Por Que Clássicos Infantis Do Brasil Não Chegam A Portugal

Por que clássicos infantis do Brasil não chegam a Portugal – 14/02/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“É sério, tenho o livro cá.” Bárbara Bulhosa se levanta e some pela porta de uma das salas do escritório da editora Tinta-da-China, em Lisboa. Menos de um minuto depois, a diretora da mansão editorial portuguesa reaparece com uma edição lusitana de “O Menino Maluquinho”, o clássico de Ziraldo, lançada no país em 1995.

A estranheza já está no título, que virou “As Maluquices do Menino Maluquinho”. O texto tampouco é igual. Enquanto o original começa só com “era uma vez um menino maluquinho”, a versão publicada na idade pela editora Dinapress diz que “era uma vez um menino maluquinho, travesso até mais não”.

Mais adiante, o uirapuru brasílio com o qual o protagonista é comparado se torna um rouxinol. E, na modificação mais gritante e nonsense, o Saci, outra figura com quem Maluquinho é equiparada, é chamado de espantalho.

“São intervenções inúteis. As crianças portuguesas chegam ao Ziraldo privadas de seu ritmo e de sua dimensão literária”, diz Bulhosa. “Ele está a fazer um Saci, não um espantalho. Parece que nós somos burros para perceber isso.”

À primeira vista, os cortes e intromissões podem tanger uma vez que mais uma das anedotas que rondam as relações entre Brasil e Portugal. Mas são sintomas de um pouco mais profundo.

Historicamente, a literatura infantojuvenil brasileira enfrenta diversas dificuldades para ser publicada no país europeu, mesmo compartilhando um linguagem generalidade. E, ao ser lançada além-mar, quase sempre tem seu texto apropriado para varar as marcas do português falado no Brasil.

Na avaliação de Gustavo de Sá, superintendente do setor cultural da embaixada brasileira em Lisboa, a questão é a língua. “É uma vez que se publicar os livros no original fosse uma ofensa, uma ameaço à integridade linguística das crianças portuguesas, que precisam ser protegidas do português ‘inverídico’ do Brasil”.

Para tentar preencher esse vácuo, a Tinta-da-China lançou no ano pretérito a coleção Pererê, que leva às livrarias lusitanas dez clássicos brasileiros para a puerícia.

Entre as publicações, que têm texto original e nenhuma adaptação, estão o próprio “O Menino Maluquinho” e títulos uma vez que “Marcelo, Marmelo Martelo”, de Ruth Rocha, “Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, e “A Cofre de Noé”, de Vinicius de Moraes, por exemplo.

Editada com base da embaixada e do Instituto Guimarães Rosa, órgão ligado ao Itamaraty para promover a cultura brasileira, a série apresenta obras que nunca tinham atravessado o Atlântico, algumas delas com novo projeto gráfico e ilustrações feitas por artistas portugueses contemporâneos.

“Para além de ser uma coleção literária, é uma coleção política, no sentido de política da língua”, afirma Bulhosa. “Hoje temos muitas crianças brasileiras em Portugal, e elas muitas vezes são discriminadas nas escolas até pelos professores, que dizem que elas falam inverídico e não sabem grafar muito em português.”

Atualmente, muro de 400 milénio brasileiros vivem legalmente no país —o número totalidade é muito maior, já que a zero não considera quem está em situação irregular ou tem dupla cidadania.

O aumento recente da imigração fez com que crescessem também os casos de xenofobia e de violência. Segundo dados da Percentagem para a Paridade e Contra a Discriminação Racial portuguesa, 34% das denúncias de discriminação feitas no país em 2022, último ano do estudo, ocorreram devido à nacionalidade brasileira.

Embora a produção literária infantojuvenil do Brasil não conte com muito prestígio na terreno de Camões e Pessoa, seus autores e ilustradores estão entre os mais premiados do mundo e se tornaram os mais reconhecidos da língua portuguesa no projecto internacional para crianças e jovens.

Lygia Bojunga, Ana Maria Machado e Roger Mello venceram o Hans Christian Andersen, considerado o Nobel para esse público. Neste ano, Marina Colasanti e Nelson Cruz são finalistas do troféu, tornando o Brasil o único país com dois indicados. Outrossim, Bojunga ganhou ainda o Psique, {sigla} do Astrid Lindgren Memorial Award, outro dos reconhecimentos internacionais mais importantes. Nenhum responsável português ou mesmo africano ou asiático de língua portuguesa venceu esses prêmios.

“É por isso que as lacunas impressionam, porque é uma produção reconhecida”, diz Sá, da embaixada brasileira. “Mas já ouvi pais portugueses dizerem, por exemplo, que preferem não expor seus filhos em idade escolar ao português do Brasil.”

Segundo ele, é isso o que fez Ana Maria Machado e Lygia Bojunga só terem ganhado edições pontuais em Portugal e o que mantém nas sombras nomes uma vez que Marina Colasanti, Ruth Rocha, Pedro Bandeira, Roger Mello ou Nelson Cruz.

“Tenho oito livros publicados na China e mais quatro em produção. Mas nenhum em Portugal”, conta Roger Mello, indicado ao prêmio Psique deste ano. “Acho que o eurocentrismo se manifesta mais nos livros para crianças. Não só em Portugal, mas em toda a Europa. É uma vez que se tentassem passar a literatura dos outros países por um filtro.”

É provável discutir que o contrário também poderia ser verdade. Finalmente, a literatura portuguesa tampouco costumava chegar ao Brasil. Só que esse cenário vem mudando.

Um levantamento feito por Tainá Estremecido em seu mestrado na Universidade de Aveiro, em Portugal, contabilizou quantas obras infantojuvenis de autores brasileiros foram lançadas por editoras portuguesas de 2009 a 2018 e quantos títulos lusitanos fizeram o caminho inverso nesses mesmos dez anos. Enquanto unicamente 36 livros brasileiros cruzaram o oceano, 109 publicações portuguesas para crianças e jovens ganharam edições no Brasil.

Ao entrar na seção infantil de qualquer livraria portuguesa, nota-se esse abisso. As prateleiras geralmente estão abarrotadas de nomes estrangeiros, com até mais ingleses, espanhóis, franceses, americanos e coreanos do que propriamente portugueses. Só que é raríssimo encontrar brasileiros, angolanos ou moçambicanos.

A professora Ana Margarida Ramos, que orientou a pesquisa de Estremecido e é especializada em literatura infantojuvenil e livro ilustrado, confirma que escritores, ilustradores e obras fundamentais da literatura infantojuvenil brasileira continuam ignorados em Portugal. Mas diz enxergar outras causas para isso.

“A mesma língua que nos aproxima também nos distancia”, afirma. “Mas não me parece que a intervalo seja por falta de interesse do público. Há outros elementos que interferem no rotação do livro.”

De convenção com ela, editores brasileiros não investem tanto na divulgação dos lançamentos em Portugal, talvez por considerarem o mercado editorial pequeno. Outrossim, cita uma vez que fatores de desequilíbrio os entraves alfandegários e um maior base do governo português do que do brasílio na internacionalização dos catálogos, sobretudo nos últimos anos.

“Na minha percepção, não estou a ver o português falado no Brasil uma vez que problema ou tropeço, mas, sim, os mecanismos de promoção da produção no exterior”, conta.

Ao ser questionada sobre as vendas da coleção Pererê em Portugal, Bárbara Bulhosa faz uma pausa e responde que não divulga números, mas que estão inferior do esperado. “Deveriam estar a vender muito mais pela qualidade que têm. Há uma resistência”.

Folha

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