A organização dos Jogos Olímpicos de Paris, encerrados no domingo (11), fez da paridade de gênero uma de suas bandeiras. Fez também do barão Pierre de Coubertin uma figura mediano das celebrações, embora ele não fosse exatamente um entusiasta da presença das mulheres nas competições esportivas.
Segundo os membros do comitê organizador e os dirigentes do COI (Comitê Olímpico Internacional), esses dois movimentos não foram contraditórios. Sempre que questionados sobre o ponto, eles ressaltaram a preço do fundador das Olimpíadas da era moderna e observaram que seus textos e declarações não podem ser tirados de seu contexto histórico.
Faz qualquer sentido. Coubertin era até considerado progressista na viradela para o século 20. Mas não deixa de promover estranheza que a edição olímpica que estabeleceu porquê meta a isenção de gênero –numericamente, ficou no quase, com 49% de mulheres no efêmero de atletas– tenha apresentado porquê símbolo alguém que chegou a considerar a prática esportiva feminina “imprópria”.
“Realmente, existe uma incongruência nisso, porque o barão Pierre de Coubertin falava que as mulheres eram imitações imperfeitas. Foi só com a Alice Milliat enfrentando a situação e criando até um evento separado que ele efetivamente se viu quase forçado a colocar as mulheres em algumas modalidades”, afirmou à Folha Isabel Swan, 40.
A velejadora foi uma das pouco mais de 5.600 mulheres que participaram dos Jogos de 2024 –ao lado de Henrique Haddad, chegou à final da categoria dinghy misto e, com o décimo lugar, aposentou-se. Medalhista de bronze em Pequim, em 2008, ela chegou a atuar porquê coordenadora do departamento “mulher no esporte” do COB (Comitê Olímpico do Brasil).
A carioca está finalizando um mestrado em olimpismo, em Colônia, na Escola Superior de Esportes da Alemanha, e já estudou suficientemente para observar a citada incongruência. Mas também tem o conhecimento necessário para entender que Coubertin “tem muito valor” no renascimento dos Jogos no término do século 19 e no estabelecimento das diretrizes olímpicas: vantagem, amizade e esporte.
“Ele foi o pai dos Jogos da era moderna. Logo, existe esse valor intrínseco. São duas semanas em que o mundo respira os valores do esporte. Mas realmente isenção é um valor recente, a visão de mundo era muito restrita. Hoje, depois de 128 anos, a gente consegue chegar ao mesmo número de atletas. É um feito muito grande”, observou.
A primeira edição olímpica da era moderna, em 1896, em Atenas, não teve a presença solene de mulheres, embora conste que Stamata Revithi tenha corrido por conta própria a maratona. Elas entraram no programa em 1900, somente em modo prova, e encontraram no barão, presidente do COI entre 1896 e 1925, um dirigente pouco predisposto a lhes dar maior espaço.
O gálico apontou em 1912 que uma disputa olímpica com mulheres seria “impraticável, desinteressante e imprópria”. Depois, mormente a partir da oposição de Alice Milliat, que chegou a organizar uma espécie de olimpíada feminina paralela, viu-se obrigado a harmonizar seus conceitos.
“Ele achava que as mulheres fossem macular um espaço de domínio dos homens, de pertencimento dos homens. Ele não era contrário à participação das mulheres no esporte, desde que fosse em situações não competitivas e não ocorressem em esportes públicos, em grandes eventos”, disse Silvana Goellner, que tem diversos trabalhos publicados sobre a mulher no esporte.
Segundo a pesquisadora, “os avanços que aconteceram nos últimos tempos têm uma relação muito possante com a luta das mulheres” para ocupar um espaço que, “na visão do barão, não era para elas”. Essa luta resultou na quase isenção numérica da edição olímpica de 2024, que teve constantes referências e reverências à figura de Coubertin.
Ele teve destaque na lisura, no rio Sena, e no fechamento, no Stade de France. Presente também em uma série de exposições com temática olímpica em Paris, apareceu antes dos eventos esportivos, na figura de um varão fantasiado que se misturava à turba para depois ser encontrado no telão, em gaudério do tipo “Onde Está Wally?”.
Em um esforço para evitar movimentos de repudiação, o COI realizou uma série de eventos sobre o legado de Pierre pouco antes dos Jogos. No término de maio, organizou uma mesa-redonda a saudação do tema, cujos membros repetiram a todo momento sua preço na retomada das Olimpíadas e nos estudos acadêmicos, pela riqueza dos documentos e textos que deixou.
O site solene da entidade tem uma página específica sobre a relação de seu velho presidente com o esporte feminino. O texto não nega as frases ditas pelo gálico, absurdas aos olhos de hoje, mas as relativiza e observa que as mulheres, com o barão na presidência, foram de 22 nos Jogos de 1900, em Paris, a 135 nos Jogos de 1924, também em Paris.
O COI aponta que Pierre tinha “uma visão muito progressista dos direitos das mulheres”, cita a atual “cultura do cancelamento” e rebate aqueles que chamam Pierre de misógino, “uma criminação injusta que ignora o contexto histórico de sua era e, mais importante, a posição mais ampla de Coubertin sobre mulheres no esporte”.
“Na perspectiva de hoje, qualquer objeção às mulheres em competições esportivas é impensável, mas, no término do século 19 e no início do século 20, os costumes sociais eram totalmente diferentes. A oposição à participação feminina nos esportes, para não mencionar a universidade, o manobra de uma profissão ou o voto, era a norma cultural”, diz o texto.
O argumento em obséquio do barão nesse sentido é que ele era um patrono da instrução das mulheres, porquê escreveu em 1901, apontando-a porquê mecanismo de resguardo. “Que as leis as protejam e as ponham em posição de resistir, até de evadir da tirania conjugal. Zero mais legítimo”, publicou Coubertin.
Segundo o COI, os escritos deixam “clara evidência da emergência de uma visão muito progressista dos direitos das mulheres”. A entidade observa ainda a posição avante de seu tempo do barão em relação ao divórcio e recorda sua amizade com a feminista Juliette Adam, fundadora e editora da revista La Nouvelle Revue.
“Era um varão do seu tempo. Um aristocrata, historiador, educador, filósofo. E eu posso expor que ele representava um varão do iluminismo do seu tempo. Um tempo em que os homens eram a marca da sociedade. Um tempo em que as mulheres eram consideradas figuras do mundo privado”, disse Katia Rubio, uma das referências em pesquisas sobre o movimento olímpico.
“Quando ele julga as mulheres incapazes de competir, ele reforça aquilo que a ciência da era dizia, que a competição esportiva não era apropriada para as mulheres. Logo, olhando de hoje para o pretérito, parece um sem razão. Mas, na era, ele seguiu os padrões não ditados somente pela sua moralidade, mas reforçando uma ciência feita por homens para o mundo masculino”, acrescentou.
O pensamento vai de encontro ao que defende o COI, que procurou exaltar o barão de Coubertin enquanto quase 6.000 mulheres competiam em Paris. No caso da delegação brasileira, foram as mulheres as responsáveis pelas três medalhas de ouro e por 12 dos 20 pódios alcançados na capital francesa.