A Polícia Social de São Paulo investiga um professor de pintura por suspeita de comprar e vender por R$ 360 milénio telas falsificadas de Maria Lira Marques, artista do vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, em subida no mercado e com uma exposição retrospectiva de seu trabalho em edital agora no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista.
Ao menos 25 trabalhos falsos circularam, dez dos quais foram leiloados, segundo a polícia. O pregão, registrado em um vídeo ao qual a reportagem teve chegada, arrecadou R$ 200 milénio. Em média, os quadros da artista são vendidos por valores de R$ 25 milénio a R$ 50 milénio.
Segundo a Polícia Social, o professor Carlos Alberto Borsa Rebento comprava pinturas e desenhos feitos por outro varão de Embu das Artes, na Grande São Paulo, que falsificava a estética da artista. Maria Lira Marques faz ilustrações do que labareda de bichos do sertão, usando pigmentos criados com diferentes tipos de terreno.
Borsa foi retido em São Paulo no dia 5 de abril, prestou testemunho aos investigadores e foi liberado. Ele agora é investigado por estelionato, transgressão com pena de um a cinco anos de prisão. Por telefone, ele confirmou que comprou as obras, mas não quis responder a outras perguntas. Seu legista, Frank de Carlos Azevedo, afirma que as pinturas foram adquiridas numa feirinha de arte.
O legista argumenta que seu cliente, um fã da obra da artista, “viu no preço das obras uma oportunidade”, embora tenha intrigado do valor. Conta ainda que, para se conferir da autoria, Borsa entrou em contato com uma pessoa que convive com Maria Lira Marques, Hélia Nogueira, que teria mostrado fotos das pinturas para a artista. Lira Marques teria portanto confirmado que fez as obras.
“Borsa foi vítima de um falsário e tentou legitimar as obras no momento em que entrou em contato com alguém do convívio de Maria Lira. E recebeu um okay. Quando foi recluso, tomou ciência de que as obras seriam falsas. Ele não sabia”, diz o legista.
Por telefone, Hélia Nogueira afirmou que de vestuário Borsa enviou as fotos das obras para ela, mas que Lira Marques, confusa por justificação da idade, dizia que algumas eram de sua autoria, e outras, não. No entanto, ela acrescenta que, quando a artista viu as obras presencialmente, em São Paulo, teria dito que não tinha feito nenhuma.
De combinação com a polícia, Fábio Cimino, possuinte da galeria Zipper e um dos sócios da vivenda de leilões Spiti, comprou de Borsa ao menos 25 das obras falsas sem saber. Dez foram leiloadas em novembro pretérito, pela Spiti, e as outras 15 foram apresentadas à polícia sem terem chegado ao mercado.
Cimino pagou R$ 160 milénio pelas dez obras leiloadas. Pelas outras 15, desembolsou mais R$ 200 milénio. Ao todo, seu prejuízo foi de R$ 360 milénio. De combinação com a polícia, Cimino só descobriu que as telas eram falsas depois do pregão. O leilão foi considerado um sucesso. Uma das telas teve 18 lances, e outra, 12.
O catálogo do pregão, que estava disponível no site da Spiti há poucos dias, saiu do ar. Retirar da internet esse tipo de informação é uma prática incomum, porque os leilões são vendas públicas. Algumas das maiores casas de leilões do mundo, uma vez que a Sotheby’s, deixam registrado em seus sites as informações das obras e os valores das vendas.
Aliás, o mercado de arte usa os pregões para balizar a valorização de um trabalho e rastrear em quais coleções as obras estão.
Por telefone, Cimino se disse honesto e afirmou que as pessoas que compraram as falsificações em seu leilão foram ressarcidas. Também afirmou que houve outros pregões com obras falsas da artista. Ele não quis responder a mais perguntas e chamou esta reportagem de fofoca.
Cimino ficou com o prejuízo de R$ 360 milénio e não foi ressarcido, segundo o legista de Borsa, o suspeito. O advago diz que Borsa pode ter usado a totalidade desse numerário, mas pediu que as informações de onde o montante foi gasto não sejam divulgadas. Diz ainda que seu cliente quer restituir o valor.
A identidade do falsificador das obras, que vive em Embu das Artes, é desconhecida. A Justiça autorizou a quebra de sigilo bancário de Borsa —o objetivo é que seja provável rastrear, pelo extrato, para quem ele transferiu o numerário nos últimos meses e assim chegar ao falsário.
O galerista de Lira Marques em São Paulo, Thiago Gomide, da galeria Gomide & Co, não quis comentar. Foi Gomide quem descobriu o esquema e organizou um flagrante em sua galeria para que Borsa fosse retido, segundo o legista de Borsa.
A artista está cônscio do imbróglio. Ela fez uma enunciação, registrada em cartório, afirmando que as obras em questão não eram de sua autoria.
Quem é Maria Lira Marques
Maria Lira Marques, de 78 anos, vem ganhando o giro das artes nos últimos cinco anos, de modo que suas pinturas, desenhos e pedras —nas quais também pinta seres que lembram bichos—, estão cada vez mais valorizados. Embora ela faça esse tipo de trabalho há mais ou menos três décadas, seu reconhecimento é recente.
Procedente de Araçuaí, no vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde mora, ela também desenvolveu uma pesquisa na qual registra os cantos dos moradores da região, que tem os piores indicadores sociais do Brasil. São versos de trabalho de tropeiros, boiadeiros e canoeiros, músicas religiosas, cantigas de roda e de pedir esmola, algumas das quais podem ser ouvidas na exposição no Tomie Ohtake.