Ópera Leva Moradores De Congonhas A Visitarem A Própria História

Ópera leva moradores de Congonhas a visitarem a própria história

Brasil

Os banquinhos de plástico transformaram-se em poltronas para ver à novidade. Não era um teatro, e o vento soprava na terreiro em que Maria Conceição Fabri, de 73 anos, trabalha todos os dias vendendo chuva de coco.

Diante do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, na histórica Congonhas (MG), a 80 quilômetros de Belo Horizonte, Conceição ficou encantada ao ver a um espetáculo de ópera pela primeira vez na vida.

O espetáculo Devoção encenava, ao ar livre, na noite do último sábado (13), a saga do português Feliciano Mendes que, em pagamento a uma promessa, construiu a igreja com a venda de ouro e doações que conseguiu na cidade.

Congonhas (SP), 13.07.2024 - Maria da Conceição Fabri e Maria Cristina Assis. Ópera Devoção. Foto: Luiz Claudio Ferreira/Agência Brasil
Congonhas (SP), 13.07.2024 - Maria da Conceição Fabri e Maria Cristina Assis. Ópera Devoção. Foto: Luiz Claudio Ferreira/Agência Brasil

Maria Conceição e Maria Cristina aproveitaram a terreiro enxurrada para conferir a Ópera Devoção e vender quitutes na terreiro – Luiz Claudio Ferreira/Filial B

Em cena, nessa pré-estreia, os artistas contracenavam com os 12 profetas esculpidos em pedra sabão por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, no lugar que é patrimônio cultural da humanidade. Emocionada com o espetáculo, Conceição não descuidava do seu ouro de todo dia: “oi família! Bora comprar chuva de coco?”.  

“A gente sabe a história daqui da igreja, e do Feliciano Mendes, mas desse jeito fica até mais bonito”, diz a tratante, que já foi doméstica, cozinheira e se aposentou.

Ao lado dela, a aposentada Maria Cristina Assis, de 77, também ficou emocionada porque se lembrou da própria história, ao remunerar promessas para ter saúde. Ouviu do tenor: “foi uma longa jornada…” e reagiu: “foi mesmo. A minha jornada, também”. “Que vozeirão o dele. Essas luzes ficam tão muito! Porquê ele lembra dessa música tão longa? É a nossa história”.

Coro

Maria Cristina sonhou em ser professora, mas precisou parar o curso de magistério. Precisava cuidar da família. “Tive 21 filhos, mas perdi oito. Já paguei promessa para melhorar de saúde. Casei novidade, mas nunca fui feliz no tálamo. Nunca tive tempo de sonhar zero”.

Ela não teve “qualquer ouro” para remunerar a promessa, vive da aposentadoria por invalidez e reza todos os dias no santuário que era o cenário da ópera. “Vivo com uma filha que é mãe solteira e penso uma vez que ajudar 12 netos e seis bisnetos. Tenho vários problemas de saúde e sempre recorro ao Bom Jesus”.

Ela lembra que a mãe dela também orava por saúde. “O que nós temos para doar é a fé. A única coisa que a gente tinha era minhas roupas”.

A aposentada Maria Cristina recorre ao Bom Jesus uma vez que um dia pediu socorro o português Feliciano Mendes, nascido em 1726, tema da ópera que os congonhenses assistiram no último sábado.

Segundo a biografia publicada pelo repórter e pesquisador mineiro Domingos da Costa, o varão tinha formação de pedreiro e era fruto de família humilde no povoado de Santa Maria de Gêmeos, no setentrião português.

Ao ter conhecimento do ouro que havia do outro lado do Atlântico, o rapaz conseguiu chegar ao Rio de Janeiro e depois em Minas Gerais. “A atividade no mina deixou ele gravemente enfermo. Foi quando resolveu fazer a promessa ao Bom Jesus de Matosinhos de erigir a igreja”, disse o repórter à Filial Brasil.

Congonhas (SP), 13.07.2024 - Ópera Devoção. Foto: Márcia Charnizon/Divulgação
Congonhas (SP), 13.07.2024 - Ópera Devoção. Foto: Márcia Charnizon/Divulgação

Ópera Devoção, no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos – Márcia Charnizon/Divulgação

Primeiro ato

A obra de Domingos da Costa, Congonhas: da fé de Feliciano à genialidade de Aleijadinho, inspirou os autores da ópera, uma vez que o músico André Cardoso, que assina o libreto (texto explicativo do espetáculo). Para ele, a ópera deve ser popularizada e encenada a todos os públicos.

“Não deve ter estigmas em relação à ópera. Sempre que ensejo ao povo, há encenações lotadas. Oferecer ópera à população é uma escolha que se faz. É uma honra racontar a história deles para a cidade, uma história de sacrifícios em prol da devoção”.

Cardoso explica que, junto a personagens reais, a encenação também criou personagens fictícios para facilitar a dramaturgia e preencher as lacunas.

O compositor do espetáculo, João Guilherme Ripper, salienta que a teoria não era fazer um documentário sobre Feliciano, mas encenar uma ficção histórica. “Não é a devoção unicamente cristã, mas a devoção mineira no seu sentido mais grande e sincrético”. 

Inclusive, há uma variação de ritmos ao final do espetáculo com o uso de tambores. Ripper explica que seu método de formação inclui imaginar as cenas na hora em que são escritas. Assim, pensou que seria um espetáculo que seria montado ao ar livre e também no teatro.

Para o diretor músico Ronaldo Zero a música é capaz de impressionar em todos os lugares. “É uma história muito abrangente, que fala dessa devoção desse varão sonhador, que enfrentou dificuldades. A música é alcançável e tem que estar em todos os lugares”, afirmou.

Congonhas (SP), 13.07.2024 - Ópera Devoção. Foto: Márcia Charnizon/Divulgação
Congonhas (SP), 13.07.2024 - Ópera Devoção. Foto: Márcia Charnizon/Divulgação

Ópera Devoção encenada ao ar livre em Congonhas – Márcia Charnizon/Divulgação

O espetáculo vai ser encenado, nesta semana, em envolvente fechado no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, de 19 a 23 de julho. Mas a ingressão, nesse cenário, não será gratuita. Os ingressos custam a partir de R$ 30. No espetáculo, estão envolvidos aproximadamente 200 artistas e 400 técnicos, além de movimentar 230 figurinos e 500 adereços.

Além da ópera, para quem quer saber mais sobre a história de Feliciano Mendes e não tiver aproximação ao espetáculo, pode visitar o Museu de Congonhas, que foi inaugurado há nove anos. O diretor do lugar, Sérgio Reis, entende que o maior duelo com o espaço cultural é prometer a multiplicação das informações sobre a cidade.

“Das mais velhas às mais novas, as pessoas passam a ter orgulho do lugar em que vivem e ficam interessadas em preservar e se manter na cidade”.  

Segundo Ato

O santuário tem levado as crianças da região a saber mais sobre a história do lugar e também sobre Aleijadinho que, no prelúdios do  século 19, esculpiu em pedra sabão os 12 profetas que estão na frente da igreja. Feliciano Mendes havia morrido quatro décadas antes.

A história de Feliciano Mendes era pouco conhecida, inclusive entre a população de Congonhas – tapume de 52 milénio habitantes. “Ele adoeceu, fez a promessa e obteve a trato. Ele fixou a cruz no basta do Morro do Maranhão, no ano de 1757”, afirma o biógrafo Domingos da Costa. 

Ele explica que a igreja demorou um século para permanecer na forma uma vez que está hoje. Nem Feliciano nem Aleijadinho viram o santuário pronto. “Quando Feliciano faleceu, em 1765, faltava erigir as duas torres”.

Toda essa história impressionou a maestrina do espetáculo, Ligia Amadio. “É muito dissemelhante fazer [encenar] em envolvente fechado. Mas achei muito emocionante encenar no lugar em que os fatos ocorreram”.

O secretário de Cultura de Minas Gerais, Leônidas Oliveira, conta que a montagem custou R$ 3 milhões e que pretende levar o espetáculo inclusive para Portugal. Por reunir música, teatro e dança, a ópera é uma das manifestações mais completas.  “A próxima que queremos fazer será sobre o sertão mineiro”.

Vozes

A dupla de protagonistas, o tenor mineiro Matheus Pompeu, que interpreta Feliciano Mendes, e a soprano portuguesa Carla Caramujo, que faz Mercês, uma esposa criada para a ficção, estavam emocionados. “Muito bom voltar para racontar a nossa história”, disse o artista. “Eu fiquei tocada porque fala sobre um compatriota e seus sonhos”, disse a cantora.  

Congonhas (SP), 13.07.2024 - Lúcia dos Santos. Ópera Devoção. Foto: Luiz Claudio Ferreira/Agência Brasil
Congonhas (SP), 13.07.2024 - Lúcia dos Santos. Ópera Devoção. Foto: Luiz Claudio Ferreira/Agência Brasil

Lúcia dos Santos se emocionou com a encenação – Luiz Claudio Ferreira/Filial B

O vozeirão de ambos tocou fundo a plateia, inclusive a tratante Lúcia dos Santos, de 66 anos, que vendia broa de milho e o cubu, uma iguaria típica da região feita com fubá. Enquanto atraía os clientes, batia palmas a cada cena completa. “Eles não vão me ouvir daqui, mas fiquei feliz”.

Os pais dela também foram para Congonhas para trabalhar nas empresas de minério. “Foi um pouco uma vez que a história do Feliciano Mendes”. Ela, que já trabalhou uma vez que cuidadora, hoje está devotada à culinárias, ou às quitandas, uma vez que prefere proferir. “Quando as pessoas conhecem nosso lugar ficam mais interessadas em cuidar e nos visitar, né? Não vou me olvidar o dia que vi uma ópera”.

Serviço

Ópera Devoção, em Belo Horizonte
Data: 19 a 23 de julho, às 20h
Lugar: Grande Teatro Cemig Palácio das Artes
Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia) Informações cá

*Repórter viajou a invitação da Instauração Clóvis Salso

Fonte EBC

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *