Com o argumento de que os satélites são uma tecnologia mais viável do que os cabos para levar internet à amazônia, o governo firmou nos últimos 18 meses 12 contratos sem licitação com a Starlink, um serviço da empresa aeroespacial SpaceX, de Elon Musk.
As rubricas indicam um gasto de pouco mais de R$ 1 milhão em contratos diretos de um ano, mostram pedidos de informação feitos pela Folha aos 37 ministérios. O valor pode ser maior, já que o Ministério da Saúde e a Aviação afirmaram que subcontratam serviço da Starlink por meio de outras operadoras, sem detalhar custos.
O satélite acaba sendo a opção de conexão nesses locais porque as operadoras Oi, Telefônica (Vivo), Simples e Antro não garantiram cabeamento de fibrilha óptica em todos os municípios até 2024, porquê previsto no quinto Projecto Universal de Metas de Universalização da Anatel (Sucursal Pátrio de Telecomunicações).
Dados da dependência mostram que 1.206 municípios não possuem infraestrutura de fibrilha óptica no país e outros 296 não têm nem sequer conexão via rádio —de pior qualidade. A região Setentrião tem a pior situação de conectividade.
Os outros ministérios negam ter contratos com a Starlink. Mas respostas do Ministério da Saúde e da Aviação à reportagem indicam que, nesses casos, há uma relação indireta com a empresa de Musk.
Em nota enviada à reportagem, a Saúde afirma que há distritos indígenas contemplados pelo pacote de internet via satélite Simples, que usa antena da Starlink por meio de subcontratação.
A Saúde afirma que não tem aproximação às informações contratuais, porquê valores e prazo, da operadora com a Starlink, porque esses vínculos são firmados entre terceiros. Procurada, a Simples disse que não comenta os contratos e nem as soluções de estruturas tecnológicas das redes de telecomunicações contratadas para atender a demandas específicas dos clientes.
A Aviação também não reconhece contratos diretos com a empresa de Musk, mas contrata uma das representantes oficiais da Starlink no Brasil, a Telespazio, que, ao ser contatada pela reportagem, decidiu não comentar.
Os governos estaduais de Pará e Amazonas também contrataram R$ 561 milhões em serviços da empresa de Musk no ano de 2024, por meio da revendedora Via Direta Telecomunicações, para atender escolas. Os contratos incluem 1.650 kits de internet para escolas do interno paraense e outros 1.100 para o território amazonense. Segmento do valor é pago com verbas do FNDE (Fundo Pátrio de Desenvolvimento da Ensino).
Especialistas consultados pela reportagem avaliam que os satélites de baixa trajectória de Musk levam conexão às áreas descobertas pelas operadoras e pelo Estado, mas deixam os habitantes locais à mercê da vontade política de Musk.
Um exemplo disso foi quando, em setembro, a Starlink passou a cobrar o pagamento de seus serviços no Brasil por meio de uma conta em Dublin, na Irlanda, encarecendo a fatura para os clientes locais em 10%. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federalista), determinara em agosto o bloqueio das contas da Starlink no país para o pagamento de multas de quase R$ 20 milhões do X (macróbio Twitter).
Eventuais dados sensíveis dos contratantes —as Forças Armadas, a Funai e a Saúde— ainda poderiam terminar sendo armazenados e processados fora do país, sob jurisdição dos Estados Unidos. A lei antiterrorismo americana permite que o governo deles intercepte mensagens pessoais sem autorização da Justiça.
Apesar das vantagens, é um risco compartilhar informações sigilosas sob jurisdição americana, porquê ocorre na rede da Starlink.
A Marinha e o Tropa disseram que, em casos sensíveis, empregam sistemas específicos de informação com recursos criptológicos avançados, porquê o Sistema de Comunicações Integradas por Satélite e a Rede Operacional de Resguardo.
Ainda assim, o professor de relações internacionais da Fecap (Instalação Escola de Negócio Álvares Penteado) Alcides Peron pondera que a União pode tolerar com a interrupção do serviço por questões geopolíticas, sem ter uma escolha à profundidade.
“Falamos de empresas pertencentes a um país porquê os Estados Unidos que vem passando por mudanças políticas e conflitos com o governo brasílio e de um sujeito que age por interesses políticos”, afirmou o professor de relações internacionais da Fecap (Instalação Escola de Negócio Álvares Penteado) Alcides Peron. “Isso é ainda pior no caso do Tropa e da Marinha, que tratam de assuntos sigilosos”, acrescenta.
Tropa e Funai usam a internet da Starlink em terras indígenas de difícil aproximação. A Marinha usa o serviço em embarcações que monitoram o mar territorial brasílio.
A Folha mostrou, no ano pretérito, que o Tropa abriu uma licitação de R$ 5,1 milhões com quesitos que só a Starlink atendia.
Os órgãos afirmam que a contratação da Starlink passou pelo crivo do TCU e foi justificada pelo princípio da economicidade, já que o serviço de Musk é o mais barato do mercado (veja preços inferior). Acrescentam que houve concorrência, por meio de tomada de preços envolvendo diferentes representantes comerciais da empresa aeroespacial americana.
Empresa * | Clientes | Preço sem recontar dispêndio de insatalação | Conexão |
---|---|---|---|
Starlink | 224.500 | A partir de R$ 184, mais impostos | Constelação de satélite, com mais velocidade e menos latência |
HughesNet | 176.900 | A partir de R$ 350, no serviço residencial | Revende serviço da OneWeb, única concorrente que trabalha com constelação de satélite |
Viasat | 24.800 | A partir de R$ 319, no serviço residencial | Satélite geoestacionário, com conexão mais lenta e maior latência |
Telebras | 24.500 | A partir de R$ 419 para empresas | Satélite geoestacionário |
Simples | 19.500 | A partir de R$ 1.320 para empresas | Satélite geoestacionário |
Manadeira: Anatel
*A chinesa SpaceSail e a Blue Origin, de Jeff Bezos, também devem oferecer internet via satélite de baixa trajectória, mas ainda não estão em operação
Porquê a Starlink proíbe o uso militar de suas antenas sem autorização, e as três Forças afirmam que empregam a tecnologia em atividades pacíficas.
A Marinha, por exemplo, disse que usa a facilidade da conexão em operações de resgate e salvamento e na orientação de navios em tempo real. O Tropa, por sua vez, afirma recorrer à informação via satélite em atendimentos médicos e na lucidez contra atividades ilegais na Amazônia.
“As atividades nessa fita de fronteira resultaram em consumição de 4,2 toneladas de cocaína, 2.300 metros cúbicos de madeira, 26 aeronaves, na devastação de 51 pistas ilegais de pouso, e na desativação de 220 dragas de mina proibido, o que evitou o uso de 233 kg de mercúrio nos rios”, diz o Comando Militar da Amazônia em nota.
Com exceção dos contratos da Marinha, os pontos de conexão via Starlink estão na Amazônia Lícito, nos estados de Amazonas, Roraima e Acre, em municípios nos quais há exclusivamente conexão por rádio ou nem isso, segundo dados da Anatel (Sucursal Pátrio de Telecomunicações).
O técnico em política tecnológica e professor da Fecap (Instalação Escola de Negócio Álvares Penteado) Alcides Peron expõe motivos pelos quais o governo brasílio escolheu edificar uma infraestrutura de informação por meio da iniciativa privada: “Hoje, existe uma questão de dispêndio e uma dificuldade política de investir o necessário para levar fibrilha óptica a essas regiões, porque estamos falando de áreas remotas com uma baixa densidade populacional”.
Mesmo que o rádio seja uma escolha de aproximação à internet, a tecnologia tem limitações. “Não é verosímil revestir longas distâncias com rádio, que ainda está muito suscetível a condições climáticas. Basta uma chuva para o sinal tombar”, afirmou Lucas Fonseca, engenheiro e diretor-executivo da empresa de logística espacial Airvantis.
Segundo Fonseca, a Starlink é “revolucionária” por exigir pouca infraestrutura em terreno. “Colocar uma antena na Antártica ou no meio de São Paulo, em questão de dispêndio, não é muito dissemelhante para eles”, afirma.
Porquê os satélites de baixa trajectória ficam próximos à superfície terrestre, a conexão da Starlink resolve um problema dos satélites tradicionais, chamados de geoestacionários: porquê esses circulam na trajectória terrestre, o tempo que leva para o sinal ir e voltar (latência) é muito mais cumeeira.
O Brasil investiu R$ 2,8 bilhões para montar o próprio sistema de comunicações via satélite, por meio do SGDC (Satélite Geoestacionário de Resguardo e Comunicações Estratégicas), mas as Forças Armadas consideram a espaço de cobertura do equipamento vernáculo limitada e o sinal lento.
Ou por outra, existem dificuldades logísticas. “O SGDC torna-se inviável em navios de pequeno porte, considerando que as dimensões da antena superam as capacidades físicas do navio”, afirma a Marinha em nota.
Embora a antena da Starlink seja, de indumento, menor, com 68,5 centímetros de profundidade e 48,2 centímetros de diâmetro, as antenas mais compactas capazes de captar o sinal do SGDC têm por volta de 1,5 metro de diâmetro e caberiam em uma embarcação pequena. “Os barcos tinham internet antes da Starlink”, recorda Fonseca.