Em 1991, Paulo Pasta era um nome em subida nas artes visuais paulistanas quando fez um workshop com o já consagrado Iberê Camargo no Núcleo Cultural São Paulo. Os comentários de Iberê, um pintor no sentido mais pleno da vocábulo, foram fundamentais para Pasta confirmar sua vocação.
“Eram poucos os pintores uma vez que Iberê. Naquela quadra, assim uma vez que hoje, os artistas faziam trabalhos híbridos, com linguagens diversas. Eu conhecia, enfim, um pintor, alguém que falava a partir do ponto de vista da pintura, o que me causou muito espanto”, lembra Pasta.
Eles se aproximaram, Pasta visitou Iberê em Porto Contente e foi seu anfitrião nas visitas do artista gaúcho a São Paulo. A amizade, no entanto, não durou muito, já que Iberê morreu em agosto de 1994.
Passadas três décadas, os dois se reencontram. Iberê na quesito de símbolo incontornável do expressionismo no Brasil e nome de uma instauração. E Pasta, com 40 anos de curso, uma vez que um dos expoentes da pintura contemporânea no país.
No dia 2, a Instauração Iberê Camargo abriu duas exposições. No último caminhar do prédio projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza, estão 19 obras do gaúcho reunidas na exposição “Eclipses”, com curadoria de Pasta.
No piso logo inferior, “Para que Serve uma Pintura”, com 40 trabalhos do paulista. Ou seja, a instituição de Porto Contente apresenta Pasta simultaneamente uma vez que artista e uma vez que curador.
Ele escolheu algumas telas representativas de Iberê dos anos 1950 e 1960, uma vez que “Mesa Virente com Sete Carretéis” (1959), mas a seleção privilegia a tempo final da produção, quando a cor e a material estão impregnadas de angústia mais do que nunca. Exemplos desse período são as quatro grandes telas da série “Tudo te É Falso e Inútil” (1992), nome tirado de uma trova de Fernando Pessoa, e a inacabada “Solidão” (1994), última pintura do artista gaúcho.
“Iberê fez uma escavação interna e se distanciou desse lugar nacional-popular, dessas questões mais presentes na nossa pintura. Foi um pouco um outsider no Brasil, quase um exilado”, diz Pasta. Iberê se dizia um “europeu aguaipecado” –guaipeca é um sinônimo de cachorro vira-lata no Rio Grande do Sul.
Pasta conta que teve a teoria de dar o nome Eclipses para a exposição durante a leitura de “Sobre Aquilo em que Eu Mais Penso”, de Anne Carson. Em um dos ensaios do livro, a autora canadense comenta o evento astronômico. “Uma vez que dizem, Iberê anoitece as cores, há uma espécie de blecaute. Existe luz nas pinturas dele, mas a luz de um sol fechado, que não aquece”, afirma.
Há vários pontos de contato entre os trabalhos de Iberê e de Pasta, a principiar pela entrega obsessiva de ambos ao trabalho da pintura. As diferenças, porém, não são poucas, uma vez que se nota ao descer a rampa da instauração.
“Os quadros de Iberê parecem se fechar em si mesmos por excesso de investimento emocional”, escreve o professor do departamento de filosofia da USP e ensaísta Lorenzo Mammì no catálogo da exposição de Pasta. “O drama de Iberê é a queda do sujeito, quase que por excesso de peso. O tema de Pasta é a retração do sujeito, e o que resta do mundo quando ele sai de cena.”
Quando fala em “retração do sujeito”, Mammì faz referência à autonomia da pintura insistentemente preconizada pelo artista paulista, uma vez que se percebe tanto nos óleos sobre tela de grandes dimensões uma vez que nos diminutos expostos em Porto Contente, todos realizados nos últimos dez anos.
“Eu não sabor quando a arte vira documento, quando vira reprodução de uma história, ilustração de um tanto. Quero que a pintura tenha uma vida própria”, enfatiza Pasta. “Eu não quero olhar para uma pintura e manifestar ‘entendi, fala sobre isso’. Ela é ventríloquo de um evento? Não, é o próprio evento.”
Nesses trabalhos, o pintor de 65 anos se afasta ainda mais do figurativismo e tampouco se sente à vontade quando tratado uma vez que um abstracionista. Ele compõe esquemas uma vez que “Anunciação Amarela” (2015), no qual, uma vez que costuma manifestar, “não se vê uma coisa, mas o rumor de alguma coisa”.
O mistério de suas obras reside nessa impossibilidade de honrar figura e abstração e, sobretudo, nas cores resultantes de demoradas combinações de pigmentos.
Uma certa opacidade prevalece nas cores de Pasta. “O [crítico] Rodrigo Naves fala que as minhas cores são manhosas. Elas não se entregam de subitâneo, oferecem uma certa resistência.”
A procura pela transcendência da arte, segundo Pasta, passa pela simplicidade, também tratada uma vez que “redução, poda”. “É fácil complicar, atulhar. A simplicidade, dificílima de conseguir, é a grande qualidade de todas as artes. Quanto mais velho eu fico, mais eu entendo isso.”
O jornalista viajou a invitação da galeria Millan e da instauração Iberê Camargo