Por Que A Crítica Política Se Tornou Impossível? 07/05/2024

Por que a crítica política se tornou impossível? – 07/05/2024 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Na sátira, o raciocínio de palato não deve ser entendido uma vez que um raciocínio de valor. E vice-versa. Isso vale para qualquer atividade dessa natureza, tenha ela uma vez que objeto filmes, romances, artes plásticas ou até mesmo política.

Porquê todo apreciador de uma forma artística ou toda pessoa politicamente engajada, o crítico tem suas preferências e reconhece as obras e os projetos que melhor atendem às suas exigências estéticas ou morais. No entanto, a atividade analítica deve ser completamente dissemelhante da experiência estética.

“Eu não gostei dessa obra” não deve ser confundido com “essa obra não presta”. Por fim, há coisas de que pessoalmente não palato, mas que podem ser sublimes em seu gênero; há soluções estéticas ou políticas que não aprovo, mas cuja genialidade não posso deixar de reconhecer. E é evidente que adoro, uma vez que diria Machado de Assis, certas deliciosas vulgaridades, porque me falam à psique e à sensibilidade, não por seu proeminente padrão estético ou político.

O palato e as preferências continuam sendo pessoais ou coletivos, mas as razões pelas quais gostamos, os programas executados em uma determinada obra, as soluções encontradas pelo realizador e sua originalidade ou trivialidade, os padrões que orientam o que é considerado medíocre ou sublime, tudo isso é discutível. Desde que os parâmetros sejam apresentados e fundamentados, isso constitui a material específica da sátira e o que a torna dissemelhante da experiência estética ou da prática política.

Na política, porém, as coisas seguem em outra direção. Sim, existe a sátira política, assim uma vez que existe a sátira de arte ou de gastronomia, embora não usemos esse rótulo no Brasil. Chamamos de estudo política quando é acadêmica e de observação político quando é nos meios de notícia, mas trata-se exatamente da mesma atividade. O que me impressiona é uma vez que é mais facilmente aceito que a sátira artística, por exemplo, é uma atividade intelectual independente e objetiva, enquanto o observação político profissional é tratado uma vez que uma atividade militante.

E quanto mais partidário o leitor, maior a crença de que quem faz sátira política é um ativista com privilégios de fala, mais firme é a crença de que o raciocínio de valor sobre assuntos políticos decorre diretamente da inclinação política do comentarista. O comentarista político é o único crítico a quem hoje em dia não se permite reivindicar que se orienta por parâmetros objetivos e justificáveis, ou que deve ser considerado ou negado com base nos argumentos que sustenta e não na inclinação política pessoal ou da empresa que veicula sua opinião.

Não é razoável imaginar que a primeira-dama não poderia se conceder o luxo de ir ao show de Madonna enquanto um estado brasiliano vive uma tragédia? O parâmetro por trás de um julgamento desses, uma estimativa de efeito do ato sobre a percepção pública, é do mais rudimentar bom tino, e ainda assim a certeza será contestada ou reforçada com igual fúria com base em duas presunções.

Uma sobre a posição ideológica do crítico, identificado obviamente uma vez que contraditor à primeira-dama; outra sobre a posição ideológica do leitor. Se o leitor considerar o comentarista desempenado à sua própria posição, merecerá elogios pela sensatez; caso contrário, obviamente quem está falso é o crítico, justo destinatário de todo o desprezo por posição tão sórdida e parcial.

De duas coisas não se abre mão nessa percepção: o leitor partidário estará sempre notório e todo comentarista é um partidário camuflado de crítico político.

O repúdio ao exegeta, logo, será calibrado a partir de duas estimativas. Primeiro, do alcance da publicação e seus efeitos. Segundo, da intervalo cognitiva e moral entre o que o crítico disse e o que o partidário considera notório.

Quanto maior a intervalo estimada entre os dois, ou seja, quanto mais a sátira for considerada errada, e maior a previsão de efeitos sobre as pessoas, mais o partidário se sentirá impelido a intervir para tentar “medidas corretivas” que minimizem os impactos da sátira. Tudo para evitar que leitores neutros sejam levados ao erro pela parcialidade do comentarista.

A mais generalidade entre tais medidas é o observação que rebate a sátira denunciando sua parcialidade e insultando o crítico.

De forma espantosamente autoindulgente, neste caso o insulto não é um ato moralmente incabível de violência verbal, mas uma forma enfática de arrancar a máscara do pretenso crítico e mostrá-lo uma vez que realmente é: um sórdido militante do mal.


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Folha

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