Cuca Roseta lança álbum com repertório pátrio e feats com Seu Jorge, Zé Renato e Zeca Pagodinho, seguindo a risca de António Zambujo e Carminho. Fadista Cuca Roseta lança álbum com repertório pátrio e faixas com Seu Jorge (à esquerda), Zé Renato e Zeca Pagodinho, seguindo os passos de António Zambujo e Carminho.
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♫ ANÁLISE
♪ O lançamento de álbum inteiramente devotado pela fadista Cuca Roseta ao cancioneiro brasiliano – Até a fé se esqueceu, no mundo a partir de sexta-feira, 11 de abril – reforça as conexões dos artistas de Portugal com a música popular do Brasil.
Essa conexão vem se solidificando nos últimos anos por conta de discos dos cantores António Zambujo e Carminho, mas, a rigor, a ponte Brasil-Portugal começou a ser erguida por Amália Rodrigues (1920 – 1999), referência máxima de fadista.
Em 1970, Amália gravou álbum com Vinicius de Moraes (1913 – 1980) – com algumas músicas do poeta e compositor no repertório do LP duplo – e, três anos depois, lançou “Um paixão de Amália” (1973), disco gravado ao vivo em show da fadista no Canecão. Amália foi a musa de Vinicius em Saudades do Brasil em Portugal, parceria do poeta com Varão Cristo lançada em 1968.
Discípula de Amália Rodrigues, Mariza lançou o primeiro álbum em 2001, dois anos posteriormente a morte da antecessora, e estendeu o gavinha com o Brasil para a seara da produção músico.
A presença do violoncelista, maestro e produtor músico carioca Jaques Morelenbaum se tornou recorrente na discografia de Mariza desde 2004, ano em que o artista foi convidado para dar forma ao álbum Transparente (2005), terceiro disco de músicas inéditas dessa cantora de origem africana e espírito portuguesa por ter sido criada em Lisboa logo posteriormente o promanação em Moçambique.
Morelenbaum voltou a trabalhar com a fadista no álbum Mariza (2018) e, na sequência, fez a direção músico do disco Mariza canta Amália (2020), gravado em estúdio da cidade do Rio de Janeiro (RJ).
As relações dos cantores portugueses com a música brasileira se estreitaram a partir dos anos 2010 com as incursões recorrentes de António Zambujo, Carminho e Cuca Roseta pelo repertório pátrio. Esse trânsito foi facilitado pelo traje de os discos dos três cantores serem editados no Brasil pelo selo MP,B – braço fonográfico da produtora do empresário João Mario Linhares – e também pelo traje de a melancolia do fado se apurar com a espírito lírica da cantiga brasileira, sobretudo com o tom melancólico dos sambas-canção e das valsas da temporada pré-Bossa Novidade.
Ao editar no Brasil em 2009 o terceiro álbum, Outro sentido (2007), lançado dois anos antes em Portugal, Zambujo adicionou três faixas para o mercado brasiliano, incluindo dueto com Ivan Lins na cantiga Bilhete (Ivan Lins e Vitor Martins, 1980) e abordagem do samba-canção Quando tu passas por mim (1953), parceria de Vinicius de Moraes com Antonio Maria (1921 – 1964).
No quarto álbum, Guia (2010), Zambujo ambientou naturalmente a valsa seresteira A diva da minha rua (Jorge Faraj e Newton Teixeira, 1939) em clima de fado, além de ter cantado a letra de Apelo (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966) sobre a melodia do Fado perseguição (Carlos da Maia e Avelino de Souza).
No sexto álbum, Rua da emenda (2014), Zambujo deu voz ao samba-canção Último libido (Noel Rosa, 1937) e, na sequência, lançou em 2016 um álbum devotado ao cancioneiro de Chico Buarque, Até pensei que fosse minha. Já aclimatado em solo pátrio, o cantor português acabou de fazer turnê pelo Brasil em março ao lado do violonista Yamandu Costa, com quem gravou os álbuns Prenda minha (2024) e Sur (2025).
Toga do álbum ‘Carminho canta Tom Jobim’ (2016), de Carminho
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Já Carminho começou a estreitar laços com a música brasileira ao gravar três faixas adicionais para a edição brasileira do terceiro álbum da cantora, Psique (2012). Com arranjos dos violonista do Trio Madeira Brasil, Carminho inventou um Cais (Milton Promanação e Ronaldo Bastos, 1972) ao lado de Milton Promanação, cumpriu delicadamente com Nana Caymmi Contrato de separação (Dominguinhos e Anastácia, 1979) e se afinou com Chico Buarque na melancolia de Carolina (1967), cantiga do compositor.
No álbum seguinte, Esquina (2014), Carminho fez Chuva no mar desabar com Marisa Monte (parceira de Arnaldo Antunes na cantiga) e, dois anos depois, a artista lançou o disco Carminho canta Tom Jobim (2016) com participações de Chico Buarque, Maria Bethânia e da mesma Marisa Monte.
Cuca Roseta veio seguindo os passos de António Zambujo e Carminho até chegar ao álbum Até a fé se esqueceu, produzido por João Mario Linhares – nome fundamental nas articulações dos fadistas com os ícones da MPB – com arranjos e direção músico de Marcelo Caldi.
Em 2014, a fadista já havia se conectado com a cantiga brasileira ao gravar álbum produzido por Nelson Motta, Riû, lançado em 2015 com parcerias de Motta com Djavan (O paixão não é somente o paixão, gravada por Cuca com Djavan) e Ivan Lins (Primavera em Lisboa) no repertório.
Com as participações de Seu Jorge na música-título Até a fé se esqueceu (Zé Renato com letra de Cuca Roseta) e de Zeca Pagodinho na cantiga estilo tocata Arranha-céu (Silvio Caldas e Orestes Barbosa, 1937), o álbum de 2025 reforça a conexão de Cuca com o Brasil através da sincronia do sentimento do fado com as emoções dramáticas de músicas uma vez que o samba-canção Saia do caminho (Custódio Mesquita e Evaldo Ruy, 1946) e a cantiga de espírito camerística Sem você (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958).
Mas nem tudo é drama no disco brasiliano de Cuca Roseta, que se acomoda na Leito da ilusão (Zé Renato e Moska, 2000) – armada há 25 anos em álbum de Zé Renato no compasso de samba-choro e revivida por Cuca em gravação que traz Zé Renato nos vocais – e dá voz a refinado samba-canção de Dorival Caymmi (1914 – 2008), Não tem solução (1950). A seleção do repertório do álbum Até a fé se esqueceu surpreende ao incursionar por um Jorge Ben Jor obscuro, Dzarm (1995), e pela cantiga Mistérios (Mauricio Maestro e Joyce Trigueiro, 1978).
Enfim, parece repetir cada vez potente a saudade do Brasil em Portugal por conta de uma melancolia de além-mar que atravessa o oceano e conecta as músicas dos dois países.
O violonista gaúcho Yamandu Costa (à esquerda) e o cantor português António Zambujo têm dois álbuns gravados em dupla
Kenton Thatcher / Divulgação
Fonte G1