Os bastidores da campanha de 'o agente secreto' em cannes

Os bastidores da campanha de ‘O Agente Secreto’ em Cannes – 24/05/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Neste sábado (24/5), “O Agente Secreto”, novo longa do pernambucano Kleber Mendonça Fruto, concorre à Palma de Ouro, principal prêmio do Festival de Cannes, na França.

Mesmo que não ligeiro o troféu da competição solene, o filme já alcançou grandes marcas no festival. Na sessão de estreia, em 18 de maio, foi ovacionado com mais de dez minutos de aplausos.

O longa também saiu do evento com dois acordos de distribuição fechados. A Neon, que lançou “Sevandija” e “Anatomia de uma Queda”, agora responde pela distribuição norte-americana deO Agente Secreto”. Já a Mubi, que distribuiu “Anora”, será responsável pela exibição no Reino Uno, Índia e América Latina, exceto o Brasil.

Mendonça Fruto já é um nome consolidado em Cannes. Seus três últimos longas —”Aquarius” (2016), “Bacurau” (2019) e “Retratos Fantasmas” (2023)— foram exibidos no festival. “Bacurau”, inclusive, venceu o Prêmio do Júri, terceira categoria mais importante da competição solene.

Ambientado em Recife em 1977, durante a ditadura militar brasileira, “O Agente Secreto” acompanha Marcelo, interpretado por Wagner Moura, um técnico em tecnologia que retorna a Recife depois anos fora em procura de sossego. Mas ele descobre que sua cidade natal esconde perigos e segredos inquietantes.

A recepção da sátira foi elogiosa. A Variety destacou a capacidade do diretor de “nos transportar de volta àquela era, com seu calor opressivo e paranoia”. O crítico da BBC, Nicholas Barber, classificou o filme porquê um “thriller político estiloso e vibrante” e um provável candidato ao Oscar.

A expectativa para o título em Cannes já se desenhava desde a montagem da obra, segundo Silvia Cruz, fundadora da Vitrine Filmes, que distribui os filmes do diretor no Brasil desde 2016.

“Desde o início, já pensávamos que esse seria o primeiro festival que iríamos tentar, tanto pelo histórico dos outros filmes do Kleber [no evento] quanto pelo cronograma de finalização, perfeito para estar pronto a tempo”, diz.

O festival exige que o filme seja inédito, ou seja, nunca tenha sido exibido em outros festivais internacionais ou na internet, para participar da competição pela Palma de Ouro.

“Cannes é uma vitrine poderosa. Entrar nesse festival certamente traz visibilidade. Estar em Cannes já impulsiona toda a curso do filme.”

Frevo na Croisette

Um dos momentos mais comentados do festival foi a passagem da Orquestra Popular do Recife e do grupo Guerreiros do Passo pelo tapete vermelho.

O vídeo do cortejo dos passistas com a comitiva brasileira, incluindo o ator Wagner Moura —protagonista do filme— arriscando passos de frevo, viralizou nas redes sociais.

A proposta de levar o frevo para a famosa avenida Croisette partiu da própria equipe de distribuição da Vitrine Filmes durante a montagem de “O Agente Secreto”.

“Um dia me veio essa teoria: ‘E se a gente fizesse um carnaval em Cannes?'”, conta Bernardo Lessa, gerente de lançamento da distribuidora.

“Já sabíamos que o Brasil seria o país homenageado do ano. Tínhamos algumas indicações favoráveis. Tentamos várias marcas, vários parceiros —recebemos muitos ‘nãos’. Mas não queríamos desistir, porque sabíamos que podia dar manifesto.”

O projecto ganhou forma com o patrocínio da Embratur, da Secretaria de Cultura de Pernambuco e da marca Sol de Janeiro.

“Ninguém da margem tinha passaporte. A confirmação do investimento veio pouco tempo antes, portanto tivemos que decorrer com tudo. Não era só trazer a margem, mas trazer a cultura: o bolo de rolo, a música, as sombrinhas de frevo. Foi toda uma produção. E o resultado foi muito maior do que a gente esperava”, diz Lessa.

“Cannes foi muito bom para o filme —a recepção foi magnífico. Ele já foi comprado pela Neon e pela Mubi. Isso é ótimo porque já dá para os produtores uma garantia de retorno financeiro e também de distribuição. Principalmente nos Estados Unidos, onde, quando falamos das maiores premiações, é muito importante ter um distribuidor americano”, explica.

Mediação no tapete vermelho não é novidade, inclusive para promover mensagens políticas. O próprio Kleber Mendonça Fruto, no lançamento de “Aquarius”, utilizou o espaço privilegiado de Cannes para reclamar contra o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

O marketing do dedo é uma instrumento usada para ampliar a distribuição do filme, diz a jornalista Ana Paula Sousa, pesquisadora e colunista especializada em cultura.

“A partir do momento em que o filme leva o frevo para o tapete vermelho, aumenta a chance de transpor material num veículo de outro país falando sobre isso. Eventualmente, o distribuidor de outro país vai ter interesse no filme”, afirma.

“Vivemos a era das redes sociais. E acho que o Kleber, embora seja um cineasta ligado ao que se costuma invocar de ‘cinema de responsável’, já mostrou há muito tempo que sabe mourejar muito muito com as redes.”

A estratégia, segundo Sousa, ainda aguça a curiosidade do público que, mesmo antes do lançamento do primeiro trailer, já começa a falar sobre a produção.

“Um filme é feito para ser visto por diferentes públicos —mas sempre para ser visto. Ele tem que mobilizar a atenção do público”, diz.

Ela lembra que a campanha de sucesso de “Ainda Estou Cá”, que ganhou o Oscar de Melhor Filme Internacional e levou quase 6 milhões de brasileiros aos cinemas, começou no Festival de Veneza.

“É oriundo que o filme do Kleber tente também se aproveitar desse bom momento do cinema brasílico”, afirma a pesquisadora.

“Não é que essa estratégia cria coisas que não existem, mas se aproveita de elementos reais para aumentar a visibilidade em torno do filme e despertar interesse.”

por que cannes importa?

Ana Paula Sousa afirma que a seleção para a Palma de Ouro é uma “conquista comparável a uma final olímpica”.

A visibilidade conquistada em Cannes costuma se transcrever em novas oportunidades para filmes produzidos fora dos cinco maiores estúdios de cinema —Universal, Paramount, Warner Bros., Disney e Sony.

“Não existe nenhum festival do mundo com tanta prensa. Nenhum tem um volume de matérias publicadas tão grande quanto o de Cannes”, diz.

Além do glamour, Cannes é mercado. O Marché du Film, evento de mercado do festival, é o maior polo de compra e venda de direitos cinematográficos do mundo.

“Cannes ainda é a principal vitrine de cinema para filmes não hollywoodianos. E isso vai além do cinema de arte”, explica.

“As franquias já têm uma distribuição garantida. Mas no mercado onde uma empresa produz e outra distribui, Cannes continua sendo uma Meca.”

Ela aponta que o prestígio internacional repercute também no mercado interno. “Pode parecer colonial precisar dessa validação externa, mas também é oriundo. As pessoas pensam: ‘Se está chamando a atenção de tanta gente, deve ser interessante’.”

Burburinho porquê estratégia

A distribuição é uma das etapas mais determinantes da prisão produtiva do audiovisual, afirma a pesquisadora Hadija Chalupe da Silva, professora de Cinema e Audiovisual da ESPM Rio e autora do livro “O Filme nas Telas – A Distribuição do Cinema Vernáculo”.

Em sua pesquisa, Silva propôs quatro modalidades principais de comercialização de filmes no Brasil: grande lançamento, lançamento médio, lançamento de nicho e filme para exportação. Apesar de se sobreporem, essas estratégias ajudam a entender porquê os filmes são posicionados no mercado.

“No protótipo do blockbuster, o filme é lançado em muitas salas simultaneamente para atrair o público logo no início, evitar a pirataria e restabelecer o investimento com rapidez”, afirma.

“Mas isso exige muito investimento. No Brasil, disputar de igual para igual com Hollywood é sempre um repto.”

Já o lançamento de nicho segue lógica oposta: aposta na “rabo longa”, com menos cópias e maior permanência em edital. O sucesso depende do boca a boca e da recepção inicial.

“A primeira semana é crucial. As salas comparam a ocupação com a média do ano anterior. Se o filme atinge ou ultrapassa essa média, continua em exibição”, detalha a pesquisadora.

Por isso, os festivais de cinema são cruciais: eles são prestígio e ampliam as possibilidades de circulação dos filmes brasileiros.

“Os festivais são espaços de invenção. Revelam novos realizadores e obras com potencial de impacto na cinematografia”, diz. “Dependendo de onde o filme é exibido, ele ganha chancela, ganha legitimidade.”

Para filmes porquê “O Agente Secreto”, o fragor em Cannes é mais uma estratégia. “Tem milhares de memes. E tudo isso são mídias espontâneas. Isso vai ajudando muito”, diz Silva. “É o boca a boca do dedo, o burburinho que precede a estreia e amplia o alcance.”

Com as redes sociais, a aposta é também no engajamento. “Hoje, essa conversa pode estrear muito antes. Vai se criando esse universo de curiosidade e de relação com o público antes mesmo do lançamento”, afirma a professora.

A estreia vernáculo de “O Agente Secreto está prevista para o segundo semestre de 2025. Depois de Cannes, a Vitrine Filmes quer fazer do longa seu maior lançamento desde a geração da empresa, em 2010.

“Queremos continuar fazendo coisas diferentes. Porque o protótipo de distribuição, principalmente para salas de cinema, mudou muito”, avalia Bernardo Lessa.

“O público tem todos os conteúdos do mundo na palma da mão. A gente tem que mudar as formas de convencê-lo a transpor de moradia.

Nascente texto foi publicado originalmente cá.

Folha

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