Garantem os etimólogos que a termo orquestra vem do helênico orkhéstra e na língua portuguesa foi usada pela primeira vez no século 18. Muito antes, na Grécia antiga, o vocábulo nomeava o espaço em frente ao palco, onde havia instrumentistas e coristas e bailarinos dançavam. Desde o origem da cultura ocidental, portanto, as orquestras corporificam a música na dança.
Esse enlace helênico renasce toda vez que os 13 músicos da Orquestra Pizindim, de Brasília, sobem aos palcos para reviver os arranjos musicais elaborados por Alfredo da Rocha Vianna Fruto, o Pixinguinha (1897-1973). Os músicos tocam, os ouvidos escutam, o coração sente e o corpo quer dançar as 25 canções do repertório formado por composições autorais e arranjos originais de Pixinguinha para sambas, choros e maxixes.
A orquestra faz releitura de clássicos, composições menos conhecidas e até de canções nunca gravadas, com a participação de cantores da cidade. “A proposta é renovar e atualizar os arranjos geniais de Pixinguinha e a formação quase extinta de orquestra de pranto dos anos [19]50 a partir da introdução de composições autorais e também da realização deste repertório por músicos da novidade geração”, diz o saxofonista Bruno Patrício, diretor músico da Orquestra Pizindim, no portifólio da orquestra.
Bruno Patrício conheceu os arranjos de Pixinguinha no site do Instituto Moreira Salles, que detém o montão do músico, inclusive partituras originais em edições digitalizadas de músicas gravadas para os discos Carnaval Da Velha Guarda (1955) e Assim É que É (1957), com arranjos de Pixinguinha, e que fazem secção das apresentações de Orquestra Pizindim – iniciadas em 23 de abril do ano pretérito, Dia Pátrio do Pranto e natalício de Pixinguinha.
A veia de arranjador de Pixinguinha é tão fundamental para a música brasileira quanto as suas canções Carinhoso, Rosa, Lamentos e Um a Zero, assegura Bruno Patrício. “O Pixinguinha é muito publicado porquê flautista, saxofonista e compositor, mas esse lado de arranjador, tão genial quanto todas as outras coisas que ele fez, é pouco publicado”, complementa o diretor músico em entrevista à Escritório Brasil.
“Essa história é pouco falada e pouco absorvida pelos músicos”, concorda Fernando César, renomado violonista da cena brasiliense e docente da Escola Brasileira de Pranto Raphael Rabello. “O trabalho de arranjador de Pixinguinha foi muito importante para a música popular brasileira.”
Segundo o músico e professor, Pixinguinha em seus arranjos levou para as partituras “a música de rua, a música do carnaval, a música da sala de concerto e a música orquestrada.”
Experiência dissemelhante
Ver e ouvir a Orquestra Pizindim possibilita saber a orquestração de pranto, geralmente executado por regionais – grupos musicais menores e com menos instrumentos porquê violão, bandolim, cavaquinho, pandeiro e flauta.
A experiência reaviva a memória de André Lindolpho, um dos músicos mais tarimbados da Orquestra Pizindim. Ele era juvenil e estudante de música e, no termo dos anos 1960, costumava passar na Rua da Câmara, no meio do Rio de Janeiro, para ver Pixinguinha e outros artistas que se reuniam semanalmente em um restaurante no lugar.
“Músicos veteranos, pessoas já renomadas, tanto de televisão porquê da rádio, ficavam por ali. Eu ouvia conselhos porquê: ‘sempre vá pela cabeça dos mais antigos. Pergunte a eles quando tiver dúvidas’. Tudo isso serviu de aprendizagem”, lembra.
Nessas ocasiões, André Lindolpho via de perto Pixinguinha, mas nunca o abordou. Ele garante que Pixinguinha “era humilde, simpático, mas na dele” e “geralmente conversava com os músicos com quem tocava. Àquela fundura, Pixinguinha tocava saxofone e André Lindolpho já tocava tuba. Tímido quando menino, ele nunca encontrou tópico para abordar o músico consagrado.
Na orquestra Pizindim, André Lindolpho toca um instrumento da família das tubas: o sousafone, patenteado na segunda metade do século 19 nos Estados Unidos pelo compositor de John Philip Sousa, de família de origem portuguesa.
A peça feita em acrílico branco pesa tapume de dez quilos, cinco a menos do que a tuba tradicional de metal. Conforme André Lindolpho, o sousafone faz o papel do contrabaixo na orquestra. “Se fosse um time de futebol, seria o goleiro. Não pode vacilar, pois compromete o grupo.” Na mesma semelhança, o papel do arranjador exercido por Pixinguinha é porquê de técnico de futebol que faz um esquema tático para “repartir as vozes dos instrumentos.”
O diretor músico Bruno Patrício toca sax tenor na Orquestra Pizindim. A função pode ser comparada com a do volante, o meio campista que defende mas leva a globo ao ataque, “costurando a simetria, dando os caminhos harmônicos.”
Para explicar o papel do arranjador de Pixinguinha para o repórter leigo, Bruno Patrício prefere falar em “paleta de cores”, que os pintores utilizam para combinar tintas enquanto pintam. “Ele vai colorindo aquilo ali aos poucos. Cada naipe de instrumentos tem o seu momento dentro da música. Uma hora ele está acompanhando alguém, mas daqui a pouco ele vira o protagonista. Aí ele desce de cena e vem outro. É tudo muito muito construído, muito lindo.”
Paradigma músico
O pesquisador músico Jairo Severiano (1927-1922), em seu livro Uma História da Música Popular Brasileira, afirma que Pixinguinha, junto com Radamés Gnattali, definiu “os padrões básicos de conserto para a música popular brasileira, servindo seus trabalhos de paradigmas para os músicos nacionais que pontificaram nas décadas de 1930 e 1940. Pixinguinha mais chegado aos metais; Radamés, às cordas.”
“Ele [Pixinguinha] aplicou à arte do conserto a experiência que ganhou na escola do pranto, resultando seu trabalho em orquestrações impregnadas de sabor brasílio, que os arranjadores da era – vários deles estrangeiros cá radicados – não podiam oferecer”, opina o pesquisador no livro.
O jornalista Sérgio Cabral, responsável de Pixinguinha: Vida e Obra, assinala que “Pixinguinha abrasileirou as orquestras de forma tão nítida e radical que se pode manifestar, sem qualquer pânico de errar, que foi ele o grande pioneiro da orquestração para a música popular brasileira. A cantiga carnavalesca deve a ele uma boa parcela do seu triunfo, ao ortografar arranjos com destacada participação da orquestra criando introduções que ficaram famosas (…) e encontrando soluções inventivas para as músicas mais simples, ao utilizar muito muito a percussão e ao variar a base de modulações.”
Em seus livros, Severiano e Cabral tratam da trajetória de Pixinguinha em diferentes orquestras. Os autores destacam a passagem do músico pela Orquestra Victor Brasileira entre julho de 1929 a dezembro de 1940. A orquestra pertencia à gravadora Victor Talkin Machine Company, subsidiária da Radio Corporation of America (RCA), que mais tarde se chamaria de RCA Victor.
Naquele período de 11 anos na RCA Victor, Pixinguinha organizou três orquestras. Além da Orquestra Victor Brasileira, que gravou tapume de 200 discos (geralmente de duas faixas em 38 rpm) com canções mais lentas (samba-canção); havia o Grupo Guarda Velha que participou de 50 discos com choros, marchas e sambas de carnaval; e a orquestra Diabos do Firmamento que tocou músicas carnavalescas em 240 discos.
O contrato com a RCA Victor, assinado quando Pixinguinha tinha 32 anos, permitia uma certa onipresença do músico. A gravadora tinha exclusividade das orquestras, “mas Pixinguinha tinha liberdade para atuar porquê instrumentista e arranjador em outros lugares porquê as emissoras de rádio Transmissora, Mayrink Veiga, Pátrio e Tupi; em dancings da cidade do Rio de Janeiro, na Guarda Municipal, e até em outras orquestras e conjuntos porquê grupos musicais das gravadoras Columbia e Odeon.
Neste sábado (23), a Orquestra Pinzindim se reúne pela nona vez para tocar músicas com arranjos de Pixinguinha. O espetáculo, com a participação da cantora Ana Reis e do cantor Breno Alves será na Mundo Vivo Galeria (413 Setentrião), a partir das 20h.