Um crescente grupo de imigrantes que desembarca no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, está “usando indevidamente” o pedido de refúgio, instrumento jurídico empregado internacionalmente para proteger pessoas perseguidas em seus países por motivos de raça, religião, grupo social, opiniões políticas ou grave e generalizada violação aos direitos humanos.
A informação consta de um ofício que a Polícia Federalista (PF) encaminhou ao Ministério da Justiça na última segunda-feira (1º). Tornado público pelo site Poder 360, o documento teve sua proveniência confirmada pela PF.
No texto, o solicitador Pelágico da Silva Rezende Júnior, coordenador-geral de Polícia de Transmigração da corporação, pede que a superintendente do Departamento de Migrações do ministério, Luana Maria Guimarães Medeiros, adote providências necessárias para estimular uma “regulamentação mais condizente com os verdadeiros propósitos do refúgio”.
No Brasil, o mecanismo do refúgio é regido pela Lei nº 9.474, de 1997. Além dos procedimentos para formalidade, cessação e perda da requisito de refugiado, a lei estabelece os direitos e deveres dos imigrantes que solicitam refúgio. Os pedidos são decididos pelo Comitê Vernáculo para os Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Trânsito
No ofício, o solicitador aponta que, principalmente no último ano, houve um aumento significativo das solicitações de refúgio por pessoas que não se encaixam nos critérios legais e cuja motivação é transmigrar para outros países.
“Desde o início de 2023, cidadãos de várias nacionalidades passam, em trânsito, pelo aeroporto de Guarulhos e deixam de ir para os destinos finais para os quais adquiriram passagem aérea, alegando motivos diversos para pedir refúgio no Brasil”, afirma o solicitador federalista, sustentando que “tal prática vem causando grandes tumultos no referido aeródromo”.
Ainda de conformidade com Júnior, a unidade da PF no aeroporto recebeu 8.327 requerimentos de refúgio entre janeiro de 2023 e a semana passada. Destes solicitantes, 8.210 (99,5%) ou deixaram o país, ou estão em situação irregular. Unicamente 117 (1,41%) dos pedidos seguem ativos, em estudo, no Sistema de Registro Vernáculo Migratório (Sismigra).
“Importante ressaltar que praticamente todas estas pessoas foram inadmitidas no controle migratório brasílio por exiguidade de visto consular brasílio que permita sua ingressão em território vernáculo. A maioria, mas, consegue permanecer [no Brasil] por solicitar o refúgio, pois lhe é entregue um protocolo de pedido que permite transitar em território brasílio”, disse o solicitador, acrescentando que, dos 8.327 requerimentos analisados, 1.587 foram protocolados há mais de um ano e, portanto, deveriam ter sido obrigatoriamente renovados, mas “unicamente 10 pessoas cumpriram tal requisito, ou seja, 0,7% do totalidade”.
“Estes números apontam de forma inequívoca que o instituto do refúgio está sendo utilizado de forma abusiva no Aeroporto Internacional de Guarulhos por pessoas que pretendem transmigrar para outros países, utilizando o Brasil unicamente uma vez que rota de passagem, provavelmente instruído por contrabandistas de migrantes”, conclui o solicitador.
Criminalização
Em 12 de junho, a Procuradoria da República em São Paulo classificou a situação decorrente da presença de muro de 400 imigrantes no aeroporto de Guarulhos uma vez que uma iminente “crise humanitária”. Conforme a Dependência Brasil noticiou na quadra, os imigrantes estavam retidos em uma dimensão restrita do aeroporto. Impedidos de ingressar oficialmente em território brasílio por não terem vistos ou outros documentos válidos, eles aguardavam por uma resposta a seus pedidos de refúgio, podendo ser repatriados a seus países de origem caso as autoridades migratórias brasileiras não aprovassem seus requerimentos.
Na ocasião, o Ministério da Justiça e Segurança Pública classificou a situação uma vez que uma “instabilidade momentânea”. Hoje, ao voltar a ser consultado pela Dependência Brasil, o ministério confirmou o recebimento do “alerta” e informou que o tema ainda está em estudo.
Para Letícia Roble, da Missão Silêncio – instituição filantrópica que desde 1939 oferece base e guarida a imigrantes e refugiados – o Estado brasílio deve evitar criminalizar quem chega ao país pedindo proteção.
“É indispensável que o estado brasílio enfrente essa veras sem criminalizar as pessoas pelo ato de transmigrar e sem violar ou retroceder às garantias consolidadas pelo nosso instituto do refúgio, que são internacionalmente reconhecidas, pois qualquer diferença em normativas que regulamentam o pedido de refúgio no Brasil pode gerar uma limitação do chegada ao território e à proteção internacional por pessoas em situação de refúgio. O que deve ser criminalmente enfrentado e reprimido são as redes de contrabando de migrantes que operam em nosso território”, afirmou Letícia.
No ano pretérito, o Estado brasílio concedeu a requisito de refugiados a 77.193 imigrantes – maior quantitativo verificado ao longo de toda história do sistema de refúgio vernáculo e que, segundo a 9ª edição do Anuário Refúgio em Números, organizado pela equipe do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) a partir de dados oficiais, representou uma variação positiva de 1.232% quando comparado ao resultado de 2022. No totalidade, o Brasil reconhece a requisito de refugiados a 143.033 pessoas.