Padre Cícero: Entre A Santidade E A Política Aos 90

Padre Cícero: entre a santidade e a política aos 90 anos de morte

Brasil

Milagres, guerra e política marcaram a vida de Padre Cícero Romão, considerado um dos personagens mais importantes da história do Brasil. Levante sábado (20) marca os 90 anos de morte do sacerdote, que ainda hoje mobiliza centenas de milhares de pessoas a Juazeiro do Setentrião (CE) todos os anos.

Nascido em 1844, no Crato (CE), sertão cearense, Padre Cícero (mais sabido porquê Padim Ciço) é considerado santo por uma povaréu de devotos e Juazeiro do Setentrião é tido porquê um sítio sagrado.

Brasília (DF), 19.07.2024 - Cozinheira e costureira Marinez Pereira do Nascimento para a matéria sobre Padre Cícero. Foto: Marinez Pereira/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 19.07.2024 - Cozinheira e costureira Marinez Pereira do Nascimento para a matéria sobre Padre Cícero. Foto: Marinez Pereira/Arquivo Pessoal

Brasília (DF), 19.07.2024 – Cozinheira e modista Marinez Pereira do Promanação Foto: Marinez Pereira/Registro Pessoal

A cozinheira e modista Marinez Pereira do Promanação, de 58 anos, que é mestra de cultura popular, relatou a devoção que tem à Padre Cícero e à Maria de Araújo, devota que protagonizou os famosos milagres das hóstias.   

“Minhas letras [de músicas de coco] falam muito sobre o Padre Cícero porque, para mim, ele é santo. O Padre Cícero veio para transformar Juazeiro. Ele é um enviado de Deus para a região do Cariri. Se não fosse o Padre Cícero, não existia Juazeiro, não existia romaria. A devota Maria de Araújo, para mim, faz e fez o mesmo papel que Nossa Senhora”, explicou.

A santificação dada pelo povo ao Padre Cícero e à Maria do Araújo tem origem nos chamados milagres das hóstias. Conta-se que as hóstias ministradas pelo Padre viraram sangue na boca da devota Maria de Araújo.

O suposto milagre – rejeitado pela Igreja Católica, que chegou a excomungar o sacerdote e proibir que ele realizasse missas – levou multidões para Juazeiro, criando um dos maiores movimentos populares e religiosos da história do país.

Da religião para política

O historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federalista do Ceará (UFC), ressalta que a partir do trabalho religioso, Padre Cícero se tornou um importante político do seu tempo.

“O político é uma consequência do religioso. O prestígio que ele tem em relação aos devotos, às notícias sobre os milagres e toda essa repercussão que vai entrar em choque com a Igreja e em sintonia com essas tradições sertanejas transforma o Padre Cícero em um santo vivo. Logo, tudo decorre daí. O prestígio político dele vem daí”, explicou.

O religioso foi prefeito de Juazeiro por sucessivos mandatos, chegando a ocupar o missão de vice-governador do Ceará.

Visão equivocada

Rebento de romeiros, o professor, plumitivo e memorialista Renato Dantas, de 75 anos, critica a visão que considera equivocada de secção da liceu e que intelectuais têm de Juazeiro e dos romeiros, retratados muitas vezes porquê “fanáticos”.

Brasília (DF), 19.07.2024 - Professor, escritor e memorialista Renato Dantas para a matéria sobre Padre Cícero. Foto: Renato Dantas/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 19.07.2024 - Professor, escritor e memorialista Renato Dantas para a matéria sobre Padre Cícero. Foto: Renato Dantas/Arquivo Pessoal

Brasília (DF), 19.07.2024 – Professor, plumitivo e memorialista Renato Dantas Foto: Renato Dantas/Registro Pessoal

“Comecei a estudar para saber até que ponto nós poderíamos ser fanáticos ou guardadores de uma memória da religiosidade popular. Cheguei à peroração de que Juazeiro é o repositório dessa memória e que os romeiros e as romeiras consideram cá um espaço sagrado”, explicou.

Para o juazeirense, o sonho que Padre Cícero teria tido – no qual Jesus teria orientado ele a “tomar de conta” daquele povo – os milagres das hóstias e a guerra de 1914 do Ceará são os três elementos que constroem essa religiosidade.

“A forma porquê o Juazeiro foi se construindo nesse sítio sagrado foi um sonho, um milagre e uma guerra. Para mim, são os três aspectos que consolidam a posição de Padre Cícero no Juazeiro, da compreensão romeira a saudação de Juazeiro”, defendeu Dantas.

Revolta de Juazeiro

Brasília (DF), 19.07.2024 - Historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), para a matéria sobre Padre Cícero. Foto: Régis Lopes/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 19.07.2024 - Historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), para a matéria sobre Padre Cícero. Foto: Régis Lopes/Arquivo Pessoal

Brasília (DF), 19.07.2024 – Historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federalista do Ceará (UFC). Foto: Régis Lopes/Registro Pessoal

Em 1914, ocorreu a chamada Revolta ou Sedição de Juazeiro. O governo do Ceará mandou encurralar a cidade na tentativa de desarticular o poder que Padre Cícero exercia na região. A resistência armada popular conseguiu não somente romper o cerco, mas marchar até Fortaleza e derrubar o portanto governo sítio de Franco Rabelo.

“O trajo é que Juazeiro só consegue se revoltar por conta da força de atração do Padre Cícero em Juazeiro. Ele labareda mesmo as pessoas para tutorar Juazeiro. Se não houvesse esse prestígio, não teria ocorrido zero porque Juazeiro era uma cidade pequena, não tinha porquê erigir um batalhão”, contou o professor Régis Lopes.

Anos antes, em 1911, a atuação de Padre Cícero levou à autonomia política de Juazeiro do Setentrião, que até portanto era um província do Crato. Apesar do envolvimento político, o historiador Régis Lopes diz que o Padre dedicava seu tempo e pujança para questões religiosas, deixando as articulações políticas para o coligado Floro Bartolomeu.

“Para muita gente, o Floro era o prefeito de Juazeiro porque na prática ele era quem fazia mesmo essa fala. As preocupações do Padre Cícero eram outras. A documentação escrita do Padre Cícero mostra que a vida dele, o paladar dele, era em relação a ser padre da Igreja”, acrescentou o historiador.

Santo popular

Padim Ciço morreu rompido com o Vaticano. Em 2015, a Igreja se reconciliou com o religioso e, em 2022, foi anunciado o início do processo para a sua beatificação. Em outubro de 2023, Padre Cícero foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria do Brasil por Lei sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva.

O historiador Régis Lopes, da UFC, defendeu que, do ponto de vista sociológico, Padre Cícero é santo, ainda que não reconhecido oficialmente pelo Vaticano. “Só existe santo se tem fanático. Essa é a lógica básica de qualquer romaria. Tem que ter uma base social que vai construindo essa teoria de santidade”, explicou.

Fonte EBC

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