Por que mulher levou 20 anos restaurando 'a Última ceia'

Por que mulher levou 20 anos restaurando ‘A Última Ceia’ – 18/04/2025 – Ilustrada

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“Quando vi pela primeira vez, não pude confiar no estado em que a obra se encontrava.”

Essa foi a reação da italiana Pinin Brambilla, uma das maiores autoridades mundiais na conservação de afrescos renascentistas, ao se deparar com “A Última Ceia”.

“Não dava para ver a pintura original, estava completamente coberta por gesso e mais tinta. Havia cinco ou seis camadas por cima. Tive que me perguntar se era mesmo uma obra de Leonardo da Vinci, porque estava completamente irreconhecível.”

Era 1977 e Brambilla —que faleceu em 2020— havia assumido o duelo de restaurar a grande obra de Da Vinci, comissionada pelo duque de Milão Ludovico Sforza há mais de 500 anos.

Ela não foi a primeira a tentar salvar esse imponente mural de 4,5 metros de profundeza que decora uma parede do refeitório do mosteiro da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão.

Outros antes dela já haviam tentado, sem sucesso, resgatar essa obra destinada a desvanecer, mas todos os esforços anteriores haviam resultado em fracasso inteiro.

Desde que Da Vinci terminou a obra em 1498, “seis restauradores trabalharam nela. Cada um deles mudou a fisionomia, as características e as expressões dos apóstolos”, disse Brambilla à BBC em 2016.

Mateus, por exemplo, era um varão jovem, mas os sucessivos esforços para sustar a deterioração do mural o haviam transformado em “um varão mais velho, de cabelo escuro e pescoço fino”.

Jesus, embora não tão confuso, “tinha perdido segmento de sua humanidade, de sua formosura”, disse Brambilla.

“O que buscamos com nossa restauração foi restabelecer o caráter de cada quidam. E isso foi muito emocionante.”

Mas o maior problema desse mural de Da Vinci, que retrata o drama do jantar da Páscoa judaica e o momento em que Jesus revela aos discípulos que um deles irá traí-lo, é que ele começou a se desintegrar quase imediatamente depois ser concluído.

E tudo por motivo de um “grande erro”.

Técnica pouco duradoura

Por motivo de seu perfeccionismo publicado, Da Vinci rejeitou a técnica tradicional de pintura a fresco, que consiste em utilizar a tinta sobre uma estrato de argamassa ainda úmida. Esse método faz com que o pigmento se fixe na parede, mas exige rapidez para terminar os traços antes que a superfície seque.

Para evitar pressa e poder destinar tempo aos detalhes, Da Vinci decidiu usar uma técnica experimental, pintando com temperatura ou óleo sobre uma superfície seca de gesso. Isso fez com que os pigmentos não se fixassem de forma permanente à parede.

O jornalista americano Walter Isaacson afirma em seu livro “Leonardo da Vinci” que “exclusivamente 20 anos depois a epílogo, a pintura [de ‘A Última Ceia’] começou a esburgar, evidenciando que a técnica experimental de Leonardo foi um fracasso”.

E acrescenta: “Em 1652, a pintura estava tão desbotada que os monges se sentiram à vontade para transfixar uma porta na segmento subordinado do mural, cortando os pés de Jesus, que provavelmente estavam cruzados de forma a pressagiar a crucificação”.

Vários fatores contribuíram para a deterioração da obra. Para encetar, a parede do refeitório onde o mural está pintado absorvia umidade de um riacho subterrâneo que corria sob o mosteiro —alguma coisa que Da Vinci desconhecia.Ou por outra, por sua localização, a obra era exposta ao vapor e fumaça que vinham da cozinha.

Uma vez que se isso não bastasse, durante a Revolução Francesa, grupos anticlericais riscaram os olhos dos apóstolos, e na Segunda Guerra Mundial o refeitório foi atingido por bombas dos Aliados.

No entanto, o que mais preocupava Brambilla não era o que o tempo fez com a obra, e sim os esforços mal orientados de conservação que haviam sido feitos para salvá-la.

“Primeiro, analisei o que foi feito desde que Da Vinci a pintou. O que cada restaurador fez, porquê trabalharam, que materiais usaram”, contou Brambilla à BBC.

Depois de inicialmente selar a sala para evitar mais poeira e sujeira, e de montar enormes andaimes diante do mural, a restauradora e um pequeno grupo de assistentes fizeram pequenos furos na parede para inserir câmeras minúsculas e estabelecer quantas camadas de tinta cobriam a obra original.

“Trabalhávamos com pequenos fragmentos por vez, com muita dificuldade, porque a pintura que estava por inferior [a de Da Vinci] era muito frágil, enquanto a que estava por cima era muito resistente”, explicou Brambilla, fazendo um gesto com as mãos que indicava que o tamanho desses fragmentos não passava de 5×5 cm.

Trabalhosamente, com a ajuda de lupas, instrumentos cirúrgicos e toneladas de paciência, a equipe foi removendo as camadas de tinta e cola para revelar as cores originais da obra, enquanto deixava outras partes expostas, retocadas exclusivamente com aquarela.

Finalizar cada seção levou meses ou até mesmo anos. Diversas interrupções também afetaram a perenidade do trabalho, desde dificuldades técnicas e burocráticas até visitas de dignitários estrangeiros e membros da realeza europeia.

Missão cumprida

A dedicação de Brambilla afetou também sua vida pessoal e familiar. “O trabalho me fazia passar muito tempo longe do meu marido e do meu rebento. Às vezes eu trabalhava sozinha, até mesmo aos sábados e domingos até o meio-dia. Em manifesto momento, meu marido me disse: ‘chega, isso já é suficiente, quero viver um pouco’. Mas eu estava completamente obcecada.”

Finalmente, em 1999, depois pouco mais de duas décadas, quando a perito já tinha mais de 70 anos, ela deu a tarefa por concluída.

Ao remover séculos de restaurações questionáveis, traços que antes eram toscos e sem sentença se tornaram delicados, refinados. Agora era provável ver claramente os provisões na mesa, os vincos na toalha.

Alguns críticos acreditam que a restauração removeu tinta demais da obra, outros dizem que ela está quase porquê Da Vinci a deixou.

Brambilla ficou satisfeita com seu trabalho. “Agora os rostos dos apóstolos parecem realmente participar do drama do momento e evocam a gama de emoções que Leonardo quis retratar diante da revelação de Cristo.”

Mas ela também confessou a tristeza que sentiu ao finalizar o processo. “Quando terminei de trabalhar na pintura, fiquei triste porque tinha que deixá-la”, disse, reconhecendo que isso acontecia não só com Da Vinci.

“Em cada obra que restauro, uma segmento dela fica comigo, alguma coisa do artista. Alongar-se sempre é difícil. É porquê se você perdesse uma segmento de si mesmo.”

Esta reportagem foi publicada originalmente cá

Folha

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