Com mais de 200 páginas, documento reúne dezenas de casos de magnatas da música americana acusados de cometer crimes sexuais e de assumir posturas controversas. Sean ‘Diddy’ Combs
Chris Pizzello/Invision/AP
O caso Diddy ainda parece distante de uma epílogo, mas, sem dúvidas, já é um marco na indústria da música. Há, inclusive, expectativas de que se torne o próximo MeToo, movimento que chacoalhou Hollywood em 2017 com uma vaga de denúncias de crimes sexuais.
Recluso em 16 de setembro, Dsddy se diz simples e aguarda julgamento. Mas ele não foi o único músico a entrar na mira da Justiça nessas últimas semanas. Quem também foi processado é o planeta country Garth Brooks, criminado de estupro, o que é recusado por ele.
Subjugado por homens, o setor músico tem uma extensa lista de denúncias e condenações por assédio e insulto. Isso é tão frequente que há uma naturalização do problema, o que acaba levando à chamada cultura do estupro.
“Por décadas, a indústria da música tem tolerado, perpetuado e, muitas vezes, comercializado uma cultura de insulto sexual contra mulheres e meninas menores de idade. Milhares de artistas, executivos e acionistas lucraram bilhões de dólares, enquanto se envolviam e/ou encobriam comportamentos sexuais criminosos”, diz o texto introdutório do relatório “Sound Off: Make the Music Industry Safe” (ou “Som desligado: Torne a Indústria da Música segura”, em português), publicado em fevereiro deste ano.
Com mais de 200 páginas, o documento reúne dezenas de casos de magnatas da música americana acusados de cometer crimes sexuais e de assumir posturas controversas. São histórias que vão dos anos 1950 a 2024.
A permanente negligência de denúncias, investigações e até sentenças judiciais estimula crimes sexuais no mercado músico. É o que aponta o relatório, elaborado por uma coalizão entre os grupos feministas Lift Our Voices, Female Composer Safety League e Punk Rock Therapist.
Caso Diddy: entenda o que é roupa sobre o caso
Sexo, drogas e rock n’ roll
“Para desenvolver uma marca estética de alguns artistas, a indústria usa essa cultura a seu obséquio”, diz Nomi Abadi, pianista e fundadora da Female Composer Safety League, rede de suporte a compositoras vítimas de insulto sexual e assédio. Ela conversou com o g1 por videochamada. “É por isso que tem tanto músico criminado impune.”
Ela cita o famoso lema “sexo, drogas e rock n’ roll”. Para a artista, a teoria é menos sobre um espírito roqueiro e mais sobre uma dinâmica de poder que está presente em todos os gêneros musicais. É uma forma de relativizar histórias de mulheres que alegam terem sido drogadas e violadas sexualmente em festas com músicos, executivos, produtores e outros profissionais do setor.
De roupa, não é vasqueiro encontrar esse tipo de queixa no meio músico. O próprio Diddy é criminado de drogar e estuprar mulheres durante seus festões luxuosos, chamados de “white parties” e “freak-off”. Inclusive, há relatos de que ele teria constrangido algumas convidadas a usar fluidos intravenosos para recuperação física posteriormente submetê-las a longas e violentas performances eróticas.
O músico nega todas as acusações que levaram à sua prisão. Quanto ao caráter libertino de suas festas, ele sempre gostou de fazer menções, se gabando dos eventos.
Sean ‘Diddy’ Combs em foto de 2017, em Novidade York.
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“Todos nós já sabíamos. Por muito tempo, ouvimos histórias sobre essas festas”, afirma Nomi. “Eu conheci uma vítima de P. Diddy. Minha amiga esteve em uma dessas festas… Ninguém a escutou. Ninguém se importou com ela.”
Os eventos, que rolavam desde os anos 2000, eram privados — a lista de convidados do rapper reunia atores, músicos, empresários e políticos. Jay-Z, Will Smith, Diana Ross, Leonardo DiCaprio, Owen Wilson, Vera Wang, Bruce Willis e Justin Bieber são algumas das celebridades que compareceram aos encontros.
“O que tinha nessas festas era coisa muito ruim. E mesmo envolvendo tantas pessoas, continuava acontecendo”, continua Nomi. É mais ou menos o que também afirmou a cantora Cassie, ex-namorada de Diddy, em 2023, quando ela abriu um processo contra ele, alegando ter sido estuprada e violentada por mais de uma dez. Na ação, que já foi encerrada (sem os detalhes divulgados), a artista afirmou que os supostos crimes do rapper eram testemunhados por muita gente “tremendamente leal” que nunca fazia zero para impedi-lo.
Sean ‘Diddy’ Combs
Richard Shotwell/Invision/AP
Desde que fundou a Female Composer Safety League, Nomi tem tido contato com várias denúncias de agressão sexual no setor da música. “Uma coisa que me surpreendeu quando comecei a frequentar esse meio [de dar suporte a vítimas] é que cada sobrevivente tem sua própria versão da mesma história. As circunstâncias são diferentes. O que aconteceu com cada pessoa é único. Mas todas elas querem ser validadas, compreendidas e terem seus empregos mantidos”, afirma ela. “São os mesmos medos e os mesmos desejos.”
Anos detrás, a artista moveu processos contra Danny Elfman, compositor de trilhas de blockbusters porquê “Batman” e “Beetlejuice”. Nas ações, ela alegou ter sido vítima de crimes sexuais. Ele nega. Os dois entraram em um congraçamento com termos não divulgados.
A cultura externa
Também em entrevista ao g1, a pesquisadora de rap Nerie Bento analisa que, na indústria, a cultura do estupro é atrelada à desigualdade de gênero do mercado, além da própria influência de quem está de fora.
“É uma cultura que permeia toda a sociedade, logo, obviamente vai estar cá também”, diz ela. “E a própria música em si… A gente tem muita música misógina que contribui com isso.”
Neire menciona, logo, a erotização de corpos femininos em videoclipes de cantores famosos porquê o próprio Sean Diddy, o que, segundo ela, também endossa a cultura do estupro, ao objetificar a figura da mulher.
O apelo às gravadoras
O relatório “Sound Off” também faz menções à erotização feminina no setor. Ou por outra, critica as três maiores empresas do mercado fonográfico (Warner Music, Universal Music e Sony Music), propondo que adotem as seguintes demandas:
O termo de NDAs (Non-disclosure agreements, na {sigla} em inglês), ou seja, acordos de confidencialidade — prática frequente para o fecho desse tipo de processo no meio músico;
Uma lista pública dos músicos, executivos, gerentes, produtores e outros profissionais acusados de má conduta sexual;
Adoção de protocolos institucionalizados que estimulem a denúncia, não o silêncio;
Investigações conduzidas por partes externas
A resguardo de leis que derrubem a récipe em crimes sexuais
Demandas que surgem porque, segundo a coalizão do relatório, essas gravadoras “ignoraram acusações, silenciaram vítimas e até permitiram o insulto” por décadas.
O g1 entrou em contato com as assessorias da Warner, Universal e Sony, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Fonte G1
