Oscar: Sandra Huller Vê Herança Alemã Em Zona De Interesse

Oscar: Sandra Huller vê herança alemã em Zona de Interesse – 13/02/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Escritora suspeita de assassínio ou esposa de um nazista, os holofotes do tapete vermelho estão sobre Sandra Huller. A atriz alemã protagoniza dois dos principais filmes do ano, que acumulam, juntos, dez indicações ao Oscar.

Com “Anatomia de uma Queda”, Huller concorre à estatueta de melhor atriz, e a França volta a ter o prestígio da Liceu, ainda que o longa não tenha sido selecionado pelo governo para concorrer a melhor filme internacional, depois que a diretora, Justine Triet, fez um exposição crítico contra a agenda neoliberal do presidente Emmanuel Macron ao receber a Palma de Ouro, em Cannes.

É “Zona de Interesse” que concorre na categoria. No filme do britânico Jonathan Glazer, a atriz encarna Hedwig Ross, esposa de Rudolf Hoss, que comandou o campo de extermínio de Auschwitz na Alemanha nazista.

“Estou feliz que os filmes internacionais têm mais reconhecimento hoje em dia. Isso abre espaço para outras formas [de fazer cinema] e de experimentos”, diz Huller em conversa por vídeo, com a mesma sobriedade que contagia seus personagens e a faz esboçar poucos sorrisos nas premiações. “Mas não acho que furei a bolha. Hollywood nunca permitiria isso.”

Em 2016, Huller ganhou projeção internacional por “Toni Erdmann”, de Maren Ade, filme teuto em que interpreta uma consultora viciada em trabalho que aconselha executivos americanos sobre porquê fazer seus negócios prosperarem na Romênia –que, até a queda do Muro de Berlim, era socialista.

Sua rigidez se desfaz conforme ela convive com o pai, um professor de música sensível e jocoso, que leva a filha a encarar a vida com uma leveza proibida no mundo de metas e lucros.

Apesar do sucesso, Hollywood não importou Huller, porquê aconteceu com o também teuto Christoph Waltz, por exemplo, ou com a própria Justine Triet, que assinou recentemente um contrato com a dependência americana CAA. Agora, com sua onipresença em todas as premiações desta temporada, pode ser que os ventos mudem.

O domínio de várias línguas é uma vantagem. Além do teuto, Huller é fluente em inglês e fala gaulês, assim porquê Sandra, sua xará, em “Anatomia de uma Queda”. “Atuar em diferentes línguas é libertador, porque você não se apega a detalhes da linguagem. Quando filmo em teuto, me prudente a cada palavrinha e analiso se ela é apropriada para a idade e o lugar onde os personagens vivem”, diz, séria.

Os olhos azuis, cabelos loiros, as maçãs do rosto avantajadas e o moderação em sua voz a aproximam do estereótipo teuto, despedaçado pela intensidade com que, progressivamente, ela transborda as emoções de seus personagens.

“Eu preciso ser transparente o suficiente para fazer com que meus sentimentos e intenções sejam críveis. A língua é só outra utensílio de transporte”, afirma. Um pouco que ela aprendeu no teatro, onde, segundo ela, a termo é a última a ser usada.

Foi nos palcos efervescentes de Berlim que Huller se formou atriz, ainda jovem, quando se mudou para a capital alemã. Apesar da curso promissora no cinema, que começou em 2006 com “Requiem”, de Hans-Christian Schmid, ela não pretende deixar os palcos.

Em 2019, deu vida a Hamlet no Schauspielhaus Bochum, um dos teatros mais consagrados do país. Na adaptação, o corpo do príncipe era infectado pela podridão dos seus antecessores quando possuído pelo fantasma de seu pai.

Huller era dois em um e, com tremores e marchar cambaleante, contagiou todos os presentes com a perturbação de Hamlet, descreveu a revista alemã Der Spiegel.

Em “Anatomia de uma Queda”, Huller é acusada de assassínio depois que seu marido é encontrado morto na neve. O corpo despencou do último marchar do chalé onde ela mora com ele e com o rebento cego, de 12 anos, nos Alpes franceses. Mas a investigação principal é, na verdade, sobre culpa e codependência em uma relação carcomida pelo tempo –e o que se espera de uma mulher em um matrimónio.

Sandra, a protagonista, não abre mão da curso em prol da família. Tampouco esbanja feminilidade. O rosto da atriz é por vezes enquadrado pela câmera, enquanto ela transita entre raiva, tristeza, pavor e sedução, envolvendo quem vê em outra incerteza existencial, quase um “ser ou não ser” —finalmente, matou ou não matou?

O ponto superior é uma discussão com o marido, usada para incriminá-la no tribunal, em que Sandra exorciza, em seu solilóquio, as cobranças do morto —seu rosto enrubesce e os olhos arregalam, enquanto suas mãos tremulam e o tom de voz sobe.

Já Hedwig, sua personagem em “Zona de Interesse”, está disposta a participar de um genocídio se isso beneficiar sua família. Ela é culpada, sabe disso, e segue a façanha de viver uma vida pacata em uma moradia ao lado de um campo de extermínio. A câmera não dá valia às expressões de Hedwig ou de sua família, e as cenas são filmadas à intervalo.

“Eu me recusei, desde o início [das filmagens], a me envolver emocionalmente ou empaticamente com Hedwig, portanto só tinha o corpo para atuar”, diz. Antes de membros do partido nazista, Ross e Hedwig eram agricultores e, para ela, o parelha ser o motivo do sofrimento de outras pessoas já tem um impacto sobre seus corpos.

“Decidimos que eles não teriam um jeito elegante de marchar. Eu acredito fortemente que um personagem é definido mais pelo que ele não consegue fazer do que pelo que ele é capaz.”

A guerra é um tema inexaurível para filmes, vide a premiação de “1917” e “Zero de Novo no Front” nas últimas edições do Oscar. E, porquê artista alemã, Huller já recebeu vários convites para interpretar fascistas —que recusou, por não concordar com o uso do tema porquê tela para dramas.

Mas ela aceitou dar vida a Hedwig porque sabia que “Zona de Interesse” traria desconforto. “O filme questiona a audiência sobre por que achamos que essas pessoas não têm zero em geral conosco e por que essa narrativa de monstros é tão potente. Minha legado alemã e as decisões de meus ancestrais estavam presentes o tempo todo durante as filmagens”, diz.

Huller nasceu em 1978, em Friedrichroda, na Alemanha socialista, quando o país estava fatiado entre Estados Unidos e União Soviética. “Eu tive sorte de nascer em um país que, apesar de não ser perfeito, era antifascista”, afirma, categoricamente.

Foi durante sua puerícia do lado oriental do muro que aprendeu sobre a responsabilidade individual em uma comunidade, e que a unidade faz a força. “Não éramos bombardeados com produtos. Todo mundo tinha as mesmas coisas, e se você quisesse um tanto próprio, precisava entrar na fileira, e não era guardado que ainda estaria disponível quando chegasse a sua vez. E talvez essa seja a vida mesmo, não podemos ter tudo o que queremos”, disse à revista The New Yorker.

Quando o Muro de Berlim caiu, havia alegria, mas as pessoas não sabiam, disse ela, que seus empregos seguros seriam esmagados pela mão invisível do mercado.

Hoje, o partido de extrema direita teuto Opção para a Alemanha (AfD) tem uma quantidade considerável de votos no que antes foi a Alemanha Oriental. O Festival de Berlim deste ano, aliás, gerou polêmica ao invitar dois membros do AfD para a cerimônia —a organização desistiu da teoria na semana passada.

“‘Zona de Interesse’ é um aviso de que pequenas decisões equivocadas podem levar a enormes catástrofes” continua Huller, antes de interromper a si própria e colocar a mão no rosto. “Ai, desculpe, por que estou falando tanto?”

Foi meio sem jeito que a atriz recebeu a chuva de aplausos no European Film Awards, ao ser eleita melhor atriz por “Anatomia de uma Queda”.

No palco, comentou sobre a estatueta: “é uma mulher”. “Trabalhar em grupo faz o sonho funcionar. Atuar não acontece em qualquer lugar no espaço, mas é uma ação incessantemente influenciada pelo que está acontecendo no mundo”, disse, com a voz nervosa, antes de pedir um minuto de silêncio para que todos os presentes imaginassem a sossego.

“Não é tempo suficiente e vocês podem continuar tentando quando quiserem”, disse. E saiu de cena.

Folha

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