Pondé: Dom Das Lágrimas é Reação Diante Da Visão Da

Pondé: Dom das lágrimas é reação diante da visão da graça – 06/10/2024 – Luiz Felipe Pondé

Celebridades Cultura

No final do romance “Quotidiano de um Pároco de Província”, de Georges Bernanos, da editora É Realizações, o personagem narrador, protagonista, um padre, no término do seu tortura, diz, de forma aliviada: “Tudo é perdão”. Deus age no mundo através da perdão.

Noção de subida credencial na teologia cristã, objeto de polêmicas densas, envolvendo grandes figuras uma vez que Santo Agostinho, Pelágio (séculos 4º e 5º), o jesuíta Luís de Molina (século 16) e o filósofo Blaise Pascal (século 17), a perdão pode ser compreendida uma vez que um pouco à disposição de todos, uma vez que no entendimento de que a geração é pura perdão, ou, ao contrário, pode ser compreendida uma vez que um pouco restrito a alguns pouquíssimos eleitos que têm o dom sagrado de percebê-la à sua volta —incluindo aqueles que conseguem ver que a geração é pura perdão.

A fala do protagonista do romance cá citado pressupõe que tudo que existe é perdão, mas, nem por isso, todo mundo —ele mesmo, há quem argumente, só percebe isso claramente no leito de morte— enxergaria a perdão no mundo. Essa forma de compreensão é típica dos estudos de mística e espiritualidade. Cá a percepção é rara e restrita.

Há um pouco de importante a avultar, antes de avançarmos numa das formas reconhecidas pela literatura especializada no ponto, e por pessoas que, aparentemente, apresentam um “sintoma” específico de quem foi tocado por esse dom da perdão. Finalmente, qual seria esse “sintoma de Deus”?

Seja para Santo Agostinho, seja para Pascal, o dom de ver a perdão ou recebê-la, simplesmente, não implica valor por secção de quem recebe o dom —questão que levanta fúria para muitos teólogos até hoje. Esse traço constitui um elemento surpresa para o “eleito”. Essa surpresa significa que a pessoa que recebe o dom pode nem ser religiosa ou nem compreender de faceta o que se passa com ela.

Nesse sentido, o teólogo jesuíta suíço Hans Urs von Balthasar (1905-1988), no seu livro devotado às santas Teresa de Lisieux e Elisabeth de Dijon, “Schwestern im Geist”, ou irmãs no espírito, descrevendo o que ele labareda na obra de “teologia existencial”, labareda a atenção para uma fenomenologia da perdão em que, num dos casos de sua sintoma na santidade, ela o faz de forma inesperada, um psicólogo diria “invasiva” —ele não diz isso—, o que leva o santo a ter de se ver com o roupa de que a perdão habitará sua vida e sua psique para sempre, “sem ter sido convidada”.

Esse caráter da sintoma “não convidada” de Deus, aparece também na obra do filósofo judeu Abraham Joshua Heschel (1907-1972), quando ele diz que “Deus o persegue pelas ruas”, até pelos cafés, uma vez que uma tempestade que de repente cai sobre ele e que, sob essa ação, ele parece adentrar um “idoso santuário” que pede silêncio integral.

O português é um linguagem feliz para entender um traço definidor da perdão: a perdão é de perdão —redundância necessária. A rigor, tudo o que Deus faz é de perdão, na medida em que ele o faz sem qualquer condicionamento prévio: não faz porque precisa fazê-lo.

Não criou o varão e a mulher porque ele precisava de companhia na sua vida “vazia”. Esse caráter não motivado por qualquer urgência nas ações de Deus se constitui num dos grandes mistérios para quem procura entender a “personalidade” de Deus e suas “intenções” ao agir da forma que age. Deus é reconhecidamente imprevisível nas narrativas bíblicas e isso incomoda muita gente.

E qual é esse “sintoma de Deus” lembrado cá? “Muito aventurados os que choram, porque serão consolados.” Eis um fundamento bíblico do “dom das lágrimas” —”gratia lacrymarum” em latim medieval. Uma reação fisiológica espontânea e incontrolável em que a pessoa que possui esse dom chora copiosamente quando enxerga a perdão no mundo, em meio a sua desgraça.

Não se trata de tristeza nem propriamente alegria, mas, sim, a percepção da formosura de Deus e sua mel no mundo, percepção essa rara e para poucos. Essa formosura infinita dispara na pessoa que recebeu esse dom das lágrimas, contra sua vontade e sem propriamente entender o porquê, o pranto sagrado.

Há uma vasta literatura sobre o tema. Destaco para os leitores de gálico um dos melhores, “Le Don des Larmes au Moyen Âge”, ou o dom das lágrimas na Idade Média, escrito pela historiadora Piroska Nagy.

As lágrimas podem vir diante do comportamento de uma pessoa que demonstra rara liberalidade, diante de um cenário sublime da natureza, diante do silêncio de um “idoso santuário”, uma vez que diz Heschel, enfim, diante de uma pessoa que não joga o jogo do mundo. Os tocados por esse “incômodo” dom, hoje, normalmente, aprendem a dissimulá-lo ao longo da sua vida.


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Folha

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