A Lar Social aguarda as contribuições dos governadores para encaminhar ao Congresso Pátrio a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública. A primeira versão da teorema, elaborada pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, foi apresentada em 31 de outubro aos mandatários em reunião no Palácio do Planalto com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O objecto foi novamente discutido pelos governadores em encontro com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, no final de novembro e nesta quarta-feira (4) pelos secretários de Segurança Pública de todo o país durante a 92ª Reunião Ordinária do Recomendação Pátrio de Secretários de Segurança Pública (Consesp). Os dois eventos ocorreram em Brasília.
No dia 10 de dezembro, está programado um novo encontro com os governadores do Brasil para fechar pontos de convergência e formalizar sugestões à PEC. O lugar e horário do novo fórum não foram definidos,
A PEC altera a redação dos artigos 21, 22, 23 e 24 – que tratam das competências da União, privativas ou em generalidade com os estados, municípios e Província Federalista – e muda o cláusula 144, sobre os órgãos que cuidam da segurança pública em todo o país.
Com a PEC, o governo federalista pretende dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado por lei ordinária em 2018 (Lei 13.675). Ou por outra, quer levar para a Constituição Federalista as normas do Fundo Pátrio de Segurança Pública e Política Penitenciária, unificando os atuais Fundo Pátrio de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário; e também quer aumentar as atribuições da Polícia Federalista (PF) e da Polícia Rodoviária Federalista (PRF) – que passaria a ser chamada de Polícia Ostensiva Federalista.
Há entre alguns governadores a preocupação de que a PEC possa esvaziar competências estaduais sobre a segurança pública e sobre as polícias civis e militares. O ministro Lewandowski assegura que isso não ocorrerá.
Segundo ele, a PEC trata exclusivamente do papel da União: “não mexe em uma vírgula na cultura das polícias civis, na cultura das polícias militares, no comando que os governadores têm sobre estas forças e também não tem nenhuma ingerência no que toca a direção das guardas municipais por segmento dos prefeitos locais. Portanto, nós só estamos tratando das competências federais”.
O ministro participou na última terça-feira (3) de audiências em comissões parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federalista. De harmonia com suas explicações, o propósito da PEC é universalizar as políticas de segurança pública sem mexer na cultura de governadores.
Câmeras corporais
Apesar do esforço de diálogo do ministro com governadores e parlamentares, o consenso em torno de medidas para a segurança pública será difícil em envolvente político polarizado “que prejudica todo e qualquer debate sobre segurança pública”, aponta o procurador André Santos Pereira, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp), em entrevista à Filial Brasil.
Em sua avaliação, a PEC centraliza na União o regramento da atuação das forças de segurança. E impõe a todas as polícias a obrigatoriedade de cumprimento de normas estabelecidas pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo federalista.
Pereira antevê uma vez que primeira discordância a eventual obrigatoriedade de os policiais usarem câmeras corporais e manterem ligadas ao abordarem a população. “A câmera pode ser uma utensílio importante para redução da obituário policial”, reconhece. Mas, segundo ele, “vai ter um polo político que vai manifestar: ‘ah, mas o policial vai se sentir inibido em realizar uma ação mais enérgica. Inclusive, quando estiver com sua vida sendo colocada em risco.”
O procurador ainda se preocupa com o que labareda de “ampliação das atribuições” das forças de segurança federais, e com o “esvaziamento das funções” das policiais civis e militares dos estados. Para ele, há risco das mudanças causarem “intercepção de competências” e até conflitos. Ele, no entanto, avalia positivamente a PEC ao unificar o Fundo Pátrio de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário.
Polícia sem controle
A advogada Carolina Diniz, da ONG brasileira Conectas Direitos Humanos (Programa de Enfrentamento à Violência Institucional), pensa de forma dissemelhante do procurador e faz ressalvas à junção dos fundos. Ela teme que a unificação resulte na disputa de recursos, e o verba hoje talhado à ressocialização de pessoas presas seja remanejado para o financiamento da repressão policial.
“A taxa do sistema prisional com todas suas especificidades vai ser cada vez mais apagada pela taxa de segurança pública.” Para Diniz, o risco da “lógica policial” é tornar os presídios estritamente peças de um “sistema de contenção social”.
O redirecionamento da verba do Fundo Penitenciário e outras medidas da PEC podem ajudar a escalar o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Por essas razões, a advogada alerta para a “ampliação do Estado policial”.
Para ela, a PEC da Segurança Pública desperdiça a oportunidade de mudar o perfil de atuação das polícias, incentivando mais ações de lucidez e fortalecendo os mecanismos de controle extrínseco.
“Vários estados que batem recordes no índice de obituário policial, com denúncias de tortura, têm polícias que estão sem controle qualquer. E nesses estados, as instituições que deveriam praticar controle, estão sem diretrizes muito claras, muito definidas, que coloquem o controle da atividade policial uma vez que uma das prioridades de atuação.”
Impunidade ostensiva
“Me parece que nós temos aí a sedimentação da lógica militarizada no combate à criminalidade. É uma vez que se nós estivéssemos em um grande campo de guerra. As vítimas desse combate a gente já sabe quem são. Os relatórios nacionais e internacionais comprovam muito muito isso: são os pretos, os pobres e os moradores de áreas menos favorecidas.”, acrescenta o psicólogo Adílson Paes de Souza, pós-doutorando no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
Na sua opinião, a PEC é “enganosa” e não toca em pontos essenciais para discutir a segurança pública. Ao contrário, ao transformar a Polícia Rodoviária Federalista em Polícia Ostensiva Federalista, replica em nível vernáculo o insucesso do protótipo de duas polícias das unidades federativas – uma de caráter judicial e de investigação, responsabilidade da Polícia Federalista, e outra de policiamento preventivo e repressor, que ficaria a fardo da novidade polícia ostensiva.
“Estamos reproduzindo o que nós temos nos estados e no Província Federalista, que não é eficiente, que não é eficiente. Produz atrito, mas não produz segurança pública”, diz. Segundo Souza, o protótipo não tem bons resultados. “Nós temos a baixa elucidação de crimes contra a vida e uma baixíssima elucidação de crimes contra o patrimônio. Ocorre impunidade pela ineficiência de prevenção e, depois, de apuração e prisão dos autores dos fatos”, critica o psicólogo ao alongar: “essa PEC não toca nisso.”
Para Adilson de Souza, a polícia elucida poucos crimes, mas mata muitas pessoas. “Temos um novo tipo penal no Brasil, a morte do suspeito. Todo mundo é suspeito e todos que são mortos pela polícia eram ‘suspeitos’. Infelizmente, é isso que acontece”, lamenta.
De harmonia com o perito, a subida mortandade provocada pela polícia não tem preferência partidária, pois ocorre em governos estaduais ditos “progressistas” e “conservadores”. “Existe uma confluência de ideias e práticas entre governos de esquerda e de direita quanto à preferência uma polícia militarizada e uma polícia mortal.”
A taxa média da obituário policial no ano pretérito foi de 3,1 mortes por 100 milénio habitantes. Mas, em algumas cidades, esse indicador é muito superior. As cidades com as maiores taxas de obituário policial são Jequié (BA), com 46,6 mortes por 100 milénio habitantes, seguida por Baía dos Reis (RJ), com 42,4; Macapá (AP), com 29,1; Eunápolis (BA), com 29,0; Itabaiana (SE), com 28; Santana (AP), com 25,1; Simões Rebento (BA), 23,6; Salvador (BA), 18,9; Lagarto (SE), 18,7; e, Luís Eduardo Magalhães (BA), 18,5.
Os dados são do Fórum Brasiliano de Segurança Pública (FBSP), ONG criada em meados dos anos 2000. O fórum calcula que, entre 2013 e 2023, a obituário policial no país aumentou 188,9%.
Rentabilidade eleitoral
Para a antropóloga e pesquisador política Jacqueline de Oliveira Muniz, professora do Departamento de Segurança Pública e do Mestrado de Justiça e Segurança Pública da UFF, a obituário policial propicia muitos votos. “Boa segmento dos estados produzem políticas de instabilidade, porque têm elevada rentabilidade eleitoral.”
Conforme Muniz, que dirigiu o Departamento de Pesquisa, Estudo da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública do Ministério da Justiça no primeiro governo Lula, atividades preventivas e de investigação têm visibilidade menor do que as operações. “O arroz com feijoeiro da segurança pública não produz filme, não é instagramável.”
Com apelo popular, as grandes operações se tornaram em mais de um estado “a principal modalidade de serviço de recursos policiais”. Para a professora, isso tem a ver com o que labareda de “polícia de espetáculo, polícia de ostentação.” Mas, além de produzir susto aos moradores onde ocorrem, as imagéticas operações policiais acabam por “exaurir a capacidade repressiva da própria polícia. Tem uma coisa que as pessoas precisam entender: o recurso repressor é escasso.”
A perito contabiliza: “para fazer uma operação 100 policiais é preciso provisionar murado de 400 policiais, porque os policiais têm turnos e escalas de trabalho. Mobilizar tantas pessoas gera escassez de capacidade da própria organização prover policiamento cotidiano para a população. Na prática, uma polícia que fica brincando de síndrome do cabrito – sobe e desce o morro, mas não permanece – cede lugar para que o violação organizado faça o policiamento convencional.”
Sistema Único de Segurança
Uma vez que outras fontes ouvidas pela Filial Brasil, a professora Jacqueline Muniz considera positivo dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), mas apesar do nome, a PEC em discussão entre o governo federalista e os governadores não espelha o Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecido na Constituição Federalista de 1988.
Para o funcionamento do SUS, a Constituição “não estabelece que ao hospital tal compete fazer tal coisa. Ou ao posto de saúde tal compete fazer tal coisa. No SUS, não são corporações que adquirem status quo. O que está definido no SUS são as competências dos entes federados, o que dá capacidade de gestão ao prefeito, ao governador e ao presidente legitimamente eleitos”, lembra a professora.
Para ela, a PEC em discussão mantém o que já existe na legislação atual de segurança pública: “monopólios policiais – o que cabe a PM fazer, o que cabe à Polícia Social, à PF, à PRF fazer e às guardas municipais.” De harmonia com a perito, a dificuldade em fazer “reformas estruturais” na segurança pública está nos atores empoderados do campo. “As instituições policiais são mais fortes que os governos eleitos.”
No caso do Susp, Jacqueline Muniz reforça que “é necessário pensar em competências partilhadas, não unicamente as exclusivas, entre União, estados e municípios. Por que é preciso ter competências partilhadas? Porque se por um possibilidade tiver uma greve, uma tentativa de tomada de poder, um golpismo qualquer, a sociedade não é paralisada, nenhum Estado é paralisado.”
Força Pátrio
Preocupação semelhante tem o sociólogo Luis Flávio Sapori, professor da PUC Minas e porta-voz do Fórum Brasiliano de Segurança Pública. “É trajo que o governo federalista precisa, sim, de uma polícia ostensiva que possa atuar em situações, por exemplo, de greves de polícias estaduais. Uma força policial federalista que possa ser mobilizada em momentos de crise da segurança pública dos estados.”
Atualmente, esse papel cabe à Força Pátrio de Segurança Pública, criada em 2004. A PEC proposta pelo governo federalista é omissa em relação à manutenção dessa força e prevê que suas atribuições serão desempenhadas pela futura Polícia Ostensiva Federalista derivada da PRF. “Não tem sentido ampliar as atribuições da Polícia Rodoviária Federalista mantendo a Força Pátrio.”
Sapori, que acumula experiência no comando de secretarias de segurança municipal e estadual, teme que a PEC possa ter uma vez que efeito “corporativismo” e “sobreposição’ das organizações policiais. “Nós vamos produzir forças federais muito competitivas e antagônicas entre si. Isso gera um protótipo policial federalista desarticulado.”
Para ele, “a medida mais adequada seria transformar a Força Pátrio em uma polícia efetiva e ostensiva de suplente, que pudesse ser mobilizada quando necessário. Uma Força Pátrio com interino, estrutura e comando próprios, e com carreiras específicas.”