Peça Cria Planeta De Lixo Para Falar Da Crise Climática

Peça cria planeta de lixo para falar da crise climática – 12/06/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Palato do cheiro de pele de penosa e mato molhado”, declara a atriz Maria Manoella, enquanto esparrama, displicente, o teor de uma sacola de lixo pelo palco. Aquela é a preparação do cenário do espetáculo, alerta sua personagem, ranzinza e sem nome, mas ela preferia com certeza estar no interno, de férias ou capinando o mato na roça de onde veio.

O palco é uma vez que um planeta novo em “Cá Proeminente a 1 Trilhão”, peça assinada e dirigida por Elisa Ohtake, que questiona o sentido do teatro num mundo desconectado da natureza e à ourela de um colapso.

Cada um dos 12 personagens entra em cena unicamente uma vez, sozinho, para racontar de onde veio e o que deixou para trás para estar ali no momento, preparando o cenário.

São viajantes sem nome, que trazem pedaços de plástico colhidos nas paisagens naturais onde estavam, quase uma vez que suvenires de uma verdade distópica —e assombrosamente próxima. As roupas futuristas também feitas de plástico, criadas por Juliano Lopes, se somam à trilha sonora eletrônica para substanciar a teoria de que as histórias se passam fora do planeta Terreno.

Filha do arquiteto Ruy Ohtake e da célebre diretora e atriz Célia Helena, Ohtake seguiu os passos da mãe, com o diferencial de que a dança e a performance exercem um papel meão em seu trabalho.

Em “Cá Proeminente a 1 Trilhão”, o destaque para o corpo vai além do balé sobre gelo falso do ator Roberto Alencar, que entra no palco com uma cobertura de plástico preta estilo “Matrix” anunciando que foi contratado para fazer um proclamação de vitamina C no polo sul.

Todos os sem nome estão com raiva ou desesperados. Esses sentimentos são extravasados em gesticulações exageradas, gritos repentinos ou até em socos, pulos sobre montanhas de plásticos e na ruína de objetos em cena.

Manoella, por exemplo, bate cabeça e grita ao estilo heavy metal enquanto relembra o saudoso cheiro do mato. “É uma grande gaudério, uma antítese dessa teoria do campo contemplativo e escarificador”, diz.

Em novembro do ano pretérito, a atriz deu vida a “Escute as Feras”, livro da antropóloga francesa Nastassja Martin, em um solilóquio sobre uma vez que o encontro repentino com um urso muda profundamente a sua vida e a do bicho.

Outro personagem, vivido por Michel Joelsas, traz dois sacos de resíduos encontrados em “um terreno baldio na Amazônia”. Em seguida, ele espanca a rima de plástico com um martelo antes de se pendurar em uma corda e, uma vez que um salto no ruína, descartar a si próprio sobre o lixo.

O ódio reprimido de cada um deles incendeia a revolta generalidade diante de um mundo contaminado. O ator Rodrigo Pandolfo, ator de “Minha Mãe É Uma Peça”, entra em cena vestindo um casaco transparente com vários bolsos.

A cada momento ele diz que veio de um lugar dissemelhante, para em seguida desmentir a si próprio em cena. Para dar verdade a suas narrativas, tira de dentro dos vários bolsos de um casaco transparente provas de onde esteve, uma vez que uma garrafa plástica com a chuva de um superabundante rio que banhava um vilarejo e que, na verdade, era seu esgoto.

“O teatro brinca com a peta, e ele está incessantemente revelando esse jogo”, diz Ohtake. “Os lugares os transformam. O mundo é trazido para o teatro ironicamente, em forma de lixo”. Há certa nostalgia nas descrições dos viajantes, uma vez que se estivessem de luto pelas paisagens que viram.

Outra viajante discorre sobre uma performance teatral que faria em meio a duas montanhas na serrania dos Andes. Impactada pela magnitude do cenário, ela repete que, depois de ver aquilo, já estava pronta para morrer.

Outros, porém, parecem alienados. Uma influenciadora do dedo, vivida por Aretha Sadick, entra em cena jogando computadores pelos ares e anunciando a sua mais novidade geração, uma robô virtual que criará as paisagens do horizonte. Outro está perdido e não lembra onde esteve. Perturbado pelo colapso ambiental, ele não consegue suportar, porque não pertence a lugar qualquer.

O último dos personagens a se apresentar, um malabarista que a diretora encontrou na esquina da avenida Rebouças com a Brasil, em São Paulo, conta a única história real dentre as 12 do espetáculo. “Ele me disse que viajou por sete países da América Latina só com o verba que ganhou fazendo malabarismo. Tudo a ver com a peça”, diz Ohtake.

“Estamos perdendo a qualidade de presença na vida, cooptados pelas telas de celular”, diz Manoella. Ela classifica a violência expressiva dos viajantes uma vez que um manifesto radical de presença. “O vigor, a força e a intensidade desse espetáculo são sinônimos de presença, que está cada vez mais obsoleta.”

O retorno de todos ao palco para preparar a peça é uma ode ao teatro. “Sem ator e plateia, não existe teatro. Teatro é presença. É radicalmente um encontro”, afirma Manoella.

“O auge do teatro durou mais de 20 séculos, até a chegada da televisão. O teatro é ferida que não morre”, brada a personagem que finaliza o espetáculo. Depois que todos terminaram de montar o cenário, a atriz Georgette Fadel entra uma vez que uma extraterrestre, vinda de outra galáxia ou do horizonte, que não tem papas na língua.

“O que é o cá num mundo onde ninguém mais lembra do cá, onde não se presta mais atenção no cá? Cá, a natureza é fantasma”, ela diz.

Mas há outro motivo pelo qual os viajantes voltam ao palco, uma metáfora para o presente. Parafraseando a bióloga Donna Haraway, a estranho lembra que escolhe o problema porque é a partir dele que alguma coisa pode ocorrer. “É sempre a partir do cá, de encarar o que está acontecendo que alguma coisa pode mudar”, afirma Ohtake.

Folha

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