Pinacoteca expõe país em ebulição social na arte pop

Pinacoteca expõe país em ebulição social na arte pop – 29/05/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

O cenário emana a solenidade daquilo que é sagrado e religioso. À direita, estão imagens de São Cosme e Damião e de Santa Catarina de Alexandria. À esquerda, representações de São Pedro, Santo Antônio e de Nossa Senhora Aparecida. Um elemento, porém, profana essa sacralidade.

Em destaque, no núcleo, uma pintura do cantor Roberto Carlos iluminada por luzes de neon. O altar levantado por Nelson Leirner transforma consumidores em devotos e faz da indústria cultural uma novidade forma de religião.

Essa obra sintetiza o modo porquê a arte brasileira dos anos 1960 lançou um olhar atilado e, por vezes, irônico à sociedade de consumo. Os artistas desse período incorporaram em seus trabalhos a estética da publicidade e as imagens dos veículos de notícia de tamanho.

Essas características formaram aquilo que se convencionou invocar de novidade figuração brasileira, uma espécie de arte pop tropical.

Fizeram secção desse movimento nomes porquê Claudio Tozzi, Antonio Dias, Rubens Gerchman, Wanda Pimentel e o próprio Nelson Leirner. Todos eles têm seus trabalhos reunidos agora na exposição “Pop Brasil”, a maior mostra deste ano da Pinacoteca de São Paulo. Em novembro, o projeto desembarca na Argentina, onde entrará em edital no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, o Malba.

Com 250 obras, a exposição radiografa uma sociedade à flor da pele, asfixiada pela ditadura militar, mas em ebulição pelo libido de liberdade nas artes.

“A pop art brasileira declara mais as nossas faltas do que faz um hosana dessa performance da sociedade do espetáculo”, afirma Pollyana Quintella, que assina a curadoria da exposição com Yuri Quevedo.

Criada no Reino Unificado durante a dez de 1950, a o estilo ganhou tração nos Estados Unidos por influência de artistas porquê Claes Oldenburg e Roy Lichtenstein. Mas foi Andy Warhol quem mais radicalizou.

Nos anos 1960, causou furor ao pôr em galerias objetos que ocupavam as prateleiras dos supermercados, porquê latas de sopa e caixas de sabão em pó. Esses trabalhos, aliás, compõem a megaexposição sobre Warhol em edital no Museu de Arte Brasileira da Instalação Armando Álvares Penteado, em São Paulo.

“São obras muito polidas e lustradas, o que reflete o resultado bem-acabado de uma industrialização americana que deu notório”, diz Quintella.

No caso brasiliano, a industrialização aconteceu de forma tardia, desigual e tortuosa. “Por isso, a nossa pop art guarda um pouco de pré-industrial.”

Um bom exemplo disso é “A Bela Lindonéia”, de Rubens Gerchman. Nessa obra, o artista criou a imagem de uma mulher com frase taciturna sobre um porta-retrato ornado por miçangas e arabescos, num flerte com o artesanato.

Já Teresa Nazar entrelaçou modernidade e precariedade ao projetar sobre a tela um foguete enferrujado feito com sucata. A corrida espacial, inclusive, foi tema recorrente da arte brasileira desse período.

Claudio Tozzi traduziu esse furor em uma série na qual retrata astronautas em cores saturadas. Na Pinacoteca, dois desses exploradores não contemplam corpos celestiais, mas astros e estrelas da cultura popular. A tela em que eles aparecem foi posicionada de forma estratégica na frente de fotografias de personalidades porquê Sônia Braga e Chico Buarque.

Outra figura luminosa presente nesse núcleo é Che Guevara, retratado por Tozzi em meio a uma poviléu. Para os curadores, essa tela é uma espécie de Marilyn Monroe às avessas —referência a um dos trabalhos mais célebres de Warhol.

De entendimento com Quintella, o americano reproduziu a imagem da atriz tantas vezes que ela acabou se tornando oca, vazia de sentido e definição. O Che Guevara de Tozzi seria o oposto disso.

“Ele não é uma figura corrompida por esse processo de massificação. É um símbolo inteiro no meio do povo”, diz a curadora. “A pop art brasileira usa os mesmos procedimentos da anglo-saxão, mas subverte os seus significados.”

Essa mudança de perspectiva se traduz em sátiras aos Estados Unidos e à influência da potência sobre o Brasil. É o caso de “Homenagem ao Século 20/21”, pintura de Antônio H. Amaral em que duas figuras fardadas estão na iminência de lambear os emblemas que compõem a bandeira americana.

A obra integra um núcleo expositivo devotado à ditadura militar, regime que recebeu o base da Vivenda Branca. Esse eixo leva ao público “Inserções em Circuitos Ideológicos”, um dos projetos mais emblemáticos de Cildo Meireles.

Nos anos 1970, o artista escreveu mensagens críticas ao regime militar em cédulas de quantia e garrafas de Coca-Cola e retornou os itens ao mercado. Desse modo, Meireles transformava símbolos capitalistas em porta-vozes de mensagens subversivas.

Outra obra notável é assinada por Tomoshige Kusuno, artista nipónico radicado no Brasil. Fixado sobre uma grande tela, um portão de ferro parece velar um pouco que deve ser contido e silenciado. Nove mãos de acrílico, porém, rompem a estrutura metálica. Elas estão prestes a se libertar do cativeiro, numa metáfora para a fragilidade da repressão diante do libido pela liberdade.

Essa procura por autonomia sobre o próprio corpo em meio a ditadura fez surdir trabalhos que põem em evidência uma sexualidade por vezes ambígua.

Maria do Carmo Secco, por exemplo, pintou uma mulher de boca oportunidade naquilo que pode ser tanto um grito de dor quanto de gozo. Já Antonio Dias fez um autorretrato em que beija a própria imagem no espelho. É uma retrato que sinaliza um tirocínio de independência e autossatisfação, mas também a recusa do encontro com o outro.

A exposição traz, por outro lado, obras em que o sexo é vivido de forma plena. É isso o que se vê no homoerotismo das imagens de Alair Gomes. O fotógrafo lançou um olhar voraz sobre o corpo masculino, retratando homens de músculos sempre esculpidos na praia de Ipanema.

Wanda Pimentel, por sua vez, elegeu porquê matéria-prima o corpo feminino. No entanto, se o fotógrafo revela, a pintora insinua. Nas telas, vemos fragmentos de pés, coxas e joelhos, em um erotismo nunca explicitado, mas sempre sugerido.

“Falar de libido durante a ditadura é uma forma de se opor à repressão totalidade”, diz Quevedo, um dos curadores. “Se por um lado havia um achatamento de tudo que é subjetivo, por outro existia uma explosão de coletividade que provocaria mudanças nos padrões sociais.”

Quevedo cita porquê exemplo as obras de Pimentel, em que suas personagens aparecem em espaços domésticos desordenados. “Nessas telas, o lugar da mulher é transitando na própria bagunça, e não costurando à espera do marido.”

Folha

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