Onde Houver Crise Haverá Fake News E Propaganda Suja

Onde houver crise haverá fake news e propaganda suja – 14/05/2024 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Muitos estão surpresos e indignados com a novidade inundação de fake news que se seguiu à tragédia decorrente das chuvas no Rio Grande do Sul. Têm razão na sua indignação, mas não deveriam estar surpresos. O “novo normal”, uma vez que se diz por aí, é ubi crisis, ibi fake news.

O latim é de galhofa, mas expressa um indumentária verdadeiro: onde houver crise —situações em que surgem grandes incertezas e angústias quanto ao presente e ao horizonte geral do país e das pessoas— vai possuir fake news.

Vemos esse jogo sendo jogado no Brasil desde 2018. Se a crise for política, fake news aparecerão para aumentar o sentimento de incerteza, franzir os ânimos e recrutar militantes e eleitores pelo pavor e pelo ódio. Se for de saúde pública, fake news surgirão uma vez que uma infecção oportunista em um corpo social já debilitado a término de disseminar mais confusão, aperto e pavor, convenientemente aproveitados para fins políticos.

Por que diante de uma tragédia originário não teríamos também uma vaga de disseminação de falsas informações a explorar as angústias, as desconfianças e a polarização já instaladas e faturar politicamente com isso?

As facções políticas estão nesses dias empenhadas em vender a teoria de que Lula ou Eduardo Leite são culpados pela crise ou não estão interessados em minorar os seus efeitos. Ou que a população social gaúcha está ao deus-dará, contando somente com as próprias forças na exiguidade do Estado e suas instituições. Ou ainda que as doações de voluntários não chegam ao sorte por inépcia ou má-fé das autoridades. O contexto é a única novidade cá, a atitude e o roteiro são muito conhecidos.

Essa simbiose entre informação maliciosa e crises já tinha sido fartamente documentada desde quando a primeira ainda não se chamava fake news e atendia pelo prosaico nome de boataria. Não é à toa que os primeiros estudos de psicologia e sociologia do boato são de 1935, no contexto de um terremoto na Índia; a segunda leva de estudos, que tornou a boataria um objeto acadêmico relevante, aconteceu durante a 2ª Guerra Mundial.

Confusão, incerteza e anfibologia, dizem os especialistas, são a exigência necessária para que boatos possam prosperar socialmente; mas uma vez que a boataria se alimenta delas, trabalham para que se mantenham constantes e perdurem.

Fake news são os boatos da era do dedo. São, portanto, mensagens com alcance, velocidade de disseminação e capilaridade nunca vistos. Mas são também um recurso importante para esta forma de propaganda que está mais poderoso do que nunca: a propaganda suja.

Trata-se de um tipo de notícia estratégica, do dedo e inescrupulosa, cuja meta é encaminhar a opinião, formar e orientar os humores e sentimentos da sociedade, influenciar atitudes e comportamento. São o pão de cada dia de forças políticas radicais, desestabilizadoras, altamente empenhadas em se impor rapidamente no sistema político.

E que não se importam de manipular a opinião pública ou educar os que os seguem com mentiras, parcialidades, distorções e meias-verdades. Tudo pode ser usado, até a verdade, desde que atenda aos propósitos da propaganda: erigir um oponente, mobilizar o ódio contra ele, produzir uma identidade de grupo por contraste ao inimigo, perverter e promover a secessão do opositor.

Fake news, teorias da conspiração, opinião política enviesada, informações de fontes partidárias e até reportagens produzidas pelo jornalismo de qualidade, tudo serve às necessidades da guerrilha de notícia do dedo em que se disputa a meio das massas em períodos de crises sociais, morais e políticas. Esses boatos, com diferentes níveis de falsificação e fraude, são amalgamados com relatos plausíveis para preencher as necessidades que grupos políticos têm de levar as pessoas a pensar, imaginar, temer e crer em determinadas coisas.

Por isso é tão complicado quando se espera restaurar uma notícia justa e íntegra isolando as falsificações do conjunto da notícia política, ou simplesmente mandando-se a polícia contra fake news. Não sou contra minimizar danos ou punir grandes falsários e traficantes de falsa informação, mas é realista permitir que, por mais pesado que seja o braço da Justiça e mais efetiva que seja a refutação das falsas notícias, isso não tem impedido que a propaganda do dedo inescrupulosa prospere e que novas ondas de fake news surjam na próxima crise.

Talvez fake news e a guerrilha de informação sejam uma exigência inevitável nas novas sociedades digitais. Não é sorte ou determinismo, mas é importante manter esperanças ajustadas à veras.


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Folha

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