Em qualquer momento de sua história recente, a Netflix se impôs o repto de provar que seria capaz de produzir uma romance brasileira com o padrão de qualidade equivalente às da Orbe. “Pedaço de Mim”, com exclusivamente 17 episódios, entregue ao público neste término de semana, não pode ser chamada de romance, mas é uma boa indicação da capacidade da empresa americana.
“Pedaço de Mim” é um passatempo simplório, que tomada a atenção do testemunha com situações apelativas, repleto de diálogos pobres, ousadia zero em material de direção e, uma vez que não poderia faltar, vários momentos de enrolação, a chamada “ventre”.
Para deixar mais compreensível, sou obrigado a dar alguns spoilers sobre a trama. Porquê Gloria Perez fez em inúmeras de suas novelas, a autora de “Pedaço de Mim”, Angela Chaves, poderá expor que a maluquice que mantém a sua trama em pé está calcada na veras. No caso, uma exigência raríssima em que uma mulher fica prenha de gêmeos de pais diferentes.
Liana, papel de Juliana Paes, é uma terapeuta que mora na zona sul do Rio de Janeiro. No pausa de dois dias, engravida do marido, o bem-sucedido jurisperito Tomás Rosenthal, interpretado por Vladimir Brichta, e também de Oscar, papel de Felipe Abib, o irmão de sua melhor amiga, Débora, vivida por Martha Nowill.
A relação sexual com Oscar configura um estupro. Liana está alcoolizada, toma um ecstasy, mas consegue expor ao sujeito que não quer transar. Ele não respeita o pedido e ainda tira a camisinha sem que ela note, durante o sexo.
Isso ocorre no início da trama e, a partir daí, quase todas as situações dramáticas vão intercorrer por motivo da dificuldade que Liana tem de conviver com o drama. “Meu traumatismo, minha vergonha. Racontar que fui violentada? Porquê uma mãe conta um negócio desses para os filhos?”, ela diz.
Durante 18 anos, ela não fala com ninguém a reverência, não procura ajuda de nenhum tipo, seja terapia, seja judicial, e acredita que poderá esconder esse sigilo até o término de sua vida. “A gente não pode mudar o que aconteceu”, ela diz, em outro momento.
O tema é de uma atualidade gritante, mas a situação criada impede que seja desenvolvido de forma mais corajosa. Porquê Liana está prenha de dois meninos, a opção do monstro do embrião que é fruto do estupro logo é descartada, já que poria em risco a vida do outro embrião. A trama, portanto, passa rápido e superficialmente pelo que poderia ser um grande matéria.
“Pedaço de Mim” não é uma romance porque estreia totalmente gravada. Não pode, por esse motivo, tolerar alterações durante a sua exibição em função de demandas dos espectadores ou em resposta a acontecimentos reais que tenham pontos de contato com a trama. Não é uma “obra ocasião”.
A Netflix a apresenta uma vez que uma série, o que também não é correto. Além de ser mais longa do que as séries dramáticas tradicionais, abraça sem pudor aquela que é considerada a forma mais simples e popular de racontar histórias em capítulos —o melodrama.
Por esse motivo, em qualquer momento do processo de desenvolvimento, a Netflix caracterizou “Pedaço de Mim” uma vez que “uma série de melodrama”. Foi uma forma de informar ao mercado que a empresa estava deliberadamente produzindo alguma coisa num padrão mais popular que o habitual.
Toda essa conversa só importa porque o gigante americano do streaming quis deixar clara a sua intenção de explorar o gênero que o testemunha brasiliano mais gosta e que, por cultura própria, a Orbe transformou num dos pilares de sua programação há quase 60 anos.
No catálogo da Netflix estão disponíveis inúmeras outras “séries de melodrama” ou novelas produzidas em países uma vez que Colômbia, México, Turquia e Coreia do Sul. Cada uma delas têm as suas características e agrada a diferentes perfis de espectadores.
A sofreguidão de fazer uma romance uma vez que as da Orbe representa um passo além. É um meneamento ao público, uma vez que se a empresa estivesse dizendo “cá também tem”, e uma exibição de poder à indústria.
Não custa lembrar que desde o início da dez passada, pelo menos, a Netflix ambicionava exibir novelas da Orbe em sua plataforma, mas a empresa brasileira nunca quis negociar os direitos de suas tramas, acreditando que as deveria vigilar para o seu próprio serviço de streaming.
Fazer a própria romance brasileira se tornou mais viável nesta dez, com a disponibilidade cada vez maior de profissionais egressos da Orbe, de todos os elos da calabouço de produção, incluindo atores com capacidade de protagonizar esses melodramas.
Lamento que a Netflix não tenha aproveitado a liberdade maior que uma produção para o streaming poderia oferecer na confrontação com uma produção para a TV ocasião.
O resultado é um feijoeiro com arroz bem-feito. A série termina cada incidente com ganchos fortes e atraentes. O melodrama se faz seguir por boas pitadas de suspense e uma reviravolta surpreendente no meio da trama. A história prende, mesmo sendo muitas vezes previsível.
Porém, são incontáveis e cansativas as cenas em que dois personagens ficam rostro a rostro, sem se mexer, conversando em projecto e contra-plano. O roupa de a história ter basicamente exclusivamente um núcleo é também um limitador.
O excesso de imagens fechadas no rosto dos protagonistas, com olhos arregalados e rostro de sofrimento, realça o melodrama, mas não permite ao testemunha considerar o totalidade talento dos atores.
A obra mostra que não é tão difícil imitar a Orbe, mas a produção deixa um palato de frustração. É necessário investir tempo e recursos numa produção que deixa a desejar?