmara anóxica [com baixa oxigenação] e ficará pelos próximos 30 dias para sua proteção”, afirmou o Museu Vernáculo, por meio de nota, no último dia 19.

O museu brasiliano também afirmou que, depois a adoção de todos os procedimentos necessários para a conservação da peça, ela será apresentada publicamente.

“Nesse momento, pedimos a compreensão de todos, pois queremos organizar a apresentação do véu com todo desvelo e reverência aos saberes dos povos indígenas, com quem estamos trabalhando em simetria e contato direto, através do Ministério dos Povos Indígenas”, disse a instituição.

“Nosso diretor, Alexander Kellner, deixa evidente que sempre foi facultada aos indígenas a possibilidade de realizar os seus ritos religiosos antes da apresentação pública do véu.”

Ainda não há, até o momento, uma data marcada para a apresentação do véu para os indígenas.

“Estou tendo dificuldade para acessar a peça da qual eu fiz a missiva para que voltasse”, protesta Glicéria.

Ela também diz que não foi oferecida a eles ainda a possibilidade de protecção do véu, porquê eles reivindicam dentro do Grupo de Trabalho desde o início.

O Ministério dos Povos Indígenas afirmou que está articulando a realização de uma cerimônia com previsão para o termo de agosto, junto ao povo tupinambá e em parceria com o Museu Vernáculo.

“Trata-se de um evento solene a ser realizado no próprio museu, localizado no Rio de Janeiro, que contará com a participação dos tupinambá e de representantes dos demais povos indígenas do país. As datas estão em temporada de definição junto aos envolvidos”, disse a instituição.

O processo de reconhecimento da tradição do véu começou depois a Mostra do Redescobrimento: Brasil + 500, ocorrida em São Paulo no ano 2000.

Na ocasião, dois anciões tupinambás viram o véu exposto no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). Anos mais tarde, Glicéria começou, ela mesma, a costurar um véu.

Nesse período, Glicéria também viajou para todos os museus que possuem um véu em seu montão. “Já vi todos eles”, diz ela.

“Agora, estou curiosa para saber sobre os que não estão à vista em museus”. Para ela, é verosímil que existam outros mantos pelo mundo, em acervos pessoais ou guardados.

“Baús de madeira conservam muito muito essas peças”, aponta ela, porquê uma verosímil dica. “É uma procura por tesouros desaparecidos.”

Terras ainda não homologadas

Os tupinambás foram um dos primeiros povos indígenas com quem os portugueses fizeram contato ao chegar ao Brasil.

Seu território, que fica no sul da Bahia, até hoje não teve os processos de demarcação e homologação finalizados.

Eles foram reconhecidos oficialmente porquê um povo indígena em 2001 pela Instauração Vernáculo dos Povos Indígenas (Funai), e o processo de reconhecimento e demarcação de suas terras teve início em 2009.

Desde portanto, eles aguardam curso no processo, que consiste em cinco etapas: estudo de identificação da Terreno Indígena (TI), enunciação, demarcação física, homologação e, por termo, registro junto à Secretaria do Patrimônio da União e nos cartórios de registros de imóveis.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSO) é o órgão responsável pelo reconhecimento e demarcação das terras indígenas. A pasta afirmou, por meio de nota, que os procedimentos declaratórios da TI Tupinambá estão em temporada de estudo técnica.

“Sucessivas” mudanças no marco jurídico da enunciação de terras indígenas, porquê o marco temporal, diz a nota, “afetaram, sobretudo, os procedimentos em temporada de enunciação, considerando que se trata da temporada em que ocorre a estudo de valor do processo”.

Ainda de pacto com o MJSP, existem atualmente mais de 30 procedimentos que estão sendo “progressivamente” analisados pelo órgão. A pasta afirma também que “o acúmulo de procedimentos demarcatórios representa um passivo de governos anteriores”.

Atualmente, vivem 4,6 milénio indígenas na TI Tupinambá de Olivença, de pacto com a Secretaria Peculiar de Saúde Indígena.

Para Glicéria, a doação do véu ocorre em um momento crucial para os povos indígenas.

“Temos um museu devolvendo uma peça através do pedido de um povo que não tem terreno demarcada”, diz ela, sobre a situação.

“Neste momento de marco temporal, o véu vem para expressar o quanto pertencemos a esse território”, diz Glicéria.

Ela se refere à discussão sobre a tese de que os indígenas só podem reivindicar uma terreno se já estivessem nela na data da promulgação da Constituição de 1988.

A tese do marco temporal foi aprovada na Câmara dos Deputados, vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e derrubada no Supremo Tribunal Federalista (STF).

Mas voltou à discussão no Senado enquanto audiências de conciliação foram marcadas pelo Supremo para tentar resolver o impasse.

“Não é só trazer o véu ou coletar os artefatos nos museus”, diz Glicéria.

“Reconheça os direitos dos povos indígenas dentro do seu próprio território. Demarque as terras.”

Levante texto foi originalmente publicado cá.

Folha

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