Planos sequência de 'adolescência' funcionam pela metade 26/03/2025 ilustrada

Planos-sequência de ‘Adolescência’ funcionam pela metade – 26/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Juvenilidade” não inventou a roda ao usar planos-sequência —ou tomadas sem cortes— para narrar seus acontecimentos. Aliás, é uma preocupação que vem de longa data no audiovisual.

Se nos anos 1920 Sergei Eisenstein teorizava e exaltava o poder da montagem e suas possibilidades narrativas e simbólicas, no pós-Segunda Guerra surgiu uma tendência oposta, que defendia um cinema mais livre da intrusão de cortes, conforme faziam os neorrealistas e pregava o crítico André Bazin.

Não é que Bazin fosse “contra” a montagem, mas achava que o cinema, em termos ontológicos, em sua natureza, era uma arte em que os cortes poderiam minar uma de suas peculiaridades: mostrar um real pleno de ambiguidades, sem direcionamentos excessivos das intenções do cineasta. Originário que visse os planos longos porquê escolhas valorosas.

Muitos diretores, porém, por motivos diferentes dos de Bazin, também tinham fascínio pela teoria de reduzir ao mínimo os takes de um filme. Alfred Hitchcock foi o primeiro a fazer um longa inteiro em um tanto próximo a uma tomada única, com “Festim Diabólico”, de 1948 – embora houvesse cortes, disfarçados por truques de câmera.

Fora do contextura experimental, só em 2002 se conseguiria um longa inteiro sem cortes: “Cofre Russa”, de Alexander Sokúrov. Foi seguido de outros, mas talvez nenhum filme todo em um take tenha ainda sabido usar o plano-sequência com real proveito, explorando tanto seu lado de “calor do momento” quanto revelando um real não planificado, natural. E, apesar de defesas exaltadas, o mesmo pode ser dito da série “Juvenilidade”.

No primeiro incidente, vemos a polícia desde quando espera a ordem para entrar no lar dos Miller até o término do prova de Jamie. De trajo há um crescendo de tensão, pela forma gradativa porquê o público e os Miller recebem informações sobre o que se passa. Nisso, “Juvenilidade” sai vitorioso.

E a técnica do take único, em si, é muito executada: atores e equipe fizeram um trabalho assombroso. Tudo sai porquê planejado. O problema está na concepção dessas tomadas únicas, rascunhadas de modo limitador do que um plano-sequência poderia ser.

Se a teoria era ampliar a noção de realismo, a tentativa funciona pela metade. Tudo de trajo ocorre em tempo real, mas os acontecimentos na delegacia se sucedem de forma cronometradíssima, de modo que alguma “ação” importante se passe sempre onde a câmera está.

Não há, porquê na vida, um ponto de vista único —e o que move a câmera é um conhecimento extrafílmico: ela sabe exatamente onde um tanto relevante vai ocorrer, e é para lá que se desloca. Perde-se, ali, qualquer espontaneidade e a teoria de “vida filmada”, porque de repente tudo se torna tão preciso, moldado para funcionar, que a situação porquê um todo soa irreal. A ideia-base do plano-sequência se perde: do realismo totalidade se cai na mais óbvia artificialidade. Em cenas isoladas, isso pode ser fascinante em uma obra, mas porquê estrutura, a falsifica e a sobrecarrega.

Isso é ainda mais grave no pior incidente, o segundo, filmado em um escola —é porquê um balé muito dançado, mas com uma coreografia ruim. Procura-se caos nos movimentos frenéticos pelos corredores, mas é uma bagunça altamente robotizada —tanto quanto as falas malcriadas dos alunos, sempre de bate-pronto, soam proferidas por androides. O fetiche da eficiência técnica drena qualquer organicidade que talvez existisse no roteiro.

“Juvenilidade” usa os planos-sequência de modo antibaziniano, porque eles quase nunca revelam o que está sendo filmado em sua anfibologia fundamental; tudo é feito seguindo ordens do roteiro. O tempo para a reflexão que viria em tempos mortos, em que zero “acontece”, inexiste; a série não tem um segundo a perder. O projecto único é mero dispositivo para injetar adrenalina no público e prometer sua animação.

É um uso legítimo, mas empobrecido desse recurso. O melhor incidente, o terceiro, mostra a conversa entre uma psicóloga e Jamie, com a câmera em movimentos inexplicáveis. Parece possuir ali um susto feroz de que o diálogo sozinho não segure a cena e entedie o público —o que é um erro, já que a conversa e as atuações estão entre os pontos altos da atração.

“Juvenilidade” tem uma mensagem importante e um roteiro que consegue, em universal, abarcá-la. Mas poderia ser melhor se optasse por uma montagem habitual muito executada. O plano-sequência é usado para gerar adesão e excitação no testemunha a partir de seus efeitos mais banais e imediatos. Para uma obra que destaca o quanto as redes sociais podem ser perigosas, emprega princípios de atração que não se distanciam muito do que se vê por aí pela web.

Folha

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