Faz 36 anos que o baixista Peter Hook pôs os pés no Brasil pela primeira vez, numa turnê do grupo do qual ele fazia segmento, o New Order. A excursão passou por Rio, São Paulo e Porto Satisfeito, mas Hook diz que as maiores lembranças do país, mais até do que as cidades, são as multidões que a filarmónica encontrou por cá.
“Não estávamos preparados para aquilo”, diz Hook, por videochamada, da Inglaterra, “Na Europa, tocávamos para 300 ou 500 pessoas, mas chegamos ao Brasil para tocar em ginásios com 8.000 ou 10 milénio pessoas. Foi surreal para nós”.
Aos 68 anos, posteriormente retornar ao Brasil inúmeras vezes, algumas com o New Order, outras com a filarmónica Revenge, e também para discotecar em festivais de música eletrônica, Peter Hook volta para um show único na terça-feira (27) na Audio, em São Paulo. Ele e a filarmónica The Light tocarão, na íntegra, as coletâneas “Substance”, tanto a do New Order quanto a do Joy Division.
A história é conhecida: no término dos anos 1970, Hook fazia segmento do icônico grupo pós-punk Joy Division, junto ao cantor Ian Curtis, o guitarrista e tecladista Bernard Sumner e o baterista Stephen Morris. Em maio de 1980, às vésperas da primeira turnê americana e dois meses antes do lançamento do segundo disco da filarmónica, “Closer”, Ian Curtis se suicidou, aos 23 anos.
Os integrantes remanescentes recrutaram a tecladista Gilian Gilbert e formaram o New Order. A filarmónica fez um imenso sucesso mercantil e de sátira, fundindo rock e eletrônica em hits de pista e rádio porquê “Blue Monday”, “Bizarre Love Triangle” e “Temptation”, entre outros.
Mas a relação de Hook com Bernard Sumner foi piorando com a guinada cada vez mais poderoso da filarmónica na direção da música eletrônica e a insistência de Summer em ditar os caminhos musicais do New Order.
“Até a morte do Ian, nosso processo de elaboração basicamente se resumia a fazer longas ‘jams’ em estúdio, ouvir essas fitas e escolher trechos que poderíamos usar em nossas canções”, diz Hook. “Isso era muito motivador para um instrumentista, e nossos grandes clássicos surgiram assim.”
“Fizemos ‘Love Will Tear Us Apart’ [clássico do Joy Division] assim, muito rapidamente. Mas Bernard nunca gostou de fazer ‘jams’ e começou a trabalhar com bases programadas que ele fazia sozinho. Eu admirava o talento dele para fazer essas bases, mas o espírito da filarmónica meio que acabou”.
Em 1993, Hook abandonou o grupo. Ele voltaria em 1998 e romperia de vez com eles em 2007. Três anos depois, formou a Peter Hook and the Light e começou a transpor pelo mundo tocando discos de Joy Division e New Order na íntegra.
“O New Order havia feito e eu percebi que nossos shows haviam deixado de fora músicas incríveis. Um dia, meu rebento me disse: ‘Papai, sabe que há quanto tempo ninguém toca ‘Age of Consent’ ao vivo?’ Fazia uns 20 ou 25 anos. Pensei: ‘puta merda, porquê isso é verosímil?'”
Em 2011, o New Order voltou, mas sem Hook. O baixista processou a filarmónica, e o caso foi encerrado em 2017 com um congraçamento pela separação dos royalties gerados pelo uso dos nomes Joy Division e New Order.
Mas as rusgas não acabaram. “Eles ressuscitaram o New Order para tocar versões de nossas músicas que não lembram o New Order”, diz Hook. “Para mim, eles são o ‘new older’ [os novos mais velhos]. Nos meus shows, tocamos as canções porquê elas foram compostas e os discos na íntegra, e vejo isso porquê uma prova de saudação a nossos fãs.”
Perguntado sobre as canções de Joy Division e New Order que considera clássicos, Hook diz que nunca pensou nisso porque estava ocupado demais fazendo outros discos. “Nosso ritmo de trabalho era insano. Terminávamos de gravar um disco e imediatamente nosso empresário, Rob [Gretton], nos dizia que tínhamos de principiar outro. Naquela quadra, nunca poderíamos imaginar que a música que fazíamos seria tão apreciada. Estávamos felizes só por ter a chance de sobreviver fazendo música.”
“Minha opinião sobre nossos discos depende muito das lembranças que tenho das gravações. Por exemplo, ‘Republic’ é um disco que eu não conseguia ouvir, porque as lembranças que tenho são péssimas. Foi um disco feito com o objetivo de salvar a Factory [gravadora do New Order] e o Haçienda [clube em Manchester do qual a banda era sócia]. No término, o disco saiu, mas tanto a Factory quando o Haçienda acabaram.”
Se Hook guarda mágoas de seus companheiros de New Order, o mesmo não se aplica a Ian Curtis, seu placa do Joy Division. “Sinto muita falta dele. A maioria das pessoas não sabe, mas Ian era o integrante da filarmónica que mais conhecia música. Todo dia, ele chegava com qualquer disco ou fita cassete para que Bernard e eu ouvíssemos. Uma vez, num experiência, ele comentou que uma música nossa parecia The Doors. Eu não tinha a menor teoria do que ele estava falando. ‘Que porra é essa de The Doors?’ No dia seguinte, ele chegou com vários discos. E não é que era parecido mesmo?”
Batendo na vivenda dos 70, Peter Hook sossegou. Dorme cedo, aposentou-se da vida noturna e não quer mais saber de discotecar até altas horas. “Eu gostava realmente de ser DJ”, diz Hook. “Fiz isso durante um bom tempo. Mas os horários são terríveis, você fica acordado a noite toda e, na manhã seguinte, tem que decorrer para pegar um voo e principiar tudo de novo em outro lugar. Hoje eu durmo às 23h. Ser DJ é um esporte para os mais novos”.
