A vida tem, inevitavelmente, as próprias experiências dolorosas, que fazem segmento de todo caminho de esperança e de conversão. Mas é preciso evitar, a todo dispêndio, deixar-se levar pela melancolia; não se deve permitir que ela degenere o coração. Há uma tristeza que se torna “o prazer do não prazer” e se delicia com uma dor infinita, porquê a subordinação de uma projéctil amarga, ruim, mas que continuamos a saborear. Há também uma espécie de sedução do desespero, muito presente na consciência masoquista contemporânea que, porquê no belo tango prateado intitulado “Barranca Abajo”, descendo o barranco, atrai-nos cada vez mais à medida que hesitamos e escorregamos. Alguns lutos prolongados indefinidamente, nos quais a pessoa continua a ampliar a lesma do vazio de quem já não está presente, não são próprios da vida no Espírito. Certos labirintos, nos quais nos perdemos de tanto olhar unicamente para os pés, e algumas amarguras rancorosas, que fazem a pessoa sempre carregar uma reivindicação, talvez de início até legítima, mas que a leva a assumir eternamente o papel de vítima, não produzem uma vida saudável, menos ainda cristã. No termo, um cristão triste é sempre um triste cristão.
Essas são tentações às quais nem mesmo os consagrados estão imunes. Infelizmente acontece de encontrarmos os que são amargos, melancólicos, mais autoritários do que autorizados, mais “solteirões” do que casados com a Igreja, mais funcionários do que pastores, ou portanto mais superficiais do que alegres, o que também não é bom. Mas, de modo universal, nós, padres, temos uma propensão ao humor e
certa privança com piadas e anedotas, das quais muitas vezes, além de objeto, somos bons contadores.
Inclusive os papas. João 23, dos quais temperamento gracioso era notável, durante um exposição disse mais ou menos o seguinte: “Com frequência me acontece de inaugurar a pensar em uma série de problemas graves. Portanto tomo a decisão corajosa e resoluta de ir falar com o papa pela manhã. Depois, congraçamento todo suado e me lembro de que o papa sou eu”. Uma vez que o entendo… João Paulo 2º não ficava detrás. Nas reuniões preparatórias de um conclave, quando ainda era o cardeal Wojtyla, um colega mais velho e bastante rígido se aproximou dele com a intenção de criticá-lo porque ele esquiava, escalava montanhas, andava de bicicleta, nadava. “Não creio que sejam atividades adequadas ao seu papel”, confidenciou-lhe. Ao que o horizonte papa respondeu: “Mas o senhor não sabia que na Polônia 50% dos cardeais praticam essas atividades?”. Na idade, havia unicamente dois cardeais na Polônia.
O humor é remédio não unicamente para animar e iluminar os outros, mas também a si próprio, porque a autoironia é um poderoso instrumento para vencer a tentação do narcisismo. Os narcisistas se olham continuamente no espelho, pintam-se, tornam a se apreciar, mas o melhor recomendação diante de um espelho é sempre rir de si mesmo. É o que nos fará muito. É o que revela a verdade do velho provérbio chinês, segundo o qual existem unicamente dois homens perfeitos: um está morto e o outro ainda não nasceu. Saber rir de si mesmo é a requisito para não soçobrar no ridículo, e do ridículo não se regressa. Se você quiser que riam com você amanhã, ria de você mesmo hoje.
A Igreja tem, informalmente, uma complexa série de categorizações de tiradas e piadas de congraçamento com as ordens, as congregações e as personalidades. Penso, por exemplo, na que me contou em um encontro no Vaticano o ex-arcebispo Welby, da Cantuária: “Sabe qual é a diferença entre um liturgista e um terrorista?”, perguntou-me. “Com o terrorista é verosímil negociar…” Ele me fez rir com paladar.
As piadas sobre jesuítas e de jesuítas, portanto, são um verdadeiro gênero à segmento, talvez comparável unicamente às de carabinieri na Itália ou de mães judias no humorismo iídiche.
Quanto ao transe do narcisismo, contra o qual devemos nos prevenir com as devidas doses de autoironia, ocorre-me a anedota sobre um jesuíta vaidoso, que sofre de um problema cardíaco e precisa ser internado. Antes de entrar na sala de cirurgia, ele pergunta a Deus: “Senhor, minha hora chegou?”. “Não, você viverá pelo menos mais 40 anos”, responde Deus. Mal se recupera, o jesuíta aproveita para fazer transplante capilar, lifting, lipoaspiração, pálpebras, dentes… Enfim, sai um varão completamente dissemelhante. Mal põe os pés para fora do hospital, porém, é atropelado por um sege e morre. Ao se apresentar perante Deus, protesta: “Senhor, mas… não era para eu viver mais 40 anos?”. E Deus: “Ops, desculpe… não te reconheci…”.
Também me contaram outra que se refere diretamente a mim, a do papa Francisco nos Estados Unidos. É mais ou menos assim: tão logo desembarcou no aeroporto de Novidade York para sua viagem apostólica, o papa Francisco era aguardado por uma enorme limusine. Ficou um pouco constrangido com aquele luxo, mas depois pensou que havia muito tempo que não dirigia, menos ainda um sege porquê aquele, e disse para si mesmo: tudo muito, sabe-se lá quando vou ter outra chance porquê essa. Olhou para a limusine e perguntou ao motorista: “Será que posso testar?”. E o motorista: “Lamento, Sua Santidade, mas não posso. Sabe porquê é, os procedimentos, o protocolo…”. Mas, porquê dizem, quando o papa põe uma coisa na cabeça… Enfim, ele tanto insistiu que o outro acabou cedendo. O papa Francisco se sentou, portanto, ao volante, em uma daquelas vias expressas enormes… E tomou paladar, começou a pisar no acelerador: 50 por hora, 80, 120… Até que ouviu uma sirene, e uma viatura da polícia emparelhou com o veículo e o fez parar. Um jovem policial aproximou-se do vidro escurecido. O papa, um pouco intimidado, abaixou-o, e o motorista empalideceu. “Com licença”, disse o policial, voltando à viatura para invocar a médio. “Boss… acho que estou com um problema.” E o patrão: “Que problema?”. “Muito, parei um sege por excesso de velocidade… mas nele está um sujeito muito importante.” “Importante quanto? É o prefeito?” “Não, patrão, mais do que o prefeito…” “Mais do que o prefeito? Quem é? O governador?” “Não, mais…” “O presidente?” “Acho que é mais…” “E quem pode ser mais importante do que o presidente?” “Veja, patrão, não sei recta quem é, mas só lhe digo que o papa é o motorista!”
O Evangelho aconselha que voltemos a ser porquê as crianças (Mt 18,5), para a nossa própria salvação. Desse modo, lembra-nos que devemos restabelecer a capacidade delas de sorrir, que, para os psicólogos que se deram ao trabalho de descrever, revela-se dez vezes maior que a dos adultos.
Hoje, zero me alegra mais do que encontrar as crianças: se de menino tive meus mestres do sorriso, agora que estou velho muitas vezes as crianças são as minhas mentoras. São os encontros que mais me emocionam e me fazem muito. Depois vêm as reuniões com os velhos: os idosos que abençoam a vida, pondo de lado todo ressentimento, e trazem a alegria do vinho, melhorando com o passar dos anos; são irresistíveis. Têm a perdão do pranto e do riso, porquê as crianças. Quando as amplexo nas audiências na rossio de São Pedro, na maioria das vezes as crianças sorriem; outras, ao contrário, ao me verem todo vestido de branco, acham que sou o médico que chegou para lhes dar uma injeção e choram. São campeãs de
espontaneidade e de humanidade; elas nos lembram que quem renuncia à própria humanidade renuncia a tudo, e que quando se torna difícil chorar com sentimento ou rir com exalo é porque nosso declínio começou. Tornamo-nos anestesiados, e adultos anestesiados não fazem muito a si mesmos nem à sociedade, tampouco à Igreja.
O texto é um trecho do livro ‘Esperança: A Autobiografia’, lançado pelo selo Fontanar, do Grupo Companhia das Letras