Brasileiros e mexicanos têm unificado esforços nas redes sociais contra o filme “Emilia Pérez”, dirigido pelo francesismo Jacques Audiard.
A produção, que conquistou 13 indicações ao Oscar 2025, incluindo melhor filme, tem enfrentado críticas de ambos os lados.
Para os brasileiros, “Emilia Pérez” representa um tropeço ao sucesso de “Ainda Estou Cá” na premiação do Oscar 2025.
O filme brasiliano, dirigido por Walter Salles, conquistou três indicações: melhor Filme, melhor Filme Internacional e melhor Atriz para Fernanda Torres. “Emilia Pérez” compete diretamente nestas três categorias, além de em outras dez.
A enxurrada de críticas e piadas feitas por brasileiros ao filme rival foi tão grande que Karla Sofía Gascón, que concorre na categoria de melhor atriz, chegou a pedir “ajuda” a Fernanda Torres em uma entrevista ao site G1.
“Fernanda, por obséquio. Um amplexo, te senhor muito. Me ajuda com essa galera” disse, em tom de humor.
É mais uma exemplar de uma vez que os brasileiros têm se engajado de maneira expressiva nas redes sociais em suporte a Torres e “Ainda Estou Cá”.
Os números ajudam a ilustrar o tamanho dessa tropa de fãs: o vídeo da entrevista da atriz brasileira ao programa Jimmy Kimmel Live, um dos principais talk shows dos Estados Unidos, já foi visto mais de 3,5 milhões de vezes, muito supra de outras entrevistas publicadas no perfil do programa no Instagram. A atriz e cantora Selena Gomez, por exemplo, alcançou 450 milénio visualizações.
Quando o filme brasiliano foi criticado negativamente pelo jornal francesismo Le Monde, os comentários nas redes sociais do jornal eram, em sua maioria, de brasileiros revoltados com a publicação.
Para especialistas, essa torcida e o engajamento podem até mesmo influenciar a premiação, já que a campanha de um filme para o Oscar é uma peça fundamental em sua trajetória na premiação.
A sátira Isabela Boscov, em entrevista à BBC News Brasil, disse que a premiação é um “concurso de popularidade” e que não depende exclusivamente do valor do filme ou da atriz.
Já os mexicanos têm expressado indignação com o que chamam de “representação estereotipada” de seu país e a “falta de autenticidade cultural” em “Emilia Pérez”.
O filme retrata um líder de privilégio mexicano em transição de gênero. É um músico falado em espanhol e ambientado no México, mas filmado principalmente na França.
Apesar das críticas, a obra já acumula uma lista de prêmios: ganhou quatro Globos de Ouro, cinco European Film Awards (a premiação da Liceu do Cinema Europeu) e recebeu 11 indicações para prêmios da Liceu Britânica de Cinema e Televisão (Bafta). No Oscar, bateu recorde de indicações para um filme não falado em inglês.
Outro destaque é a atriz Zoe Saldaña, premiada uma vez que melhor atriz coadjuvante no Mundo de Ouro. Ela interpreta Rita, uma advogada que concorda em ajudar um traficante mexicano, interpretado por Gascón, a fazer uma cirurgia de redesignação sexual.
Representatividade
“Emilia Pérez” vinha recebendo críticas mesmo antes da estreia no México, em 23 de janeiro. Um dos argumentos é a falta de participação de mexicanos na equipe e elenco principal, muito uma vez que a representação que é feita do país.
O roteirista mexicano Héctor Guillén fez uma publicação em sua página na rede social X com uma imagem que diz: “Esta é uma mensagem para a Liceu. O México odeia ‘Emilia Pérez’. Vaia racista e eurocentrista. Quase 500 milénio mortos e a França decide fazer um músico. Sem mexicanos na equipe ou no elenco.”
O post teve 2,6 milhões de visualizações e 131 milénio curtidas. “Audiard [nome do diretor do filme], o México não é o seu playground”, acrescentou em outra postagem, com 72 milénio visualizações.
Em entrevista à BBC, ele afirmou que Audiard é um “grande cineasta”, mas criticou a decisão de fazer a maior secção do filme em estúdios perto de Paris, na França, e a forma em que a história aborda um doloroso tema pátrio do México. “Existe uma guerra das drogas, com murado de 500 milénio mortos [desde 2006] e 100 milénio desaparecidos no país”.
Ele também comenta a falta de profissionais mexicanos na obra: exclusivamente uma das quatro atrizes principais, Adriana Sossego, é mexicana. Gascón é espanhola, embora tenha trabalhado na TV mexicana. Selena Gomez, a mais famosa, é americana, apesar da origem mexicana, e teve de aprender novamente o linguagem espanhol para o papel.
“Sua forma de produzir o filme ignora muitas pessoas da indústria [cinematográfica] do México que já falaram sobre o tema, sem considerar roteiristas mexicanos ou outros atores mexicanos além de Adriana, que fez um trabalho óptimo”, diz Guillén.
Em entrevistas, a diretora de elenco Carla Hool disse que as primeiras audições foram realizadas no México e depois as abriram para outros países da América Latina, Espanha e Estados Unidos.
“Audiard olhava para todos da mesma forma. Ele não estava dizendo que queria uma atriz famosa. Ele só queria a melhor atriz para o papel. E acabou sendo Selena e Zoe”, disse.
Guillén disse que é “realmente doloroso” que Hool, que é mexicana, não tenha encontrado talentos à profundeza no México e na América Latina. “O trajo de possuir alguns mexicanos não impede que seja uma produção eurocêntrica”, disse.
Versão e sotaque
Outro ponto que gerou polêmica e muitos cortes nas redes sociais foi a tradução em espanhol de Selena Gomez.
O ator Eugenio Derbez disse, em um popular podcast mexicano sobre cinema, Hablando de Cine, que a sotaque de Selena Gomez foi “indefensável”.
A atriz se defendeu em uma postagem que continha o trecho no Tiktok. “Desculpe, fiz o melhor que pude com o tempo que me foi oferecido.”
Para Derbez, o problema é que se trata de uma produção feita por estrangeiros e que está sendo muito muito recebida pelo público que não fala espanhol, que pode não perceber as nuances da fala mexicana.
Derbez depois se desculpou pelo glosa e a apresentadora do podcast, Gaby Meza, chegou a proferir que a entrevista não era uma sátira à atuação de Gomez no filme nem sobre seu sotaque em espanhol.
Ainda assim, manteve a estudo negativa. “O que não ficou bom é que existe uma desconexão entre as palavras que ela diz e sua compreensão delas. Seu corpo, sua voz e sua entonação dizem uma coisa, mas o diálogo não coincide com o que ela está dizendo.”
A apresentadora do podcast opinou que “Emilia Pérez” é um filme “voltado para a exportação”.
“Se você visitar os resorts no México, os turistas compram objetos que parecem mexicanos, mas são fabricados em outros lugares”, disse.
“Neste filme, você pode observar referências à cultura mexicana e ele pode falar sobre o México, mas não foi feito no México.”
A sátira já era prevista pela equipe do filme: a diretora de elenco, Carla Hool chegou a alertar o diretor Jacques Audiard sobre os sotaques de Gomez e Saldaña, e incluiu no roteiro que os dois personagens que interpretam não são mexicanos.
‘Malabarismo imperdoável’
Outros críticos se opuseram ao argumento de uma vez que a protagonista de “Emilia Pérez” é redimida.
“Supor que, ao realizar sua transição, o varão selvagem e cruel que ordenou centenas de assassinatos se transforme repentinamente em uma mulher empática e comprometida com os mais fracos é um malabarismo narrativo imperdoável”, disse o redactor mexicano Jorge Volpi em uma pilastra de opinião do jornal El País.
“No final, a salvação de Emilia Pérez acaba sendo tão falsa –e tão desrespeitosa para com o testemunha– quanto o sotaque de Selena Gomez ou a falsa regra de Audiard em abordar, sem o menor conhecimento ou empatia, o doloroso tema dos desaparecidos no México”, disse.
Em entrevista à BBC, Audiard disse que buscou formas de dar realismo ao filme.
“Fui para o México e exploramos lá durante o processo de seleção de elenco, talvez duas ou três vezes e um tanto não funcionou. Percebi que as imagens que eu tinha na cabeça de uma vez que seria [o filme] não funcionavam. Não combinava com a verdade das ruas do México. Era muito pedestre, muito real. Eu tinha uma visão muito mais estilizada em minha mente. Portanto, levamos isso para Paris e reinjetamos o DNA de um homérico. Pode ser um pouco pretensioso da minha secção, mas Shakespeare precisou ir a Verona para grafar uma história sobre aquele lugar?”
“Há duas questões delicadas nesse filme: a identidade transgênero e os desaparecidos no México”, explica ele. “E é um tanto que não consigo explicar racionalmente, mas havia uma relação entre os dois, em que eu imaginava que essa história sobre se esse capo, que é responsável por esse mal, se redime e, por extensão, todo o México, por meio dessa transição, mudando a si mesmo. E acho que o uso do músico, do quina e da dança, permite um visível distanciamento e, portanto, torna a mensagem muito mais eficiente. Ela penetra muito mais profundamente do que se você a documentasse de forma muito realista.”
No entanto, em uma recente coletiva de prensa no México, Audiard pediu desculpas aos seus críticos, afirmando que o filme é uma ópera e, portanto, não é “realista”.
“Se há coisas que parecem chocantes em ‘Emilia Perez’, portanto eu sinto muito… O cinema não dá respostas, exclusivamente faz perguntas. Mas talvez as perguntas em ‘Emilia Pérez’ estejam erradas”, disse ele.