Em dezembro de 2021, entrou em papeleta “Madalena”, filme que põe em primeiro projecto a violência contra a comunidade trans numa cidade de Mato Grosso do Sul. Há nuances, mas a tensão percorre a produção do primícias ao termo.
Menos de um ano depois, estreou “Paloma”, sobre uma mulher trans que quer se matrimoniar de vestido branco na igreja católica. Em meio à procura do sonho, ela trabalha na colheita de mamões, conversa com amigas e se diverte na praia.
Encerrada no último sábado, a Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais, exibiu pelo menos seis filmes com personagens trans entre os protagonistas de um totalidade de 145 produções do país. São trabalhos diversos, mas um caminho os une —estão mais próximos da abordagem de “Paloma” do que a de “Madalena”.
É o caso de “Tudo o que Você Podia Ser”, único longa-metragem dentro desse recorte —os demais são curtas.
O filme dirigido por Ricardo Alves Júnior mostra o último dia da travesti Aisha em Belo Horizonte antes de se mudar para São Paulo, onde vai se destinar a uma novidade período de estudos. Enquanto se preparam para uma sarau, Aisha e as amigas Bramma, Igui e Will, todas da comunidade LGBTQIA+, dividem confissões, trocam gestos de afeto, fazem piadas.
O longa não foge dos problemas, porquê a violência decorrente da discriminação, mas expõe o cotidiano de uma pessoa trans muito além das questões ligadas ao gênero. Existe no filme uma variedade de anseios e preocupações.
“Dos trabalhos no cinema que eu conheço, poucos não nos associaram a estereótipos, mostrando trans porquê escandalosas, violentas, libidinosas. Mas acho que os filmes da atualidade começam a seguir um outro caminho”, afirma a travesti Aisha —as personagens do filme levam os mesmos nomes das atrizes.
Segundo ela, as “fagulhas” de mudança, porquê descreve, se devem ao veste de que mulheres e homens trans “já não aceitam caladas uma personagem que expõe toda a comunidade a situações ridículas”.
Por outro lado, Aisha lamenta que Tiradentes, uma das principais vitrines do cinema brasiliano contemporâneo, tenha unicamente um longa com trans nos papéis principais.
Retratar a comunidade trans numa nota só, porquê a do sofrimento, é um equívoco, argumenta Bramma —”pessoa trans não binária, travesti e também mulher trans; não consigo me identificar”, ela diz.
“É preciso trazer multiplicidade. A Aisha é de uma forma, eu sou de outra”, diz Bramma. “Não acho que o problema seja simbolizar o drama, o problema é fazer só drama.”
O curta “Pirenopolynda” começa com uma conversa da travesti Tita Maravilha com duas amigas enquanto preparam pamonhas. Aos poucos, vamos descobrindo a potente relação dela com a fé católica.
Além de Tita, o filme é dirigido por Izzi Vitorio, transmasculino, e Bruno Victor, varão cisgênero —que se identifica com o gênero eleito a ele no seu promanação.
Segundo Vitorio, um dos maiores clichês do audiovisual com trans é “a cena em que uma travesti está na frente do espelho se violentando ou o boy trans está amarrando os peitos e se odiando, também na frente do espelho”. “Reforça a teoria de que não gostamos do próprio corpo.”
Na visão dele, é indispensável que filmes desse tipo tenham trans na frente e detrás das câmeras. Caso contrário, a produção tende a desabar no que ele labareda de fetichização, reiterando episódios de violência.
Essa força vital também é evidente em “Se Eu Tô Cá É por Mistério”, curta dirigido por Clari Ribeiro. Nesse filme que transita por ficção científica e suspense, travestis com poderes fantásticos combatem inimigos no Rio de Janeiro de 2054.
O cineasta identifica uma quantidade maior de produções com essa atenção à inconstância de gêneros. “Acompanho muito o cinema brasiliano independente e também o mainstream, e há uma crescente de personagens trans.”
Mas não faltam obstáculos para enfrentar tanto no cinema quanto na TV. Ribeiro diz ter gostado da série “Segunda Chamada”, da Mundo, mas se incomodou com a personagem da cantora e atriz Linn da Quebrada. “Era uma travesti marginalizada, que vive uma relação abusiva”, lembra.
Ribeiro concorda com Izzi Vitorio, de “Pirenopolynda”, em relação à premência de possuir mais pessoas trans em diferentes funções nos sets de filmagem. Mas isso não basta, diz. “A gente tem que educar as pessoas cis sobre porquê asilar esses corpos no envolvente de trabalho, porquê no uso dos pronomes”, afirma.
Mulher cisgênero, biarritzzz (assim mesmo, com inicial em letra minúscula) formou uma equipe em que metade dos integrantes são trans para preparar “Onde Está Mymye Mastroiagnne?”, um curta em que uma cabeleireira procura uma amiga no Second Life, onde encontra seres imaginários.
Faz sentido que a protagonista se sinta à vontade no metaverso. “Seu avatar pode ser qualquer coisa —ela, um tubarão, um minotauro”, diz. Seu filme se distancia dos estereótipos. “A narrativa do sofrimento não é mais o que a gente quer ver e substanciar.”
Os diretores de “Pirenopolynda” se queixaram da forma porquê a curadoria do festival organizou o programa de cinco curtas do qual o filme fazia secção. “Essa sessão foi desconfortável porque o nosso filme era o único que refletia as perspectivas de uma mulher travesti enquanto os outros estavam questionando as questões de masculinidade”, disse Bruno Victor.
“De forma alguma, estou acusando a curadoria de transfobia ou um tanto parecido, mas realmente faltou um lugar de zelo”, afirmou.
Os diretores também criticaram a exiguidade de pessoas trans na curadoria de grandes festivais. Sem profissionais com esse perfil, afirmam, a tendência é que as sinais selecionem “filmes trans sob uma perspectiva fetichista”.
O jornalista viajou a invitação da Mostra de Cinema de Tiradentes
