Poesia De Cacaso Emerge Nas águas De Tributo Aos 80

Poesia de Cacaso emerge nas águas de tributo aos 80 anos do letrista que versou sobre calmarias e tempestades da alma humana

Celebridades Cultura

Filete de Carlinhos Vergueiro é o ponto cimeira de disco que também destaca gravações de Joyce Trigueiro, Ney Matogrosso, Edu Lobo, Luísa Lacerda, Tule Machado e Alaíde Costa. Cacaso (1944 – 1987), grande letrista da MPB revelado na dez de 1970, ganha tributo em disco que festeja os 80 anos do poeta e compositor
Ror pessoal de Rosa Emilia Dias e Pedro Landim
Envoltório do álbum ‘Cacaso 80 anos’
Ror pessoal de Rosa Emilia Dias e Pedro Landim com arte gráfica de Leandro Arraes
Resenha de álbum
Título: Cacaso 80 anos
Artista: Alaíde Costa, Camilla Faustino, Carlinhos Vergueiro, Claudio Nucci, Edu Lobo, Eduardo Gudin, Tule Machado, Joyce Trigueiro, Leila Pinho, Luísa Lacerda, Ney Matogrosso, Rosa Emilia Dias, Toquinho e Zé Renato
Edição: Kuarup
Cotação: ★ ★ ★ ★
“Quando o mar tem mais sigilo / Não é quando ele se agita / Nem é quando é tempestade / Nem é quando é vento / Quando o mar tem mais sigilo / É quando é… calmaria”.
♪ Apresentados pela cantora Marília Barbosa em 1975 e amplificados no ano seguinte pela voz grave de Maria Bethânia, em gravação feita para o álbum Pássaro proibido (1976), os versos de Paixão paixão exemplificam a habilidade do compositor mineiro Antônio Carlos Ferreira de Brito (13 de março 1944 – 27 de dezembro de 1987), o Cacaso, para conciliar simplicidade e profundidade em letras de música banhadas em trova.
Parceria de Cacaso com Sueli Costa (1943 – 2023), autora da bela melodia, a música Paixão paixão infelizmente está ausente do repertório do tributo fonográfico idealizado e produzido por Renato Vieira para festejar os 80 anos que Cacaso completaria no próximo dia 13.
Editado pela gravadora Kuarup, com envoltório que expõe o poeta mirando a calmaria do mar em foto do pilha pessoal de Rosa Emilia Dias, o álbum Cacaso 80 anos chega ao mundo do dedo na sexta-feira, 8 de março, com outras 12 músicas desse compositor letrista que emergiu na MPB na dez de 1970 e que saiu precocemente de cena, aos 43 anos, ao termo de 1987.
Sem inventar voga para “atualizar” a obra de Cacaso, o disco flui muito em molde tradicional. A orifício é em ritmo de samba com Joyce Trigueiro dando voz à até portanto inédita letra original de Gente séria, parceria de Cacaso com Joyce criada entre 1976 e 1977.
Com versos que tangenciam a mordacidade, Cacaso molda retrato das contradições do Brasil, país que tem “firmamento estrelado, papo furado, descalabro e deputado”. Com voz e violão, além do tamborim e do caxixi percutidos pelo baterista Tutty Trigueiro, Joyce recupera tanto a letra original de Gente séria quanto canta, em outra fita, a letra alterada pelo próprio Cacaso para ser apresentada por Emílio Santiago (1946 – 2013) no álbum Experimento de paixão (1982).
Na sequência, também munido de voz e violão, Zé Renato mergulha novamente em Manadeira da vida (1982), parceria com Cacaso que deu batizou o primeiro álbum solo do cantor projetado em 1979 uma vez que vocalista do grupo Boca Livre.
Gravado entre abril e dezembro de 2023, o disco ganha relevo quando introduz cantores no universo poético de Cacaso. É o caso de Ney Matogrosso, que grava o letrista pela primeira vez, dando a (boa) voz dos 82 anos à parceria do poeta com Djavan, Lambada de serpente (1980), em gravação feita com piano, emendo e direção músico de Alexandre Vianna.
Camilla Faustino também debuta no cancioneiro de Cacaso, com correção, mas sem um toque a mais, ao trovar Francamente (1980) em dueto com Toquinho, parceiro de Cacaso na música reouvida em gravação conduzida pelo violão do próprio Toquinho.
Falta à fita o cintilação de Perfume de cebola (1984), samba temperado com o odor jazzístico de Tule Machado, cantor e violonista da regravação dessa música que o artista compôs com Cacaso e que lançou há 40 anos. Tule cai em suingue que evoca os balanços de Joyce Trigueiro e João Bosco.
Em universo mais camerístico, Alaíde Costa imprime classe em Dentro de mim mora um criancinha (1975), parceria de Cacaso com Sueli Costa, tradutor original dessa grande música amplificada na voz de Fafá de Belém em gravação do álbum Banho de cheiro (1978). A abordagem do tributo une o quina de Alaíde ao toque do piano de Alexandre Vianna.
Além da providencial economia financeira, a opção por arranjos minimalistas – geralmente calcados em um ou dois instrumentos – contribuiu para patentear a trova das letras de Cacaso. É o que acontece na gravação de Refém (1981), ponto mais cimeira do disco.
“Eu nunca amei a ninguém / Nunca devi um vintém / Nem encontrei minha trilha / Eu me perdi muito além / Sendo meu próprio refém / Na solidão de uma ilhota”, reavalia Carlinhos Vergueiro ao refazer o balanço existencial de Cacaso nessa que foi a única parceria do poeta com Vergueiro, gravada pelo cantor no álbum Passagem (1981). Na pungente regravação de Refém, o quina do tradutor se afina com a refinada trama dos violões tocados por Luiz Maranhão e o próprio Vergueiro.
Também é de 1981 o samba-canção Espírito, uma das três parcerias de Eduardo Gudin com Cacaso. Gudin reanima Espírito com voz, violões e a melancolia entranhada nos verso de uma das letras com menor texto de trova no cancioneiro de Cacaso.
Na sequência, com voz e violões, Claudio Nucci desanuvia o clima com a presente de As coisas (1984), tema em cuja letra Cacaso – possuinte de trova quase sempre densa – se permitiu fazer perdão com versos uma vez que serelepes uma vez que “A vaca avacalhou / A banana embananou / A sombra assombrou / O relâmpago raiou / O piru pirou”.
Com o toque dos próprios teclados, Leila Pinho adensa novamente o disco ao revisitar Triste baía da Guanabara (Novelli e Cacaso, 1980) com a habitual correção.
Em momento luminoso e sofisticado, Edu Lobo e Luísa Lacerda fazem da tristeza senhora no registro da música O possuinte do lugar (1976), parceria de Lobo com Cacaso revivida com piano, emendo e direção músico de Cristovão Bastos. Outro ponto cimeira.
Completa o repertório do álbum Cacaso 80 anos uma gravação já pré-existente de Árvore da vida pela cantora e compositora Rosa Emilia Dias, parceira de Cacaso na música e na vida. Árvore da vida foi lançada por Rosa no álbum Ultraleve (1988) e regravada pela artista, 30 anos depois, no álbum Madrigal (2018).
É nascente fonograma de 2018 que é rebobinado no bem-vindo tributo ao octogenário Cacaso, letrista que banhou a música brasileira de trova, expondo em versos as calmarias e as tempestades da psique humana.

Fonte G1

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