Pesquisadora Brasileira Recebe Prêmio Internacional De História

Pesquisadora brasileira recebe Prêmio Internacional de História

Brasil

A pesquisadora Laura de Mello e Souza foi escolhida pelo Parecer do International Commitee of Historical Sciences (ICHS) para receber o Prêmio Internacional de História. A historiadora, que começou seus estudos na espaço em plena ditadura militar, é a primeira mulher e a primeira pessoa do continente sul-americano a lucrar o prêmio.

Laura lecionou no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) de 1983 a 2014. Ocupou também a cátedra de história do Brasil na Universidade de Sorbonne, em Paris.

Em entrevista no Dia Internacional da Mulher, Laura ressaltou as dificuldades que as mulheres enfrentam ainda hoje em suas carreiras, tanto por pretexto do tempo disponível quanto pelo reconhecimento profissional, em uma sociedade marcada pela desigualdade de gênero.

“As conquistas obtidas pelas mulheres são fruto sobretudo da luta e do sofrimento delas, e a luta tem de ser cotidiana, pois o mundo ainda é dos homens”, disse Laura à Dependência Brasil

O prêmio deve ser entregue em outubro deste ano, em Tóquio, durante cerimônia que marcará a Parlamento Universal do Comitê Internacional de Ciências Históricas.

Leia a entrevista da pesquisadora

Dependência Brasil – Porquê você decidiu estudar história? 

Laura Souza – Sempre gostei de história, desde pequena, mas hesitei muito em seguir o curso quando estava para terminar o ensino médio. A ditadura militar investira pesado contra as ciências humanas, e muitos professores da USP e de outras universidades, que ensinavam nessa espaço, tinham sido cassados ou haviam deixado o país. Pensei em arquitetura, medicina e psicologia, mas o paixão pela história falou mais possante, e entrei no curso de história da USP em 1972. 

Dependência Brasil – Quais foram as suas referências?

Laura Souza – Eu gostava muito de ler sobre a Grécia antiga, me interessava pela cultura clássica e adorava romances históricos. Mas creio que foi a leitura de Caio Prado Jr (História Econômica do Brasil), ainda no ensino médio, e a de Jacob Burkhardt, no mês que antecedeu minha ingressão na USP (Cultura do Renascimento na Itália), que me marcaram decisivamente.
Uma vez na universidade, fui muito influenciada pela historiografia francesa da revista Annales, por autores uma vez que Jacques Le Goff, Marc Bloch e Philippe Ariès e pelos historiadores da micro-história italiana, uma vez que Carlo Ginzburg. Dentre os brasileiros, sempre Caio Prado Jr, mas sobretudo Fernando Novais e Sérgio Buarque de Holanda. 

Dependência Brasil – Em que tema você começou suas pesquisas? 

Laura Souza – Comecei com a história contemporânea: escrevi um texto de pesquisa verbal sobre o lazer em São Paulo no entre-guerras, e fiz a pesquisa histórica para um documentário de Lauro Escorel sobre o movimento operário brasílico no primeiro quartel do século 20, Libertários.
Depois, mudei de período e comecei a pesquisar a pobreza e a marginalidade em Minas Gerais no século 18. Esta foi a minha porta de ingressão na pesquisa acadêmica, ali me fiz historiadora.
Desde portanto, mudei muito de tema. Meu doutorado foi sobre a feitiçaria e a religiosidade popular entre os séculos 16 e 18. Em trabalhos posteriores, estudei as visões negativas que incidiram sobre a América Hispânica; a governo colonial e a trajetória dos governadores portugueses que iam para as conquistas ultramarinas; escrevi a biografia de um poeta do século 18 que se envolveu na Inconfidência Mineira, Cláudio Manuel da Costa, e meu último livro publicado tratou das visões de natureza no século 18, em Minas Gerais. Organizei ainda um volume sobre o cotidiano e a vida privada no Brasil colonial. 

Dependência Brasil – Atualmente que tema você pesquisa? 

Laura Souza – Tenho dois projetos em curso. O mais idoso aborda o deslocamento de três cortes europeias cujos países foram invadidos pelos exércitos revolucionários franceses entre os últimos anos do século 18 e o início do século 19. O mais recente estuda três escritos literários sobre regiões diferentes do predomínio português no século 17.

Dependência Brasil – Quais dificuldades você encontrou na curso de pesquisadora e de professora?

Laura Souza – Encontrei as dificuldades inerentes à quadra em que vivi. Os documentos não estavam digitalizados, era preciso viajar para consultá-los, a consulta era difícil, sobretudo quando os arquivos eram privados. Enfim, zero estava informatizado, e eu sempre trabalhei muito e ainda trabalho com documentos manuscritos e não publicados.
Por outro lado, pertenço a uma geração privilegiada, que teve bolsas de pesquisa porque as agências mais importantes de financiamento já existiam, uma vez que a Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], em nível estadual, a Capes [Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], no contexto federalista. Nesse sentido, foi mais fácil para nós do que tem sido para as gerações posteriores, que viveram recentemente um período tenebroso, com ameaço e galanteio de verbas para a instrução e a pesquisa. 

Dependência Brasil – Porquê foi receber o Prêmio Internacional de História? 

Laura Souza – Foi uma grande honra e sobretudo uma grande surpresa. Há grandes historiadoras e historiadores no mundo, certamente mais merecedores do que eu. Mas fiquei feliz porque mostra a força da historiografia brasileira, que é cada vez mais reconhecida em nível internacional, e conta com excelentes especialistas.
Aliás, recebi muitas mensagens afetuosas de mulheres historiadoras, que se sentiram incentivadas e prestigiadas com essa premiação, porque sabem que é muito mais difícil ter tempo disponível para a pesquisa e reconhecimento profissional quando se é mulher, já que as tarefas domésticas e a geração de filhos ainda recaem mais sobre elas do que sobre os parceiros.

Dependência Brasil – O que você considera importante ressaltar no Dia Internacional da Mulher?

Laura Souza – Que as conquistas obtidas pelas mulheres são fruto sobretudo da luta e do sofrimento das mulheres, e que a luta tem de ser cotidiana, pois o mundo ainda é dos homens. As mães têm de educar filhos homens que respeitem as mulheres e sejam solidários a elas. A lei tem que prometer paridade entre os sexos em todos os sentidos. As agressões e assassinatos têm de ser severa e implacavelmente punidos. É muito triste que ainda estejamos longe disso.
Torço para que os avanços se tornem cada vez mais significativos. Finalmente, minha filiação é totalmente feminina: tenho três filhas e três netas, e espero que o mundo seja mais hospitaleiro para elas.

Fonte EBC

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