População trans se opõe à nova idade mínima para terapia hormonal

População trans se opõe à nova idade mínima para terapia hormonal

Brasil

A farmacêutica Beo Oliveira Leite começou seu processo de transição de gênero em 2019, quando tinha 23 anos. Na era, Beo vivia na cidade de Vitória da Conquista, no interno da Bahia, a respeito de 520 quilômetros (km) da capital, Salvador. 

“Antes mesmo de iniciar um comitiva médico, comecei meu processo de harmonização cruzada [terapia hormonal]. Naquele momento, um pouco incipiente ainda, porque não tinha entrada a ambulatórios”, conta.

Ela lembra que o ambulatório trans mais próximo ficava em Salvador, onde era provável ter entrada ao Processo Transexualizador. 


Brasília (DF), 29/05/2025 - População trans se opõe à nova idade mínima para terapia hormonal cruzada. A doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Beo Oliveira Leite. Foto: Beo Oliveira/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 29/05/2025 - População trans se opõe à nova idade mínima para terapia hormonal cruzada. A doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Beo Oliveira Leite. Foto: Beo Oliveira/Arquivo Pessoal

Doutoranda em Saúde Coletiva Beo Oliveira Leite – Beo Oliveira/Registro Pessoal

O programa, um conjunto de procedimentos de saúde prestados a pessoas trans, travestis e não binárias, foi instituído no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2008, por meio da Portaria no 1.707. Em 2013, foi redefinido e ampliado, com a Portaria no 2.803.

Porquê profissional da dimensão da saúde, Beo conta que, apesar de ter começado seu processo de transição por conta própria, buscava na internet protocolos e diretrizes oficiais sobre hormonioterapia para evitar riscos à saúde. 

Apesar de o Juízo Federalista de Medicina (CFM) permitir a hormonioterapia cruzada a partir dos 16 anos, ainda exigia o comitiva de uma equipe mínima formada por pediatra, em caso de pacientes com até 18 anos, psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista e cirurgião plástico.

“Eu ficava frustrada por não conseguir comitiva adequado naquela era”, relata. 

“Quando consegui entrada ao SUS por meio dos ambulatórios transexualizadores em Salvador, ainda fiquei frustrada pelo tratamento patologizante, necessitando de um comitiva psiquiátrico prévio”, complementa.

Há um mês, o CFM publicou no Quotidiano Solene da União a Solução no 2.427, que revisa critérios éticos e técnicos para o atendimento de pessoas com incongruência ou disforia de gênero. O texto veta a terapia hormonal cruzada para menores de 18 anos.

Embora aprovadas por unanimidade, as mudanças são criticadas por profissionais de saúde e ativistas pelos direitos das populações trans, travesti e não binária no país.

Compunção e destransição

Para o mentor do CFM e relator da solução, Raphael Câmara, estudos divulgados desde 2020 — quando foi publicada a solução anterior, n° 2.265 — relatando o aumento de casos de remorso e de destransição motivaram as alterações estabelecidas pelo Juízo. 

“Países porquê Inglaterra, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Estados Unidos mudaram completamente suas condutas e essa solução vai totalmente ao encontro desses países”, diz Câmara.

Além de vetar a receita de bloqueadores hormonais para tratamento de incongruência ou disforia de gênero em crianças e adolescentes, o novo texto prevê a idade mínima para terapia hormonal cruzada, que passa a ser permitida somente para pessoa a partir dos 18 anos. 

Cirurgias de redesignação de gênero também foram vetadas para pessoas com menos de 18 anos e, em casos em que o procedimento possa implicar efeito esterilizador, com menos de 21.

O texto também determina que pessoas trans, travestis e não binárias que conservam os órgãos correspondentes ao sexo masculino devem ser acompanhadas por um urologista, enquanto aquelas que mantêm órgãos correspondentes ao sexo feminino devem ser acompanhadas por um ginecologista. 

“Estamos fazendo isso para proteger crianças e adolescentes que, às vezes, em muito baixa idade estão sendo submetidos a procedimentos absolutamente terríveis”, disse Câmara à Sucursal Brasil.

Barreiras de entrada ao SUS

Para Beo Leite, hoje doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federalista da Bahia (UFBA), essas mudanças impõem barreiras para pessoas trans acessarem o SUS. 

“Primeiro, porque temos o Regimento da Rapaz e do Juvenil (ECA), que garante a autonomia para crianças e adolescentes a partir de 12 anos nos serviços de saúde, sejam eles particulares ou públicos”, argumenta.

“Procedimentos que não sejam de emergência, que sejam eletivos, de forma a serem acompanhados nos serviços de saúde e que não tragam nenhum tipo de risco à vida, são um direitos dessas crianças e adolescentes”, continua a pesquisadora. 

“Temos a Política Pátrio de Saúde LGBT que garante o entrada das pessoas ao Processo Transexualizador e agora estamos embarreirando esse entrada”.

A pesquisadora pontua impactos na saúde mental das crianças e adolescentes que não se identificam com os papéis de gênero correspondentes ao sexo eleito ao nascer. 

“Essa invenção do ser uma pessoa trans ocorre justamente nessa fita etária e precisa de um comitiva adequado, que geralmente não encontram na família ou na escola e que o serviço de saúde tem, por recta, que oferecer a essas crianças e adolescentes”.  

Outro questão apontada pela doutoranda em Saúde Pública e decorrente das mudanças promovidas pelo CFM é o entrada facilitado aos hormônios utilizados para hormonioterapia cruzada, mormente para meninas trans e travestis. 

“Você não precisa de uma receita médica para conseguir comprar, portanto muitas dessas meninas, tanto crianças quanto adolescentes, já estão em uso desses hormônios e não tem um comitiva adequado, porque os serviços de saúde a partir da solução do CFM são embarreirados para cuidar dessas jovens”.

Para Beo Leite, o CFM age de forma “completamente desconexa do que temos de introdução de uma novidade estratégia e tecnologia no SUS”. 

Ela ainda ressalta que, diferentemente do que traz o CFM, a literatura e as evidências científicas apontam para a ampliação da fita etária para hormonioterapia e cirurgias de asseveração de gênero, considerando que é na período da puberdade que ocorre maior incidência de depressão e tentativas de suicídio entre pessoas trans.

Retrocesso


Brasília (DF), 29/05/2025 - População trans se opõe à nova idade mínima para terapia hormonal cruzada. A presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) Bruna Benevides. Foto: Bruna Benevides/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 29/05/2025 - População trans se opõe à nova idade mínima para terapia hormonal cruzada. A presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) Bruna Benevides. Foto: Bruna Benevides/Arquivo Pessoal

A presidenta da Associação Pátrio de Travestis e Transexuais (Antra) Bruna Benevides – Bruna Benevides/Registro Pessoal

Presidenta da Associação Pátrio de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides afirma que a solução publicada pelo CFM representa não somente um retrocesso no recta de pessoas trans à saúde, porquê também a “asseveração de uma agenda transexcludente ao nível institucional”. 

“O que estamos vendo é a institucionalização da transfobia e da negação de um recta imprescindível assegurado pela Constituição, que é o recta à saúde, que não pode ser entendido somente para pessoas trans adultas”, esclarece.

Ela avalia que as mudanças estabelecidas e a escolha de argumentos ao tutelar a solução não são neutras ou isentas de discursos ideológicos e cita a trajetória do relator da norma, Raphael Câmara. 

Nomeado secretário de Atenção à Saúde Primária no Ministério da Saúde (MS) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Câmara também foi relator de uma norma do CFM que inviabiliza a realização do monstruosidade em casos legais.

“Facilmente, identificamos uma agenda anti-gênero, que é uma agenda política da extrema-direita que vai, em determinados momentos, estrebuchar o monstruosidade, proibir a justiça reprodutiva e, pensando o controle dos corpos, negar o entrada à saúde, às modificações corporais e aos cuidados para crianças, jovens e adultos trans também”, diz Bruna Benevides.

Em abril, a Antra compartilhou uma nota pública em repúdio às mudanças promovidas pelo CFM. Atualmente, a publicação e uma denúncia feita pela Associação Mães pela Multiplicidade baseiam um procedimento instaurado pelo Ministério Público Federalista (MPF) para apurar a validade da Solução no 2.427. 

De tratado com a pasta o MPF (?), o procedimento foi convertido em sindicância social e foram oficiados, além do CFM, a Secretaria Pátrio de Direitos das Pessoas LGBT, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), e o Secretário Executivo do Ministério da Saúde (MS) para prestar esclarecimentos.

“Quanto à primeira resposta do CFM, o procurador responsável a considerou incompleta e deu prazo para que o parecer se manifestasse sobre as informações que foram requeridas. No momento leste prazo está em curso, somente depois dessa período de coleta poderá ser estimado o próximo passo do sindicância”, informou a pasta (MPF).


Brasília (DF), 29/05/2025 - População trans se opõe à nova idade mínima para terapia hormonal cruzada. A especialista em Gênero e Sexualidade e doutoranda em Formação de Professores pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Sara Wagner York. Foto: Sara Wagner/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 29/05/2025 - População trans se opõe à nova idade mínima para terapia hormonal cruzada. A especialista em Gênero e Sexualidade e doutoranda em Formação de Professores pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Sara Wagner York. Foto: Sara Wagner/Arquivo Pessoal

Profissional em Gênero e Sexualidade e doutoranda em na UERJ Sara Wagner York – Sara Wagner/Registro Pessoal

Também em abril, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou uma nota técnica solicitando a revogação da solução do CFM. No texto, a entidade defende o retorno da normativa anterior, a Solução nº 2.265, e recomenda novas medidas para prometer o entrada universal a recursos diagnósticos e terapêuticos e a proteção integral de pessoas com incongruência ou disforia de gênero.

Profissional em Gênero e Sexualidade e doutoranda em Formação de Professores pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Sara Wagner York observa que “o maior problema hoje em falar sobre a solução é que não estamos ouvindo, primeiramente, as crianças e adolescentes trans”. 

“Fui uma párvulo e uma juvenil trans e, a todo tempo, essa discussão remete a todos os momentos em que não fui ouvida na geração ou pensamento de uma estruturação de uma política pública específica”, compartilha.

À Sucursal Brasil, ela questiona se a mesma discussão estaria em debate se não houvesse a transexualidade atrelada ao objecto. 

“Quando tiramos o paisagem trans, aí tudo pode nesse corpo. O que vai sendo percebido é que o problema não é fazer uso de certas medicações, não é fazer o uso de hormônios, não é fazer o uso de certas estruturas. O grande problema é estar no grupo de pessoas trans”, reflete.

*Estagiária sob supervisão de Gilberto Costa

 

Fonte EBC

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