É doloroso testemunhar ao documentário ucraniano “20 Dias em Mariupol”. E precisa ser doloroso, avisa o diretor Mystslav Chernov na narração do filme.
Vencedor do Bafta deste ano, indicado ao Oscar —e predilecto na categoria—, o documentário tem uma vez que matéria-prima os 20 dias que Chernov, jornalista da Associated Press, passou na Mariupol sitiada pela Rússia ao lado do colega fotojornalista Evgeniy Maloletka, logo posteriormente a invasão russa, em fevereiro e março de 2022.
Eles foram os últimos remanescentes da prensa internacional em Mariupol documentando os horrores da guerra que completa dois anos. Mantas Kvedaravicius, um documentarista lituano que também estava filmando na cidade, acabou tomado pelos russos e morto.
Mariupol, que tinha 450 milénio habitantes antes da guerra, ficou reduzida a escombros posteriormente os bombardeios incessantes dos russos.
O filme de Chernov mostra o impacto da guerra sobre os civis e vai muito além dos noticiários efêmeros de todos os dias. Acompanha um pai que chora o rebento jovem morrendo no hospital, posteriormente ser atingido por um míssil enquanto jogava futebol; um médico tentando ressuscitar uma moça de 4 anos, dizendo para a câmera: “continue filmando”; valas comuns preparadas para receber crianças, o bombardeio de uma maternidade.
A imagens também retratam o que é o trabalho de um real correspondente de guerra. E o imenso transe que Chernov enfrentou para que suas imagens se tornassem públicas –os russos cortaram a conexão de internet e a equipe da AP tinha que marchar pela cidade posteriormente o toque de recolher procurando wi-fi.
Foi por culpa desses jornalistas que o mundo pode ver, pela CBS News, France 24, Deutsche Welle e outros, qual era a verdade em Mariupol– apesar da intensa operação de desinformação empreendida pela Rússia. O Kremlin dizia que tudo era patranha e que Chernov e Maloletka eram terroristas da informação. A reportagem renderia a Chernov, Maloletka, Vasilisa Stepanenko e Lori Hinnant o prêmio Pulitzer deste ano pelo serviço público.
Perseguidos pelas forças russas, Chernov e Maloletka tiveram de ser resgatados pelas forças especiais ucranianas posteriormente 20 dias. Mas eles conseguiram contrabandear para fora de Mariupol 30 horas de vídeo.
E Chernov se deu conta de que precisava ir além das matérias jornalísticas. “Nossa história é contada por livros, literatura e filmes… é muito difícil de entender o impacto de tudo só com as matérias jornalísticas”.
Ele entende que o filme pode ser difícil de testemunhar, mas ressalta que não há uma profusão das chamadas imagens gráficas –há, sim, muita emoção, ao se aprofundar nas histórias dos civis afetados.
Não foi a primeira guerra que Chernov cobriu. Ele se tornou jornalista especializado em conflitos quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em 2013-2014. Desde portanto, esteve no Iraque, na Síria, Afeganistão, Gaza, Nagorno Karabakh e Líbia.
Mas sempre voltava para a Ucrânia.
Resguardar a guerra em sua terreno natal foi muito intenso. “É a minha terreno, a minha comunidade que estão sob ataque. Todas essas bombas não destroem só prédios, destroem nossas memórias”, disse Chernov à Folha.
O documentário vem acumulando prêmios. Além do Bafta, ganhou o prêmio do público na categoria de Documentário de Cinema Mundial no Festival de Sundance de 2023, e ganhou o Prêmio de Documentário da Escolha dos Críticos na categoria de Melhor Primeiro Documentário. No dia 10 de março, disputa o Oscar de melhor documentário.
“Toda vez que subo num palco para receber um prêmio, minha cabeça não está nesse palco, está em Kharkiv, minha cidade natal, onde uma família com três filhos acaba de ser morta e meus amigos jornalistas estão me mandando imagens dos corpos carbonizados das crianças. Esse é o tipo de sensação que quero transmitir para o público internacional quando falo sobre o filme. Parece tudo muito distante, mas, na verdade, está muito mais próximo do que muita gente pensa. E o desfecho dessa guerra vai influenciar a política internacional durante muitos anos.”
Mesmo assim, ele reforça que os jornalistas não devem encontrar que têm uma missão. “Infelizmente, a informação foi transformada em arma, mas isso não nos transforma em soldados”, diz. “É muito perigoso um jornalista encontrar que tem qualquer tipo de missão, porque ele acaba se tornando um ativista. E nós não queremos perder a crédito do público ao nos tornar ativistas.”
Apesar de ser ucraniano e ter sua visão sobre a guerra, Chernov disse que não é isso que o filme mostra. “Quando você assiste ao filme, não me ouve dando prelecção de moral ou impondo minhas emoções.”
A certa profundeza do documentário, Chernov diz: “Meu cérebro quer desesperadamente olvidar tudo isso. Mas a câmera não permitirá que isso aconteça.”
“20 Dias em Mariupol” consegue vencer o déficit de atenção generalizado que condena toda notícia, por mais trágica que seja, a ser esquecida em dois ou três dias. As imagens do documentário não vão deixar nosso cérebro olvidar os horrores dessa guerra.