Percival Everett é um redactor com trajetória incomum. Desde menino dava sinais de que não era uma vez que os outros meninos.
“Eu costumava jogar beisebol na puerícia, mas achava muito raso. Uma vez, durante o jogo, me chamaram a atenção porque fui pego lendo Kurt Vonnegut, numa edição de bolso escondida na minha luva de beisebol. Foi o responsável que deu liberdade à minha imaginação”, recorda o responsável americano à Folha.
Na conversa por vídeo, Everett, que estava em sua lar na Califórnia, dava uma pausa para refletir antes de cada resposta, de um jeito tranquilo e atencioso. Ele usava um boné azul liso, uma camisa escura e, junto à parede, havia duas estantes abarrotadas de livros.
Poucos dias depois, o redactor e professor da Universidade do Sul da Califórnia ganharia seu primeiro prêmio Pulitzer aos 68 anos com seu novo romance, “James”, também vencedor do National Book Award. O livro acaba de trespassar no Brasil pela Todavia.
Se em “Erasure”, seu romance adequado para o cinema uma vez que o vencedor do Oscar “Ficção Americana”, Everett satirizava as imposições e regras não escritas do mercado editorial, em “James” ele imagina “As Aventuras de Huckleberry Finn” contadas a partir da perspectiva de Jim, ou James, o servo fugitivo e parceiro do protagonista do livro de Mark Twain.
Segundo Everett, o romance de Twain ocupa papel meão na cultura do seu país: foi a primeira vez em que a escravidão não foi o tema de um romance de protesto. A tentativa do responsável era compreender quais eram os efeitos dela não exclusivamente no escravizado, mas também em quem escravizava.
Além de redactor, Everett é músico. “O ritmo da minha escrita e do meu humor vêm do jazz. Embora, evidente, eu também seja fã de outros estilos, blues e música clássica, por exemplo. Mas mesmo na música clássica a secção que mais me interessa é a improvisada. O que para mim é encantador é o roupa de que, na música, há exclusivamente 12 notas na graduação, mas, ainda assim, existem milhões de canções.”
Sua escrita sempre foi permeada por influências inusitadas —Everett cresceu seduzido com a técnica, o tempo e a sofisticação formal dos textos dos comediantes negros de sua geração. “Fui influenciado por Richard Pryor e Dick Gregory. E havia outros comediantes de quem trabalho linguístico também me interessavam. George Carlin, por exemplo.”
Por outro lado, também curtia temas mais áridos, uma vez que filosofia da linguagem. “Eu estudei Wittgenstein, e secção do que sei sobre a relação entre linguagem e literatura vem daí. Eu me interesso por questões filosóficas, mas sempre escolho desenvolvê-las pela literatura.”
Sua capacidade de refletir a saudação de seu processo criativo é incomum e sofisticada. “Não acho que alguém seja capaz de ler o meu trabalho e declarar que eu estou lidando com esse ou aquele problema filosófico. Mas acho que existem circunstâncias que trazem à tona questões morais e da construção de sentido. Você sabe, certas questões éticas, ou se nós, uma vez que seres humanos, sabemos o que é de roupa erigir um sistema ético, até porque ele não existe no vácuo.”
A teoria meão de “James”, se é que ela pode ser resumida, é a de que a negritude —”blackness”, em inglês— é uma performance, portanto uma construção sintético, que se faz prioritariamente através da linguagem.
Jim, o personagem de “Huckleberry Finn”, é unidimensional, infantilizado e simplório. Já, no livro de Everett, descobrimos que Jim é exclusivamente uma performance de James, um intelectual erudito que discute em seus sonhos com Voltaire e John Locke.
O que a obra de Everett indica é que a melhor forma de combater o racismo é com ironia e uma lucidez sutil. “Podemos zombar do problema, reconhecê-lo e nos tornar mais próximos por justificação disso e daquilo. E isso requer uma atitude muito saudável com relação à diferença”, afirma.
O reconhecimento da injustiça e o libido de mourejar com ela não têm a ver com se sentir culpado, uma vez que pontua o responsável. “A culpa que os liberais sentem é exclusivamente uma procura por penitência. É uma maneira de assumirem o protagonismo de um problema que, na verdade, é da sociedade e da cultura.”
Por outro lado, com relação à visão racial dos conservadores, argumenta que “eles negam a história”. “Interpretam qualquer tipo de reconhecimento dos impactos do racismo na sociedade uma vez que uma espécie de recepção de culpa. Na nossa cultura há pouco pensamento coletivo. É tudo voltado para uma lógica ultraindividualista.”
Diante de uma pergunta sobre as principais semelhanças e diferenças entre seu humor e o de Twain, ele comenta que ambos são irônicos e consideram o ser humano “um bicho tolo e infeliz”.
“Por outro lado, Twain estava mais preocupado com o vista mercantil de sua arte do que eu. Não estou interessado em aprazer ninguém, e acho que Twain estava. Não me entenda mal. Fico feliz quando acontece, mas não é o que me motiva.”
Uma reportagem do jornal The New York Times sobre os bastidores da premiação de “James” no Pulitzer afirma que o livro não foi a primeira escolha entre os cinco membros do júri, mas o quarto da lista.
Ele teria sido nomeado vencedor porque os três finalistas não possuíam a maioria dos votos e, em casos uma vez que esse, há duas opções —nomear a obra seguinte da lista ou não nomear ninguém. Há quem cite essa tecnicidade da eleição uma vez que demérito do livro.
Também houve críticas sobre uma suposta injustiça com as três autoras finalistas, preteridas por um varão. No entanto, o roupa de que o varão em questão seja um responsável preto, com uma trajetória de livros experimentais publicados quase sempre por editoras independentes, não costuma ser citado uma vez que um vista relevante.
É alguma coisa que soa, por fim, uma vez que o revés de um romance satírico escrito pelo próprio Everett —um glosa melancólico, irônico, a saudação do debate sobre flutuação e o estado da cultura nos dias que correm.