É uma vez que se o pensamento e a memória viajassem tão rápido quanto a velocidade das ondas da transmissão de rádio, a 300 milénio quilômetros por segundo. Basta um momento para o engenheiro eletrônico Higino Germani, hoje aos 74 anos, viajar até 11 de março de 1974 e recordar aquela manhã em que foi inaugurado um parque de transmissores sem precedentes na história das telecomunicações do Brasil.
O parque do Rodeador foi instalado em uma superfície de fechado, a 60 quilômetros de Brasília. Germani, que tinha 24 anos, foi o primeiro diretor técnico do sítio e assistiu, de perto, quando o general Emílio Garrastazu Médici, o terceiro presidente da ditadura militar, tocou o botão que colocou “tudo” no ar. “Foi um consolação. Eu trabalhei direto sem parar por meses para satisfazer o prazo [com o governo]”, recorda o primeiro diretor do lugar.
Inicialmente, o “tudo” acionado por Médici significava dois transmissores de rádio: um de ondas médias, para o DF; e outro de ondas curtas, para a Europa. Os equipamentos incluem os transmissores em ondas curtas da Rádio Vernáculo e representariam, ao longo do tempo, diferentes finalidades.
Existe o paisagem estratégico, na divulgação de atos do governo (naquele período ainda militar); a integração do país e também no fomento da informação pública. Hoje, o sítio abriga quatro conjuntos de antenas, incluindo uma de ondas médias, com 142 metros de profundidade, além de três conjuntos com torres atingindo 147 metros, e que fazem transmissão em ondas curtas.
A serviço da ditadura
Segundo o professor Octavio Pieranti, de pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), havia, inicialmente, um objetivo de divulgação dos feitos da ditadura militar. “Era o término do governo Médici, um governo marcado pela repressão e pela violência e, por isso mesmo, um governo que precisava buscar uma legitimação internacional nas mais diferentes frentes”. As antenas teriam imediatamente esse propósito.
O pesquisador da Unesp, responsável de “Entre plantações de morango, florestas e oceanos” (disponível para download) contextualiza que, nessa idade, eram realizadas as obras da Rodovia Transamazônica, da ponte Rio-Niterói e a reorganização do sistema de telecomunicações. “Esse é um processo que levou mais anos. Mas nesse mesmo contexto surgiu a teoria na direção da TV Rádio Vernáculo de Brasília de gerar uma emissora de rádio que cobrisse o mundo inteiro”.
Além da propaganda da ditadura militar brasileira, naquele momento, a teoria era fazer frente às emissoras de países adversários, particularmente os socialistas, que transmitiam para o Brasil. Havia, na avaliação do pesquisador, uma preocupação com essa potencial influência, particularmente na Amazônia.
Sem detença
Mas quem trabalhava na técnica queria saber uma vez que viabilizar esse voo além das fronteiras. “Com o proveito da antena, é uma vez que se fosse um farol de milha, concentrando a pujança em um determinado lio [de ondas]”, explica Germani. Por isso que, nessa velocidade, o lio atravessa o oceano em um momento. Em outros países, poderia ser ouvida a mensagem saída do Brasil sem detença.
“E o melhor disso era o seguinte: eram seis horas de programação diária para a Europa e divididas em diferentes idiomas (português, inglês, espanhol, teutónico gálico e italiano) para outros países, a partir de diferentes frequências”. As informações que seriam levadas pelo mundo eram produzidas pelos jornalistas brasileiros da Rádio Vernáculo. “A gente começava a transmitir cá às 15h para lugares com fusos de três ou quatro horas de diferença. As condições de propagação mudavam”.
O engenheiro eletrônico se lembra que a equipe estava entusiasmada com o que ocorreria. Tinham em meta que o Brasil, pelo tamanho continental, deveria ter um sistema de radiodifusão que integrasse o país. “Há lugares em que, sem um ‘radinho’, a pessoa fica isolada”.
Preparativos
Os seis meses que antecederam a inauguração foram de correria em função do prazo oferecido pelo governo. A definição da localização na região administrativa de Brazlândia, a brecha da clareira, a construção da fundação, a espera pelos equipamentos, os testes…tudo precisou ser rápido. “No momento em que o prédio foi construído, os dois transmissores lá na Suíça também ficaram prontos”. Para transportar os transmissores para o Brasil, tinham duas opções: avião ou navio. A segunda opção, porém, demoraria muito tempo. A equipe conseguiu um avião que era utilizado pela Sucursal Espacial dos Estados Unidos (Nasa)
O sítio escolhido estava em um espaço distante 60 km do aeroporto, por uma questão de segurança. “Outro pormenor importante é que estações de subida potência geram um campo eletromagnético tão potente que bloqueia outros serviços”, explicou Germani.
O atual diretor técnico do parque, o engenheiro em telecomunicações Adriano Goetz, explica que a posição geográfica do parque é fundamental porque está numa posição subida do Província Federalista. “É bastante desobstruída, principalmente para propagar o sinal na direção da Amazônia. Ela ficava distante das cidades para prometer segurança à estação”
O pesquisador Octavio Pieranti contextualiza que, para edificar o parque, o governo brasílio, em pouco mais de um ano, fez uma licitação internacional com a compra de nove transmissores de ondas curtas, dois transmissores de ondas médias para modernizar a Rádio Vernáculo de Brasília em ondas médias, e também um transmissor de FM, que viria dar origem à Rádio Vernáculo FM de Brasília.
“A compra desses 12 transmissores tiveram um dispêndio, na idade, de 15 milhões de dólares. Em valores corrigidos, são R$ 500 milhões”. O governo estava disposto, de indumentária, a transmitir suas mensagens para o mundo, uma vez que pontua o pesquisador.
Goetz recorda que, dos seis transmissores de 250 quilowatts (KW) comprados, dois operaram desde aquela idade transmitindo para a Amazônia. “Os outros quatro transmissores eram operados até final da dezena de 1990 para clientes externos. Nós alugamos, por exemplo, para a BBC durante a Guerra das Malvinas (1982). Nos anos 2000 em diante, o sistema internacional se tornou mais custoso de manter, os transmissores foram sendo desativados, e a gente consegue manter hoje os dois transmissores para a Amazônia com 100 kW”. Isso garante uma cobertura da Amazônia. À noite, esse sistema tem oferecido cobertura dos Estados Unidos e partes do Canadá. Dependendo do dia, inclusive, ele chega lá no Polo Setentrião.
O engenheiro explica que atualmente o parque do rodeador opera com dois transmissores e sete antenas inteiras. “Os transmissores passaram por uma atualização no ano 2000, com a mudança do sistema de refrigeração. Antes, eles eram refrigerados a vapor, hoje é à chuva. A gente tem expectativa de que o Parque do Rodeador possa passar por uma modernização e servir uma vez que estação para transmitir rádio do dedo para todo o território pátrio”.
Ele explica que o sistema garante transmissão por toda a Amazônia. “Em qualquer lugar da selva amazônica a gente consegue penetrar com o sinal da Vernáculo da Amazônia em vaga curta”. As transmissões acontecem diariamente por 18 horas.
A serviço da democracia
O professor Pieranti analisa que a chegada da democracia, no final da dezena de 1980, fez com que a programação chegasse a outro patamar. “E essa emissora é muito distinta daquela que existia um dia. Assim, acontece uma transformação [a serviço da cidadania]”. Os discursos conspiratórios deram lugar, portanto, aos argumentos do obrigação e do recta à informação.
“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, na Região Setentrião ou mesmo na Região Nordeste, por mais que esteja num sítio de difícil entrada, num sítio sem emissoras em FM, ainda assim poderá ter entrada ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Vernáculo da Amazônia”. E essa é hoje a função mais reconhecida do parque de transmissões.
A outra finalidade é para situações críticas. Os equipamentos permitem que, se por alguma eventualidade, caírem as redes de telecomunicações em qualquer lugar do Brasil, ainda assim, o governo federalista, em Brasília, conseguirá falar com essa região a partir das ondas curtas.
“A gente fala em Rádio Vernáculo da Amazônia, que é a emissora que funciona em ondas curtas, mas a gente não deve encará-la exclusivamente para a região. Há uma possibilidade técnica de redirecionar antenas para falar com outras regiões”, afirma o pesquisador.
No caminho do rodeador, uma paisagem rústico se forma na região famosa pela plantação de morangos. Quem passa por lá não imagina que saem daqueles equipamentos de ferro ondas invisíveis que atravessam mares e florestas. Mas cada vez que uma pessoa ribeirinha, no interno da Amazônia, liga o rádio, tudo fica muito visível.