São Paulo
Nos derradeiros momentos do X (o velho Twitter) no Brasil, um meme tomou conta da rede social. Não precisava rolar muito a tela para se deparar com supostas notícias sobre “Pé de Chinesa”, uma romance centrada em uma jovem criada na China que vai parar em São Paulo na tentativa de encontrar a mãe e vingar a morte da avó.
A trama, no entanto, nunca existiu. Foi criada de forma coletiva pelos internautas, que chegaram a usar perceptibilidade sintético para produzir fotos do elenco, encabeçado pelos ex-BBBs Jade Picon e Davi Brito, caracterizado. Teve até vinheta de brecha e fechamento circulando.
Muita gente aproveitou para entrar na vaga e fazer piada, mas teve gente que não viu perdão nenhuma na falsa trama. Um grupo de artistas cujos maiores vieram do leste e sudeste asiático consideram que a gracejo reforça o racismo recreativo contra pessoas amarelas.
Em texto assinado por nomes uma vez que Ana Hikari, Bruna Aiiso e Jacqueline Sato e enviado ao F5, os profissionais contam uma vez que se sentiram ao ver a falsa romance viralizando e sendo endossada por grande secção do público, inclusive por outros artistas.
“As imagens criadas por essa romance ‘Pé de Chinesa’ trazem diversas camadas que não só reforçam de maneira estereotipada uma vez que as pessoas nos enxergam e nos tratam, mas também resgatam problemas históricos e políticos que nossos ancestrais sofreram ao longo da história mundial e também especificamente brasileira”, afirmam. Confira a íntegra aquém.
Por que não estamos rindo de “Pé de Chinesa”? Adoraríamos rir com vocês, mas não sabemos rir quando uma piada toca profundamente a nossa existência.
Nas últimas semanas, viralizou uma brecha fake, feita por perceptibilidade sintético, de uma suposta romance da Orbe, intitulada “Pé de Chinesa”. E, depois disso, uma trend foi criada, na qual várias pessoas, incluindo artistas de grande alcance na mídia, começaram a praticar yellowface, dizendo que estavam no elenco da teledramaturgia.
Perto do término do X (velho Twitter), essa foi a última piada viralizada na plataforma e que, depois, se estendeu para outras redes. E, agora, vamos explicar o porquê desse meme e dessa trend não serem engraçadas e uma vez que reforçam o racismo recreativo contra pessoas amarelas (pessoas que descendem do leste e sudeste asiático).
Não é de hoje que se utilizam de nossos corpos, etnias e raça para sermos conforto cômico. A pesquisadora Marcia Yumi Takeuchi reuniu no livro “Imigração Japonesa nas Revistas Ilustradas – Preconceito e Imaginário Social (1897-1945)” diversas charges com textos e imagens que se publicaram ao longo da história do nosso país, criando o imaginário caricato que as pessoas têm sobre os japoneses (e também chineses) que se perpetua até hoje.
Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro (1994), “as manifestações racistas podem ser identificadas no nível das ideias, quando estão diretamente ligadas ao inconsciente coletivo, povoando os arquétipos, alimentados por mitos ou representações deturpadas do real que, repetidos continuamente, induzem o sujeito a elaborar uma versão falsa de um momento histórico ou de um grupo.”
Ela segue: “Nesse sentido, as imagens se prestam enquanto secção do sistema simbólico, para a legitimação da ordem vigente. Para que a ideologia racista se converta em prática, é necessário que esta encontre condições propícias para rodear: a fundamento se converte em oração acusatório que, reforçado insistentemente, consegue recrutar adeptos, vindo a se transformar em fenômeno de tamanho.”
As imagens criadas por essa romance “Pé de Chinesa” trazem diversas camadas que não só reforçam de maneira estereotipada a forma uma vez que as pessoas nos enxergam e nos tratam, mas também resgatam problemas históricos e políticos que nossos ancestrais sofreram ao longo da história mundial, e também especificamente brasileira.
A primeira delas é o próprio título: “Pé de Chinesa”, uma referência ao termo Pé de Lótus ou “Lianzu”. Historicamente, era uma prática tradicional na China durante a Dinastia Song em meados do século 10, no qual as meninas chinesas tinham seus pés enfaixados de maneira apertada a ponto de quebrarem os ossos dos dedos e dobrando-os sob a vegetal do pé. Assim, elas teriam os pés bonitos e indicavam que pertenciam a famílias ricas, pois esse era o padrão de venustidade da idade. O Pé de Lótus significa um pretérito de muita dor e vexame de gênero para muitas mulheres chinesas.
A partir daí, utilizando-se de um termo e de diversos gatilhos ancestrais, começam a se sobresair outros tipos de problemáticas. Mesmo no vídeo de brecha, que muitos justificaram dizendo que era uma sátira às ações antigas da TV Orbe, uma vez que uma forma de criticar as novelas reais “Sol Nascente” e “Negócios da China”, por exemplo, a vinheta de “Pé de Chinesa” comete os mesmos problemas.
Porquê preconceitos linguísticos e yellowface (quando uma pessoa não-amarela interpreta uma personagem do leste ou sudeste asiático). E, logo em seguida, de uma maneira viral, as pessoas também aproveitaram o embalo e repetiram essas práticas. Vamos esmiuçar e exemplificar o que estamos falando.
A trilha sonora já fala de trabalhar na feira e “zoin puxado”, dois estereótipos típicos e que todo mundo já está cansado de ouvir, assim uma vez que os termos “pastel de flango” e “ling ling”, que reforça um preconceito linguístico, que ridiculariza gerações passadas que migraram para o país e tinham dificuldades em se harmonizar às pronúncias de palavras da língua portuguesa do Brasil. Com isso, na trend, artistas também se aproveitaram disso e utilizaram da fonética chinesa para produzir nomes de seus personagens: Na Malia e Keyn-Dera, por exemplo. E no enredo é provável sobresair nomes uma vez que: Xu Lee, Tia Ping, Keen Xong, Xa Tao.
Teve gente até que colocou nomes uma vez que Guioza Tempurá (uma vez que se fossem palavras chinesas —pasmem: não são). O que também desencadeia em outro preconceito, de que nipónico e chinês “é tudo a mesma coisa”. Tendo em vista que as atrizes Ana Hikari e Danni Suzuki, de prosápia japonesa, também foram inseridas na piada uma vez que secção do elenco de origem chinesa.
Os estereótipos estão também nas profissões, as pessoas que entraram na trend começaram a trazer as personalidades de suas personagens fictícias através de profissões uma vez que vendedores de pastéis, de lojas de R$ 1,99, drag queen, gueixa, dona de liceu de kung fu etc.
E, embora pareça uma ação inofensiva (“ah, é só uma gracejo”, uma vez que dizem), isso desencadeia diversas questões que precisam urgentemente ser observadas, dialogadas e refletidas.
Adilson Moreira, pós-doutor em recta, cunhou o termo “racismo recreativo”, e em seu livro destaca que “o uso do humor para produzir descontração está amplamente presente na atividade recreativa favorita dos brasileiros, embora as pessoas se recusem a interpretar esses atos uma vez que ofensas raciais”.
Ele ainda destaca que, quando alguém comete racismo recreativo, esse alguém se justifica dizendo que é uma ação benigna, feita exclusivamente por diversão, por mera gracejo, essa “discussão sobre essa alegado tem relevância significativa em uma região que adquire consciência cada vez maior de que a circulação de ideias depreciativas sobre grupos minoritários impede que eles tenham proteção jurídica e respeitabilidade social”.
A escritora Bell Hooks, em “Olhares Negros – Raça e Representação”, afirma que “as imagens desempenham um papel crucial na definição e no controle do poder político e social a que têm entrada indivíduos e grupos sociais marginalizados. A natureza profundamente ideológica das imagens determina não só uma vez que outras pessoas pensam a nosso reverência, mas uma vez que nós pensamos a nosso reverência.”
Tanto bell hooks uma vez que Adilson Moreira, são pessoas negras, de muita credibilidade acadêmica e de uma vasta pesquisa sobre raça e ativismo antirracista, ambos em seus livros falam sobre questões de pessoas pretas mas, mesmo assim, enfatizam as vivências de outras minorias raciais, e pessoas asiáticas sempre são citadas em suas obras. Uma referência de Moreira, por exemplo, é o sociólogo Michael Omi que, junto a Howard Winant, propôs o concepção de projeto racial.
“Para esses autores, o racismo é uma ideologia e uma prática que está em estável transformação, razão pela qual ele pode assumir diferentes formas em diferentes momentos históricos. Observamos em todas as suas manifestações uma vez que diferenças de status cultural e status material se reforçam mutuamente na reprodução da marginalização de minorias raciais”, reforça Moreira, destacando assim, que o racismo recreativo é uma prática que a branquitude descobriu para não se responsabilizar sobre o ato cometido, muito menos ser penalizado por isso.
Jornalistas fizeram matérias em grandes veículos de informação, alegando que a Orbe deveria ser inteligente e investir na teoria dessa romance fake. Porém, uma vez que citadas anteriormente, “Negócios da China” e “Sol Nascente” já foram protagonistas de grandes polêmicas sobre yellowface, mas não só. Houve casos, uma vez que “Caminhos das Índias”, que estereotipavam pessoas asiáticas marrons de prosápia indiana. Porém, tomando uma vez que base, todo ativismo antirracista, a empresa tem tomado mais desvelo e escalando artistas que representem de verdade suas raças e etnias. Um exemplo também de que equipes por trás das produções da emissora têm tido mais cautela, foi quando o ducto Viva cortou uma cena de blackface na reprise de capítulos de Malhação que foi ao ar em 1998.
Não é engraçado quando o racismo recreativo toma uma proporção dessa, quando pessoas racializadas ou uma cultura se tornam piadas, memes e viralizam dessa forma. Se depois de todas essas explicações, você ainda estiver rindo, tenho uma notícia pra você: Você está sendo racista.
Assinam esse texto:
Tati Takiyama
Ana Hikari
Bruna Tukamoto
Bruna Aiiso
Jacqueline Sato
Aya Matsusaki
Anna Akisue
Claudia Okuno
Carlos Chen